PÁGINA 22, 08/04/2013

por José Alberto Gonçalves

Contra lobby da indústria, Ibama tenta limitar o uso de inseticidas nocivos às abelhas

A mortandade de abelhas tornou-se acontecimento corriqueiro no mundo do século XXI, inclusive no Brasil. O fenômeno foi batizado de Colony Collapse Disorder (CCD) e identificado inicialmente nos Estados Unidos no inverno em fins de 2006, quando apicultores relataram perdas de 30% a 90% de suas colmeias [O CCD é provavelmente efeito de uma combinação de fatores, especialmente perda de habitat, doenças e agrotóxicos].

O mais recente caso no Brasil, com relato às autoridades, ocorreu em fevereiro na região de Dourados (MS), onde 70 colmeias de um único apicultor feneceram em poucos dias, selando o destino de quase 3,5 milhões de abelhas, que produziam mais de 1 tonelada de mel ao ano. “Há forte suspeita de que a morte das abelhas foi provocada pela aplicação de um inseticida da classe dos neonicotinoides em um canavial”, conta Osmar Malaspina, professor do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro (SP). O especialista ainda não possui detalhes da matança, que está sendo investigada pelo governo do Mato Grosso do Sul.

Foram casos como o de Dourados e evidências científicas recentes que levaram o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a comprar uma briga – desigual – com a indústria dos agrotóxicos, ao proibir temporariamente a aplicação de quatro inseticidas em lavouras que recebem insetos polinizadores: fipronil (um pirazol) e três neonicotinoides, imidacloprido, clotianidina e tiametoxam (Veja o comunicado). “O Ibama apanhou muito da indústria e do Ministério da Agricultura por causa da medida”, revela uma fonte de fora do governo, que prefere não se identificar.

Acossado pelo poderoso lobby do agronegócio, a agência ambiental teve de ceder e assinou duas instruções normativas conjuntas com a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), órgão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A de outubro passado liberou a pulverização aérea dos quatro agrotóxicos, e a publicada no início de janeiro flexibilizou ainda mais a medida original, apenas resguardando a floração.

De qualquer maneira, as instruções normativas não mexeram na reavaliação do registro do imidacloprido, prevista pelo comunicado do Ibama para terminar em junho próximo. “Voltamos praticamente à estaca zero pois foi ignorado solenemente o efeito bordadura da vegetação adjacente, que fornece pólen e néctar aos polinizadores”, protesta Aroni Sattler, pesquisador do laboratório de apicultura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Para o presidente da Confederação Brasileira de Apicultura (CBA), José Cunha, a flexibilização foi obra da pressão da indústria e da inexistência de agrotóxicos alternativos no País. “A exceção para a fase da floração atenua o problema”, diz.

A reportagem insistiu, mas não conseguiu agendar entrevista com o porta-voz do Ibama. Não há dados oficiais sobre o tamanho do declínio nas populações de abelhas domésticas e silvestres no Brasil, mas os relatos de apicultores e cientistas sobre a mortandade em massa das colmeias recomendam ações urgentes por parte do governo e do setor privado.

Campeão de vendas no mercado mundial de inseticidas, o imidacloprido foi desenvolvido nos anos 1970 pela Shell e na década de 1980 pela Bayer. Estima-se que as vendas globais de imidacloprido somem pouco mais de US$ 1 bilhão, vindo depois o tiametoxan, da Syngenta, com faturamento anual de mais de US$ 600 milhões. As empresas não divulgam os dados. Os neonicotinoides funcionam como neurotoxinas que interferem no sistema nervoso dos insetos, prejudicando o olfato e a memória, elementos essenciais para a manutenção das colmeias, como mostram inúmeras pesquisas recentes.

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO ATROPELADO

Na opinião da bióloga Maria Cecília Rocha, doutoranda em Ecologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA), o princípio da precaução está sendo atropelado pela concorrência entre as empresas de agrotóxicos. A pesquisadora assinala, ainda, que o surgimento de resistência de diversas pragas aos venenos existentes força a indústria de agrotóxicos a uma correria na elaboração de novos compostos. “Os novos produtos precisam ser aprovados o mais rápido possível, tornando relapsos os testes sobre controle e previsão de possíveis situações de contaminação do ambiente”, critica Maria Cecília. Ela é coautora de estudo publicado pelo Ibama em outubro e acessível no link.

Procurado para esclarecer a posição da indústria, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) preferiu enviar uma nota por email. Nela, a entidade informa que participa do grupo de trabalho formado pelo Ministério da Agricultura para estudar possíveis decorrências de eventual proibição a determinados usos de agroquímicos. A Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que reúne as principais companhias do setor, também foi procurada, mas não designou representante para falar com a reportagem.

Parece irônico que o lobby do agronegócio se volte contra uma medida que visa proteger um serviço ambiental que aumenta a produtividade das lavouras em até 20%, ensina o pesquisador Aroni Sattler. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), as abelhas, sobretudo as silvestres, polinizam 71 de pouco mais de 100 culturas que respondem por 90% da oferta global de alimentos.

Nos Estados Unidos, a polinização das plantações por abelhas e outros insetos contribuiu com US$ 29 bilhões na receita dos produtores agrícolas em 2010 [6]. O lobby da indústria também tem sido bastante ativo no Velho Continente, onde a Comissão Europeia tenta suspender por dois anos a aplicação dos três inseticidas neonicotinoides sob cerco do Ibama. Apesar dos prognósticos sombrios para os polinizadores, a percepção de sua relevância para uma economia limpa e próspera poderá salvá-los da extinção.

Leia mais em “Declínio de abelhas associado a inseticidas”