La Jornada, 25/08/2012

Tradução: ADITAL, 28/08/2012

Silvia Ribeiro é pesquisadora do Grupo ETC

No nordeste da Argentina, essa província, que deve seu nome às missões jesuítas instaladas na região do século XVI ao século XVIII, era coberta pela floresta tropical. Entretanto, a paisagem foi transformada há cerca de um século pelos colonos de origem européia, que desmataram uma parte grande do território a fim de explorar a terra vermelha, rica em óxido de ferro e muito fértil. Em dez anos, o consumo de herbicidas à base de glifosato passou de 28 milhões a 200 milhões de litros, enquanto, nesse mesmo período, 100.000 agricultores foram obrigados a abandonar suas fazendas. Foto: Yann Arthus-Bertrand, http://terravistadoceu.com

Como serpente que morde o próprio rabo, o sistema alimentar industrial –que é o principal causador da mudança climática global- se sacode pelas perdas de colheitas devido a intensas secas nos Estados Unidos. Em algumas partes, apesar de que há colheita, esta não pode ser utilizada porque por falta de chuva as plantas não processam os fertilizantes sintéticos e tornam-se tóxicos para o consumo. Tudo isso está relacionado com o mesmo sistema industrial: sementes uniformes, sem biodiversidade, com agrotóxicos e fertilizantes sintéticos, com uso de transporte, energia e petróleo -portanto, grande emissor de gases de efeito estufa-, e controlado pelas transnacionais.

No caso do milho, a escassez se exacerba porque 40% da produção nos Estados Unidos destina-se ao etanol, ou seja, para alimentar carros em vez de gente.

Por Estados Unidos serem um dos principais exportadores mundiais de milho, soja e trigo, juntamente ao fato de que 80% da distribuição global de cereais está em mãos de quatro multinacionais que administram o abastecimento de modo a obter mais lucros, a baixa de produção nesse país tem efeito dominó sobre o mercado global, onde os preços dos alimentos estão disparados. Além dos grãos, sobem os preços das aves, dos porcos e do gado, já que mais de 40% da produção de cereais do mundo é usada como forragem para a criação industrial confinada de animais. O que é outro absurdo do mesmo sistema agroindustrial, já que seria muito mais eficiente usar os cereais para a alimentação humana e consumir menos carne, ou que a criação fosse em pequena escala, com forragens diversificadas. A criação industrial confinada e massiva de animais também dá origem a epidemias, como a gripe suína e a gripe aviária, que, por sua vez, geram escassez e aumento de preços, como vimos recentemente no México, com o aumento do preço dos ovos devido a um brote de gripe aviária.

Os que mais sofrem com os aumentos de preços são os mais pobres, principalmente os que vivem em zonas urbanas, que gastam 60% de seus ingressos em alimentos.

Ao contrário, as poucas transnacionais que controlam o sistema alimentar e agroindustrial (da Monsanto até a Wal-Mart, passando pela Cargill, ADM, Nestlé e algumas mais), que controlam as sementes e pés de criação, os agrotóxicos, a compra, distribuição e armazenamento de grãos (também para biocombustíveis), os processadores de carnes, alimentos e bebidas, bem como os supermercados, são os responsáveis pela crise; porém, se blindaram contra seus efeitos, trasladando as perdas para os pequenos produtores, para os consumidores e para os cofres públicos. Para elas, o caos climático e a escassez não significam perdas, mas aumento nos lucros, como acontece com as sementes, com os agrotóxicos e fertilizantes que voltam a ser vendidos, ou a empresas que armazenam cereais, os acaparam e especulam, vendendo-os mais caros; ou os produtos em supermercados, cujo preço aumenta muito mais do que a proporção no início da cadeia produtiva.

O caso do milho no México é ilustrativo. Apesar de que os agricultores do norte do país afirmam ter 2 milhões de toneladas para vender, recentemente importaram 1.5 milhões de toneladas dos Estados Unidos (transgênico) e, por outro lado, venderá 150 mil toneladas para El Salvador e outra partida para a Venezuela. Anteriormente, havia comprado meio milhão de toneladas da África do Sul. Absurdo para o clima, devido aos transportes desnecessários; e, brutal contra a produção nacional. Questionado, o Secretário de Economia, Bruno Ferrari (que foi funcionário da Monsanto), lavou as mãos, alegando que é uma decisão de empresas privadas.

O pano de fundo, como explica Ana de Ita, do Centro de Estudos para o Campo Mexicano (Ceccam), é que o contexto das políticas para liberalizar a produção agrícola nacional que precederam à assinatura do Tlcan, desmantelou-se a paraestatal Companhia Nacional de Subsistências Populares (Conasupo), que equilibrava o comércio interno de milho, entregando o mercado interno às transnacionais: empresas como Cargill, ADM, Corn Products International, junto a grandes granjas suínas, avícolas e de processamento industrial de ‘tortillas’. Estas compram a quem lhes convém, seja porque é mais barato ou por outras razões, como comprar a agricultores com os quais têm contratos de produção nos Estados Unidos.

Esse tipo de empresas –e seus ex-funcionários no governo, como Ferrari- são as que afirmam que se deve importar milho, porque a produção nacional não é suficiente. No entanto, nos últimos anos, o México produziu ao redor de 22 milhões de toneladas anuais, e o consumo humano é de uns 11 milhões. São usados em derivados industriais outros 4 milhões de toneladas, restando ainda 7 milhões. Porém, as empresas importam entre 8-9 milhões de toneladas anuais adicionais, porque são utilizadas 16 milhões de toneladas de milho na criação industrial massiva de aves e porcos –também de grandes empresas.

Se a criação fosse descentralizada e com forragens diversificadas haveria suficiente produção, sem epidemias e sem milho transgênico de transnacionais, com muitas mais fontes de trabalho rural. A importação de milho para o México não é necessária; é, simplesmente, um negócio entre transnacionais, comutado e subsidiado pelo governo.

Se as políticas públicas protegessem a produção agrícola e pecuária diversificada e de pequena escala, com sementes próprias e públicas nacionais, se diversificariam os riscos –inclusive climáticos- e teríamos produção alimentar suficiente, acessível e de melhor qualidade.