Abrasco, 22 de outubro de 2014 – Por Flaviano Quaresma

Agrotóxicos, agroecologia, agronegócio e transgênicos e sua relação com a saúde são discutidos no 2º Sibsa

Inédito no Simpósio, os movimentos sociais tiveram participação importante nas discussões com pesquisadores no eixo que discutiu o desenvolvimento e os conflitos territoriais, a luta pela saúde e ambiente nos territórios

O pesquisador José Maria Ferraz apresentou os problemas associados à liberação do mosquito transgênico

Pesquisadores e movimentos sociais estiveram reunidos na tarde do primeiro dia de programação do 2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente da Abrasco, em Belo Horizonte, para discutir várias questões relacionadas ao desenvolvimento e aos conflitos territoriais com foco na luta pela saúde e ambiente. Temas bastante esperados pelo público no Simpósio, agrotóxicos, agroecologia, agronegócio e transgênicos mantiveram em pauta discussões ricas envolvendo as populações e as situações de saúde/doença.

Agroecologia e Saúde

Moderado por Paulo Petersen, a mesa “Agroecologia e Saúde” alcançou as concepções de relação humanidade-natureza presentes em experiências agroecológicas e seus conflitos com o agronegócio. Participaram dessa atividade Agnaldo Fernandes (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi – RN), Renato Moreira de Souza (Assentamento Santo Dias – MG) e Emília Alves da Silva Rodrigues (Quebradeiras de Coco – TO).

A partir das experiências contadas, observou-se, principalmente com a participação do público, que a ética pela vida, o protagonismo social, a criatividade e a visão sistêmica são os pontos comuns das histórias de vida apresentadas pelos participantes. Nesse sentido, foram apontados desafios e possibilidades como manter as novas gerações no campo, atuando na lavoura; o diálogo de saberes entre a universidade e o campo; a promoção de intercâmbios de experiências; a possibilidade de repensar o conceito de saúde; a superação da inversão de valores relacionada à comprovação de que o orgânico faz bem e que os alimentos contaminados não são identificados como tal; e a ação crítica do mundo acadêmico junto aos movimentos sociais para transformar a realidade.

Considerações importantes foram destacadas como as questões que precisam ser superadas: a arrogância dos pesquisadores que não têm compromisso político; novos hábitos diários de consumo, especialmente alimentação; que nós não vivemos DA natureza e sim NA natureza; e o enfrentamento do agronegócio.

Agronegócio e Saúde

Um ponto foi crucial durante o debate: agronegócio não pode ser associado à saúde, portanto, o nome da mesa “Agronegócio e Saúde” está equivocado. Nesse encontro, que reuniu José Gomes da Silva, da Associação Regional de Produtores Agroecológicos (ARPA, do Assentamento Roseli Nunes (MT), e Cosme Rite, da tribo Xavantes, Maraiwatsedé (MT), sob a coordenação de Wanderlei Pignati (Abrasco) e Nivia Regina da Silva (MST e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida).

José Gomes apresentou o contexto dos conflitos do Assentamento Roseli Nunes, ligado à cadeia agroindústria no Centro-Oeste (mineração, agrotóxicos e insumos, monoculturas e muita disputa por território). “No sistema capitalista, você vale o que tem. E nós não tínhamos nada”, revelou. Ele disse que sem a organização com o MST, eles não conseguiriam, como também a organização o povo, o apoio dos pesquisadores e com o curso técnico Pé no Chão, que apoiou a transição agroecológica. “O MST é o sangue do assentamento”, afirmou. Revelou ainda que depois de todo esse processo de luta, hoje saem dois caminhões por semana de comida saudável do assentamento para as cidades. “É preciso Reforma Agrária já para resolver a miséria, a fome e todo o quadro de injustiças”, enfatizou Jose Gomes.

Cosme Rite, dos Xavantes, em Maraiwatsedé, disse que mudanças geram conflitos entre os Xavantes. Maraiwatsedé, terra de mato alto e muitos bichos no Mato Grosso, sempre foi alvo de muita gente: da AGIP (empresa de petróleo), dos fazendeiros gaúchos e do agronegócio. “Nosso povo foi expulso de sua terra, levados pela Força Aérea Brasileira para outro lugar, 400 quilômetros de distância de seu local de origem”, disse. Cosme contou que com a Eco 92, a AGIP deixou o território indígena, mas o INCRA permitiu a ocupação pelos fazendeiros. Depois de muitos anos de ocupação, a organização indígena conseguiu durante a Rio +20, expulsar os fazendeiros da terra, entretanto, o solo estava destruído e contaminado. “Não precisamos apenas ocupar a terra, mas produzir e se sustentar. Somos excluídos pelo Estado, sem saúde, educação e assistência. Sofremos muito com a contaminação, até meu neném. Crianças morrem por falta de assistência e negligência médica”, conta Cosme. O indígena afirmou que para conseguir a felicidade para os povos tradicionais a posse da terra é muito importante. “Este simpósio contribui muito para a nossa luta. Nós vamos conseguir se nos unirmos e lutar juntos”, pontuou.

Tão comum nessas histórias estão o atropelo de direitos constitucionais, os conflitos, a morte e a doença, a necessidade de resistência local e articulação global e de que vivemos uma guerra química, na qual o contexto é um ciclo vicioso que determina o nível “aceitável” de veneno que podemos consumir nos alimentos. Nesse sentido, ficou claro que é preciso evitar o êxodo da juventude, fortalecer a educação no campo, construir experiências agroecológicas, ser contra aos transgênicos 2,4D que serão votados no CTNBio, não consumir os produtos do agronegócio, derrotar a bancada ruralista e exigir reforma política, e ter mais encontros como esse para fortalecer um novo cenário de mudanças. “Estou encantada com a possibilidade de diálogo com os movimentos sociais”, ressaltou um participante da plateia.

Transgênicos, Biodiversidade e Saúde

Três focos levaram ao debate nesse encontro: os impactos dos transgênicos na agrobiodiversidade de Minas Gerais, a história da entrada dos transgênicos no Brasil e a organização das resistências, e o mosquito transgênico. Esse tema reuniu Geraldo Gomes (CAA/NM), Gabriel Fernandes (Agricultura Familiar e Agroecologia (ASPTA) e José Maria Ferraz (GEA/NEAD/MDA) sob a moderação de Lia Giraldo (Abrasco) e Leonardo Melgarejo (GEA/NEAD/MDA).

O agricultor Geraldo Gomes apontou os impactos dos transgênicos na agrobiodiversidade, tendo como experiência sua vivência familiar na região de Serranópolis de Minas há mais de quatro gerações. Geraldo e sua família são considerados exemplos de agricultores sustentáveis pela consciência e pelo trabalho realizado por eles em suas terras, enfrentando várias adversidades. Segundo Geraldo, as mortes por veneno, a monocultura do algodão, a perda de biodiversidade, as dívidas e a perda da terra são alguns exemplos dos impactos dos transgênicos. Águas contaminadas, o desconhecimento sobre o que estamos ingerindo, o agravamento dos casos de dengue são outros. Utilizando a consorciação de cultivos, possuindo diversas variedades, em menos de 3 hectares, Geraldo apontou esse como uma das estratégias frente às mudanças climáticas e para a conservação dos cultivos. “Outra estratégia de conservação da agrobiodiversidade é a Casa de Sementes. Sou um guardião pesquisador e sempre busco aumentar a ‘coleção’ de sementes e mais que isso, faço testes de resistência e adaptação do material que obtenho”, revelou.

“É preciso observar que a tecnologia que cria o problema é vendida como a que resolve o problema”, ressaltou Gabriel Fernandes (ASPTA), que trouxe a história da entrada dos transgênicos no Brasil e a organização das resistências. Para ele, vários marcos históricos recentes fortaleceram esse processo como a liberação do plantio da soja no Brasil em 1998 para a Monsanto. “O Brasil é o segundo maior produtor de alimentos transgênicos do mundo e isso é muito grave. Temos 19 tipos de milho liberados, 5 de soja, 12 de algodão, 1 de feijão, 15 vacinas para diversas finalidades, 2 leveduras e 1 mosquito”, revela.

Completamente dentro do contexto ambiental do descontrole climático, do desmatamento, da poluição das águas e do ar, do crescimento das populações e de sua complexidade social fazendo surgir novos determinantes sociais de saúde, José Maria Ferraz (GEA/NEAD/MDA) inseriu o tema do “mosquito transgênico” ao debate. Ele afirmou que da mesma forma que aconteceu com os alimentos, a tecnologia também está sendo testada e utilizada para vários fins como a elaboração de mosquitos geneticamente modificados. “O Aedes aegypti geneticamente modificado é produzido pela empresa inglesa Oxitec em parceria com a empresa Moscamed e a Universidade de São Paulo, a ‘biofábrica’ de Juazeiro (BA), também com parceria com o Governo da Bahia e Ministério da Saúde”, explica. José Maria Ferraz reforçou que em abril de 2014, esses mosquitos foram liberados para uso comercial apesar de não ter sido realizada uma avaliação de risco e de não haver dados conclusivos dos estudos de campo que ainda estão em andamento.

“Agora, o Brasil é o primeiro país do mundo a liberar mosquitos da dengue transgênicos. E isso é muito perigoso. As populações de Juazeiro e Jacobina, na Bahia, foram as primeiras cobaias do mundo, sem ter sido consultadas. Sem contar que todo o território brasileiro também terá o ‘direito’ de ser cobaia, sem que sua população ao menos saiba dos perigos”, enfatizou. Segundo o pesquisador, testes foram feitos com a população em Juazeiro e Jacobina e não comprovaram a redução da doença.

Mas o que é o mosquito transgênico? De acordo com José Maria Ferraz, é um mosquito desenvolvido por uma técnica transgênica para morrer em condições específicas. “No caso, são programados para que suas larvas não sobrevivam na ausência de tetraciclina (antibiótico). Nesse sentido, deverá ser liberado de 10 a 100 mosquitos transgênicos machos para cada fêmea selvagem no local. Entretanto, não há um controle real sobre se machos ou fêmeas. A separação é feita de forma precarizada e acabam sendo liberadas fêmeas também que poderão cruzar com macho não-geneticamente modificados. E qual o efeito disso? Ninguém sabe”, explica.

José Maria Ferraz apresentou dados do relatório interno da Oxitec, onde são observados a sobrevivência de 15% das larvas por um laboratório de um “colaborador, enquanto o da Oxitec apontava para uma sobrevivência de 3%. Segundo a empresa, o laboratório utilizou comida de gato para alimentar as larvas, que tem em seu componente carne de frango, que usa tetraciclina em sua criação. O tratamento térmico da carne de frango não remove a tetraciclina, portanto uma pequena quantidade de tetraciclina foi capaz de reprimir o sistema e levar a sobrevivência das larvas para 15%. “Nossas águas paradas, esgotos a céu aberto têm quanto de tetraciclina? Ou seja, poderemos ter no ambiente mais de 400 mil mosquitos em cada um milhão liberado. Isso implica em risco da tecnologia, que deveria ser impedimento para liberação no meio ambiente. Ainda mais que um estudo realizado no Brasil confirma o desenvolvimento de Aedes aegypti em águas de esgoto”, completou.