DiárioWeb.com.br, 12/04/2014

“Para cada 50 mil habitantes, serão necessários 10 milhões de mosquitos por semana”

Projeção feita para Rio Preto com base na densidade populacional aponta: dois bilhões de mosquitos geneticamente modificados seriam capazes de reduzir, na cidade, em mais de 90% a incidência do mosquito Aedes aegypi, transmissor da dengue, em um período de até seis meses. Não se trata de milagre, mas de um avanço da ciência: larvas produzidas a partir da cópula do macho transgênico com a fêmea normal morrem antes de chegar à fase adulta.

A empresa britânica Oxitec, com fábrica em Campinas (SP), conseguiu liberação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, para produzir o mosquito transgênico criado para combater a dengue. Batizado de OX513, o organismo – que não ameaça o meio ambiente e nem as pessoas, segundo a empresa – pretende acabar com a população adulta selvagem do Aedes aegypti.

A tecnologia consiste na inserção de dois genes em mosquitos machos, que após serem liberados na natureza, são incapazes de produzir descendentes viáveis ao copularem com fêmeas selvagens, que são responsáveis pela transmissão da doença. Os mosquitos transgênicos também herdam um marcador que os torna visíveis sob uma luz específica, como se fosse uma fluorescência. Esta tecnologia é uma evolução da Técnica do Inseto Estéril (TIE), que há mais de 50 anos utiliza radiação para esterilizar insetos machos para controlar ou até eliminar as populações de insetos pragas.

Testados

No Brasil, o projeto foi desenvolvido pela Oxitec em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o organização social Moscamed, em uma biofábrica na cidade de Juazeiro (BA). Os testes foram feitos nos bairros Itaberaba e Mandacaru, na cidade de Juazeiro, e o bairro Pedra Branca, em Jacobina, ambas do Estado da Bahia, por meio de uma autorização da CTNBio.

A empresa chegou a constatar uma redução de até 93% da população selvagem do mosquito da dengue após seis meses. “Esse mesmo procedimento foi desenvolvido com sucesso na Malásia e Ilhas Cayman. O próximo passo é o Panamá”, afirma Glen Slade, diretor global de desenvolvimento de negócio da Oxitec.

Depois de dois anos de testes, a Oxitec estima que para cada 50 mil habitantes, serão necessários 10 milhões de mosquitos por semana (240 milhões em seis meses, pois uma primeira parte do processo demora até uma semestre). Todo o trabalho deve ser desenvolvido em um ano e custará de R$ 2 a R$ 5 milhões. Depois disso, a estimativa de investimento é de R$ 1 milhão. A empresa afirma que pretende reduzir os valores quando a comercialização for liberada.

Rio Preto

Com base no panorama de Rio Preto – projetando a partir da população das cidades onde foi feito o teste – seriam necessários 2 bilhões de mosquitos transgênicos para atender a demanda de 434.039 habitantes (8,6 vezes o tamanho das cidades de 50 mil habitantes, onde ocorreu a experiência). A Prefeitura teria que investir de R$ 17,2 a R$ 43 milhões no primeiro ano de ação.

Para o secretário municipal de Saúde, José Victor Maniglia, ainda é precipitado se falar sobre a eficiência desses mosquitos transgênicos. “Temos só o resultado de pequena escala. Eles já foram testados em outros lugares e não deram certo. Eficaz, com certeza, será a vacina, que imunizará as pessoas da doença. Enquanto isso é necessário se investir nas ações de prevenção.” A pasta estima gastar R$ 34 milhões para combater a dengue neste ano.

Ainda não pode vender

O OX513A é o primeiro inseto geneticamente modificado a obter essa licença no País, mas ainda não pode ser comercializado. Para vender o inseto, a Oxitec ainda precisa de um registro comercial do produto. De acordo o diretor Glen Slide, a empresa conversa com o governo brasileiro para encontrar o caminho e conseguir o registro. “É um grande avanço ter a liberação da comissão. Já que o Brasil tem uma das maiores incidências de dengue do mundo. Não se pode falar em ausência de risco, mas por enquanto, esse é o método mais eficaz para se combater a dengue.”

Cidade teve epidemia em 2010 e 2013

De acordo com o último boletim divulgado pela Secretaria de Saúde de Rio Preto (no último dia 17) 73 pessoas foram picadas pelo mosquito Aedes aegypti e estão com dengue. O número é referente ao primeiro trimestre do ano. Dos casos confirmados, três pessoas estão com dengue com sinais de alarme, segundo a nova classificação do Ministério da Saúde. Isso significa que os pacientes apresentam dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, acúmulo de líquidos e sangramento de mucosas. Eles foram registrados nos meses de fevereiro (2) e janeiro (1).

Os outros 70 casos são classificados somente como dengue comum, já que os principais sintomas são febre, dor no corpo e mal estar. O boletim da Saúde totaliza 1.406 notificações. Dessas, 1.070 já foram descartadas. No mesmo período de 2013, a Prefeitura havia registrado 23.587 notificações, sendo 12 de dengue com complicações e seis como febre hemorrágica dengue. Essa era a classificação antiga utilizada pelo Ministério da Saúde. No ano passado, a cidade enfrentou a segunda pior epidemia de dengue da história, com 18.702 infectados e nove mortes. Em 2010, o ano com a pior epidemia da história da cidade, foram 24.286 pessoas infectadas e 12 mortes

Mosquito agora transmite nova doença

Estudo da Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto Pasteur revela que o Aedes aegypti pode se tornar transmissor de mais uma doença no País, além da dengue e da febre amarela. Trata-se da febre chikungunya, provocada pelo vírus de mesmo nome que circula por 40 países e chegou recentemente ao Caribe. No Brasil, três casos importados foram registrados. Um deles é uma mulher de 25 anos, moradora de Tanabi, que foi picada na Índia, de onde voltou em 2010, com os sintomas da doença, que são febre e fortes dores nas articulações. Os outros casos foram confirmados no mesmo ano.

Durante os estudos, foram analisados cepas de vírus da África, Nova Caledônia e da região do Oceano Índico. Em laboratório, mosquitos de dez países foram infectados e se apresentaram aptos para a disseminação da doença em sete dias. De acordo com o estudo, além do Aedes aegypti, o Aedes albopictus tem potencial elevado de disseminar a febre. A preocupação dos pesquisadores é maior com a proximidade da Copa do Mundo, com o aumento de turistas no Brasil.

A febre chikungunya tem sintomas semelhantes aos da dengue – dor de cabeça, febre alta, dor musculares. O que diferencia as doenças são as fortes dores nas articulações, que em alguns casos pode durar meses. A doença não apresenta alterações sanguíneas, como queda de plaquetas, que leva à forma hemorrágica, no caso da dengue.