Revista Safra, 21/08/2013

por Lauro Veiga Filho jornalista, editor da Revista Safra

Responsável por dois terços das importações de soja em grão realizadas no planeta, a China sozinha responderá ainda pelo crescimento total dos volumes importados no mundo ao longo da safra 2013/14, segundo o mais recente levantamento da oferta e da demanda globais de grãos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na versão inglesa da sigla). Seja por questões “mercadológicas” ou não, partiu de terras chinesas um dos mais recentes alertas contra a soja transgênica, fortemente questionado pelos grandes lobbies do setor, como não poderia deixar de ser.

Segundo declarações atribuídas pela agência de notícias Dow Jones Newswires ao vice-secretário-geral da Associação de Soja de Helongjiang, Wang Xiaoyu, o consumo regular de óleo de soja produzido a partir de grãos geneticamente modificados em laboratório tornaria as pessoas mais vulneráveis e predispostas ao desenvolvimento de tumores e à esterilidade. Xiaoyu teria baseado suas conclusões na observação de elevados níveis de incidência de câncer nas províncias de Fujian e Guangdong, onde o consumo de óleo de soja transgênico é mais alto. O fato é que o governo chinês ainda reluta a autorizar o plantio em grande escala da soja transgênica em seu país

Ainda nesta área, a Monsanto anunciou recentemente que vai retirar todos os pedidos de autorização para o cultivo de novos organismos geneticamente modificados na União Europeia (UE), depois de anos de espera por sua aprovação. Tudo a ver com a forte resistência dos governos e da opinião pública europeia à produção de organismos artificialmente modificados em laboratório. No Brasil, a gigante multinacional enfrenta derrotas em sequência nos tribunais por ter extrapolado a cobrança de royalties dos produtores por uma tecnologia que já havia caído em domínio público.

A despeito de tudo, as variedades transgênicas de soja deverão ocupar, na safra que começa a ser plantada em setembro, algo como 97% de toda a área reservada para o grão, embora a principal vantagem, sob o ponto de vista do produtor, possa se resumir à maior facilidade de manejo da cultura. Gabriel Bianconi Fernandes, agrônomo, assessor técnico da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, relembra que as primeiras sementes de soja transgênica desembarcaram no País por meio de contrabando em meados da década de 1990 e sua exploração foi “legalizada” primeiro por meio de medida provisória e, na sequência, pela aprovação da lei de biossegurança que não enfrentou o referendo de qualquer órgão técnico, “evidenciando a ausência de estudos prévios de impactos à saúde e ao meio ambiente”.

Para o consumidor, prossegue o agrônomo, não há vantagem alguma. “Pelo contrário, o grão de soja Roundup Ready (RR) tem maior resíduo de agrotóxico do que o comum, tanto é que para viabilizar o sistema a Anvisa ampliou em 50 vezes o limite de resíduo de glifosato permitido na soja RR. No milho RR esse aumento foi de 10 vezes”. De acordo com Fernandes, as vendas de agrotóxicos, com a soja respondendo por metade desse consumo, cresceram 72% entre 2006 e 2012, de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas, período de expansão da soja transgênica. Mas a área total plantada, incluindo grãos, fibras, café e cana, aumentou apenas 19%. “Os dados mostram que a promessa da indústria de reduzir o uso de agrotóxicos com a adoção dos transgênicos não está sendo cumprida”, afirma ainda.

Para tentar antecipar alguma tendência para o futuro imediato, Fernandes sugere uma olhada na pauta de processos da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). “Os pedidos de testes e de liberação comercial são para sementes resistentes a agrotóxicos velhos e mais tóxicos, como 2,4-D, dicamba e glufosinato de amônio. Isso mostra uma grande distância entre o que prometem as empresas e o que de fato a tecnologia é capaz de proporcionar”, adverte.

Para finalizar, Fernandes apresenta os resultados do estudo mais recente realizado por dois anos com 200 ratos de laboratório, com avaliação de mais de 100 parâmetros. Os animais foram alimentados com em três dietas distintas: apenas com milho NK603, com milho NK603 tratado com Roundup e com milho não modificado geneticamente tratado com Roundup. “As doses de milho transgênico (a partir de 11%) e de glifosato (0,1 ppb na água) utilizadas na dieta dos animais foram equivalentes àquelas a que está exposta a população norte-americana em sua alimentação cotidiana. Os resultados revelam uma mortalidade mais alta e frequente quando se consome esses dois produtos, com efeitos hormonais não lineares e relacionados ao sexo”, aponta. “As fêmeas desenvolveram numerosos e significantes tumores mamários, além de problemas hipofisários e renais. Os machos morreram, em sua maioria, de graves deficiências crônicas hepato-renais (Long term toxicity of a Roundup herbicide and a Roundup-tolerant genetically modified maize. Food and Chemical Toxicology, Séralini G.E. et al. 2012). Esta variedade foi liberada comercialmente pela CTNBio em 2008”.