Note que, assim como acontece com os agrotóxicos, alega-se que a culpa pela criação de insetos resistentes é dos agricultores, que não sabem usar adequadamente a tecnologia.

Em tempo: a notícia fez as ações da empresa caírem 4%, conforme divulgou a CNBC.

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Wall Street Journal Americas, 28/08/2011

Por SCOTT KILMAN

Pés de milho que a Monsanto Co. modificou geneticamente para bloquear um inseto voraz estão virando alimento dessa mesma praga em umas poucas plantações nos Estados Unidos, a primeira vez em que uma praga desenvolve resistência a uma lavoura fruto de engenharia genética na região agrícola americana.

A descoberta suscita temores de que a maneira como alguns produtores estão usando lavouras alteradas possa alimentar pragas resistentes.

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O entomologista Aaron Gassmann, da Universidade Estadual de Iowa, descobriu que em quatro plantações no noroeste do Estado de Iowa a praga conhecida como diabrótica do milho passou a resistir ao pesticida natural produzido pelo milho da Monsanto. A descoberta pode estimular alguns produtores a passar a usar sementes resistentes a insetos vendidas por concorrentes da firma de biotecnologia de Saint Louis e a voltar a borrifar inseticidas sintéticos sobre suas plantações.

“Esses são casos isolados, e não está claro o quanto o problema vai se espalhar”, disse Gassmann ao Wall Street Journal. “Mas é um primeiro alerta de que as práticas de manejo precisam mudar.”

A descoberta acirra a disputa entre firmas rivais de biotecnologia agrícola para localizar a próxima geração de genes capazes de proteger as plantas de insetos. Cientistas da Monsanto e da Syngenta AG, que tem sede em Basiléia, na Suíça, já estão pesquisando como usar um avanço da medicina chamado interferência por RNA para, entre outras coisas, tornar as plantas agrícolas fatais para os insetos. Se isso funcionar, um inseto que coma tal planta pode ingerir um código genético que desativa um de seus genes essenciais.

A Monsanto informou que suas linhas de sementes de milho resistentes à diabrótica estão funcionando como ela esperava “em mais de 99% dos hectares plantados com essa tecnologia” e que é cedo demais para saber o que o estudo da Universidade Estadual de Iowa significa para os produtores rurais.

A descoberta acontece em meio a um debate sobre se as plantações geneticamente modificadas que já saturam o Cinturão Agrícola americano estão mudando de maneira indesejável o modo como alguns produtores operam.

Essas plantas à prova de insetos e resistentes a herbicidas tornam a produção agrícola tão mais fácil que muitos produtores passaram a contar demais com essa tecnologia, o que viola um mandamento básico do manejo de pragas, o de que o uso de um mesmo método ano após ano dá mais oportunidades para as pragas se adaptarem.

A Monsanto já está no centro dessa questão por causa do sucesso desde os anos 90 na comercialização de sementes que produzem plantas que conseguem sobreviver à exposição ao herbicida Roundup, um químico baseado no glifosato conhecido por sua capacidade de matar praticamente tudo o que é verde.

Essas sementes tornaram tão conveniente para os produtores rurais borrifar Roundup que muitos produtores pararam de usar outros produtos para eliminar pragas. Como resultado, dizem muitos cientistas, as superpragas imunes ao Roundup se espalharam em milhões de hectares em mais de 20 Estados americanos.

A Monsanto se tornou a primeira empresa a vender milho geneticamente modificado resistente à diabrótica para produtores rurais em 2003. A semente contém um gene de um micro-organismo do solo chamado Bacillus thuringiensis, ou Bt, a partir do qual tem-se usado biotecnologia para extrair vários genes para produção de proteínas inseticidas. Um dos genes que a Monsanto criou produz uma proteína cristalina chamada Cry3Bb1. Ela rasga o intestino da diabrótica, mas é inócua para mamíferos, pássaros e a maioria dos insetos benéficos. Os concorrentes, que usam outros genes Bt para atacar a diabrótica, estimam que aproximadamente um terço do milho produzido nos EUA leva o gene Cry3Bb1 da Monsanto.

Até a chegada das plantas resistentes a inseticidas, primeiro para combater a broca do milho e depois a diabrótica, os produtores americanos geralmente tentavam controlar esses insetos mudando o que produziam a cada ano, geralmente fazendo a rotação entre o milho e a soja. Dessa maneira, os descendentes dos insetos que gostam do milho morriam de fome no ano seguinte.

Alguns produtores começaram a plantar milho na mesma área ano após ano. O incentivo financeiro para plantar milho cresceu nos últimos anos em parte porque o apetite voraz das usinas de álcool combustível, que nos EUA é fabricado a partir do milho, ajudou a puxar os preços para cima, aumentando a lucratividade dos produtores.

Segundo Gassmann, as plantações de Iowa nas quais ele encontrou diabrótica resistente à toxina Cry3Bb1 vinham produzindo milho com Bt da Monsanto havia pelo menos três anos. Gassmann coletou diabróticas adultas de quatro plantações de milho no Iowa que sofreram danos em 2009. Suas larvas foram alimentadas com milho contendo a toxina Cry3Bb1 da Monsanto. Elas tiveram uma taxa de sobrevivência três vezes mais alta do que as larvas de amostra que comeram o mesmo milho.

Gassmann descobriu que a toxina Bt da Monsanto ainda tinha um impacto letal sobre larvas das plantações problemáticas de Iowa, e que os insetos ainda eram altamente suscetíveis a uma planta resistente à diabrótica de uma concorrente que usa uma toxina diferente, chamada Cry34/35Ab1.

Cientistas de outros Estados do Cinturão Agrícola também estão procurando sinais de que o milho com Bt da Monsanto possa estar perdendo sua eficácia. Mike Gray, um entomologista da Universidade de Illinois, disse que está estudando diabróticas adultas que coletou no noroeste de Illinois este mês em plantações onde o milho contendo Bt da Monsanto tinha sofrido grandes danos causados pela diabrótica.

O governo americano exige que os produtores rurais que plantam milho geneticamente modificado adotem certas medidas para prevenir que os insetos desenvolvam resistência. Os produtores rurais devem criar um refúgio para os insetos plantando milho não modificado em parte de sua área. O refúgio, que pode ter até 20% da área plantada, é para reduzir as chances de que dois insetos resistentes à toxina cruzem e passem adiante essa característica para seus descendentes.

Gray disse que a confirmação de diabróticas resistentes à toxina em Iowa pode forçar a Agência de Proteção Ambiental dos EUA a rever sua política de permitir que o tamanho desses refúgios para os insetos encolha para até 5% da área plantada com milho.

Parte do que atraiu produtores rurais para a nova linha de milho SmartStax da Monsanto é que ela permite que eles plantem um refúgio menor. Mas uma das duas toxinas antidiabróticas dessa linha é a proteína Cry3Bb1 que foi objeto do estudo de Gassmann.

A Agência de Proteção Ambiental disse que é cedo demais para se comentar sobre quaisquer implicações resultantes do trabalho de Gassmann.