Foi divulgado esta semana pela internet o artigo QUARENTA ANOS DOS AGROTÓXICOS, do professor Adilson D. Paschoal, que na década de 1970 cunhou o termo agrotóxico. Neste texto ele explica porque é essa a palavra que deve ser usada e não praguicida, pesticida nem muito menos defensivo agrícola, como querem os ruralistas do Congresso Nacional


Até meados dos anos 70, seis termos eram usados para identificar os produtos químicos usados na agricultura para o controle de pragas, doenças e ervas invasoras. Agricultores mais ingênuos usavam a expressão “remédio”; outros, mais esclarecidos, diziam “veneno”. Técnicos usavam, sem entenderem bem por que, ora “pesticida”, ora “praguicida”, ora “defensivo agrícola”. Ecologistas falavam em “biocida”. Foi em 1977, portanto há quarenta anos, que surgiu o termo “agrotóxico”. Ele aparece pela primeira vez em uma publicação do CALQ (Centro Acadêmico “Luiz de Queiroz”), referente a um seminário que eu havia organizado no antigo Departamento de Zoologia, para discutir, com a participação de algumas das maiores autoridades no assunto, a questão que se descortinava como muito séria: a contaminação dos alimentos e do ambiente por resíduos tóxicos de produtos químicos usados na agricultura, assim como o envenenamento dos agricultores ao aplicarem esses produtos, muitos dos quais foram a óbito por desconhecerem aquilo com que estavam lidando, escondidos nas falsas e tendenciosas terminologias de “remédios” e de “defensivos”.

Por que agrotóxico? Discutamos, antes, os inconvenientes dos outros termos técnicos. Pesticida (do latim pestis, a doença, + cida, o que mata) é expressão usada em países de língua francesa (pesticides) e inglesa (pesticides), estrangeirismos que devem ser recusados pelos padrões da norma culta da língua portuguesa. Significando “o que mata a peste”, e “peste” é doença, o vocábulo não pode ser usado com sentido geral, englobando pragas, patógenos e plantas invasoras. Mesmo para doença o termo é inadequado uma vez que não é a doença que se mata, mas, sim, os seus agentes causadores, ou seja, os patógenos.

Praguicida (do latim plaga, a praga, + cida, o que mata) não é, pela mesma razão, possível o seu uso em caráter geral. Implícito na definição está o fato de existirem pragas e não pragas e que o praguicida mata apenas pragas, o que hoje sabemos não ser verdade, pois esses produtos matam mais o que não é praga (inimigos naturais, espécies inócuas) do que pragas, organismos esses desprovidos de resistência como mecanismo pré-adaptativo. (PASCHOAL, 1979).

Defensivo agrícola (do latim defensa, defesa, + ivus) é o termo mais incorreto, ambíguo, utópico, vago e tendencioso de todos. Etimologicamente significa “próprio para a defesa”, mas não indica defesa de que ou de quem; se defensivo agrícola, então a defesa é da agricultura, não especificando tratar-se de substância tóxica para o controle de espécies daninhas.

Deduz-se disso ser qualquer técnica usada na defesa da agricultura um defensivo agrícola. Nesse sentido, métodos de controle de erosão são defensivos agrícolas, pois defendem a agricultura dos processos erosivos do solo. Este exemplo basta para se concluir que não existe lógica nenhuma para se caracterizar exclusivamente os produtos químicos agrícolas como sendo defensivos, mesmo porque, hoje se sabe muito bem, serem eles agentes de desequilíbrios biológicos, gerando mais pragas e doenças do que realmente controlando-as (PASCHOAL,1979). Quando pensamos em termos da natureza, tais produtos não podem ser encarados como instrumentos de defesa, mas de ataque maciço contra todo tipo de vida, e de destruição e perturbação do equilíbrio da natureza.

Biocida (do latim bios, vida + cida, o que mata) é termo mais realista, com sentido mais amplo, incorrendo, porém, em pleonasmo: matar o que é vivo. Seria possível matar o que é morto? Agrotóxico (do grego agros, campo, + tokicon, veneno). Pela falta de terminologia adequada foi que, em 1977, propus o termo agrotóxico, que tem sentido geral para incluir todos os produtos de natureza tóxica usados na agricultura (mais propriamente nos sistemas agrícolas ou agroecossistemas), para o manejo de pragas, patógenos e ervas invasoras. O termo não é apenas etimologicamente correto, como também o é cientificamente, sendo a ciência que estuda os efeitos desses produtos denominada toxicologia.

Incluem, sob a denominação de agrotóxico, todas as substâncias tóxicas, sintéticas ou naturais, de origem química ou biológica, usadas para o manejo de pragas, patógenos e ervas invasoras de culturas agrícolas, hortícolas, silvícolas e pastoris, no campo ou no armazenamento; os agentes patogênicos e parasitários externos de animais domésticos; os vetores e hospedeiros de organismos que provocam doenças, irritações e danos no homem, nos animais domésticos e nas culturas; e os organismos, vegetais e animais, que causam incômodo ao homem e seus animais domésticos, e interferem com atividades industriais, de comércio, de transporte, de mineração, de geração e transmissão de eletricidade, bem como danificam propriedades e objetos de uso pessoal (PASCHOAL, 1995). Sob a denominação de agrotóxicos também estão incluídos os produtos tóxicos usados para o manejo de pragas, doenças e ervas invasoras urbanas.

São, portanto, agrotóxicos: inseticidas, formicidas, cupinicidas, bernicidas, nematicidas, acaricidas, carrapaticidas, moluscicidas, raticidas, fungicidas, bactericidas, herbicidas,arboricidas etc. O termo agrotóxico teve aceitação nacional, aparecendo na Lei Estadual 4002-84 (de 5/1/1984), que disciplina o uso desses produtos no Estado de São Paulo, e na Lei Federal 7802-89 (de 11/7/1989), que disciplina o uso deles em todo o território nacional.

PASCHOAL, A.D. Pragas, praguicidas e a crise ambiental. Problemas e soluções. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas,1979, 102p. Prêmio IPÊS de Ecologia, FGV.

PASCHOAL, A.D. Verbete “Agrotóxico”. Em J. S. Inglez de Souza et alli. (coord.). Enciclopédia Agrícola Brasileira, Piracicaba, ESALQ, EDUSP, 1995, vol. 1, 499p.