Ainda não foi dessa vez que enterraram o moribundo dogma central da biologia, também conhecido por determinismo genético, que vê os genes como responsáveis linear pela conformação dos organismos e de suas características. Há tempos que a epigenética contesta o reducionismo dessa abordagem e procura entender não os genes isoladamente, mas sim a forma com eles interagem entre si, com o meio ambiente e vice-versa, formando uma complexa rede metabólica.

Termos como “DNA lixo” vêm dessa busca por um mapa dos genes e serviram para batizar aquilo cuja função se desconhecia. Hoje, sabe-se cada vez mais que o “DNA lixo” não é tão lixo assim. Vem daí também a ideia de recortar, colar, programar, ligar e desligar genes, que ajudaram a coisificar esssa moléculas. Pode ter sido ingenuidade científica para alguns, como mostra a reportagem abaixo, mas mais que isso foi também negócio lucrativo para muitos com suas promessas de diagnóstico e cura de doenças genéticas. E tem ainda as patentes sobre os genes, que só se tornaram possíveis graças ao entendimento de que genes são coisas, objetos estanques, manipuláveis e responsáveis pela expressão de características específicas e de interesse comercial. E sobre esse conceito (cientificamente frágil) montou-se a indústria dos transgênicos, que se auto denomina “ciência da vida”.

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Fomos ingênuos, diz líder em genômica

Ricardo Mioto  |  Folha de S. Paulo, 14/10/2010.

Um dos grandes líderes da pesquisa com genoma humano no mundo, Eric Green, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (EUA), fez, em visita ao Brasil, um mea-culpa pelas promessas não cumpridas do genoma humano.

Dez anos após o sequenciamento ser apresentado, ele reconhece que analisar os dados levantados e relacionar determinados genes a determinadas doenças se mostrou algo difícil de fazer.

“Muitos de nós pensamos que rapidamente entenderíamos como o genoma se relacionava com as doenças, e que muito rapidamente isso mudaria toda a medicina”, disse ele à Folha.

“Agora percebemos que há muito mais passos no caminho e que eles vão exigir muito trabalho. O que nós fizemos de maneira ingênua foi talvez prometer que avanços médicos viriam rápido.”

É necessário, diz ele, rever a fala do seu colega Francis Collins, na apresentação da sequência do genoma humano, em 2000. Na época, Collins dizia que, em dez anos, testes genéticos diagnosticariam câncer, Alzheimer e diabetes. Não aconteceu.

“Nós realmente acreditávamos nisso. Mas não ter acontecido não significa que exista algo errado com o nosso campo”, diz Green, que esteve no Brasil para o Simpósio Avanços em Pesquisas Médicas, da USP.

“Se você olhar para os avanços médicos na história, dificilmente você vai encontrar algo que deixou de ser uma descoberta científica básica e realmente mudou a prática da medicina em uma década”, diz o cientista.

“São sempre 20, 30, 40 anos antes de você conseguir isso. Se tivéssemos sido lembrados disso há 10 anos, provavelmente teríamos visto tudo de maneira diferente.”

Além das interações entre genoma e doenças terem se mostrado complexas, Green lembra que há uma limitação de recursos humanos.

“Não há gente jovem suficiente treinada tanto em computação quanto em biologia, e precisamos de gente boa nas duas áreas.”

Somente gente com essa formação cruzada pode desenvolver maneiras de analisar a imensidade de dados sobre o genoma que já existe.

Essa quantidade de informação tremenda surgiu porque se tornou barato sequenciar trechos do genoma humano – os cientistas ainda estão longe de conseguir transformar tudo isso em algo útil aos hospitais, porém.

O preço baixo fez com que empresas vendessem análises individuais do genoma de quem quiser pagar umas poucas centenas de dólares. Green, porém, acha que pode ser jogar dinheiro fora.

“Algumas pessoas fazem porque são muito paranoicas com a saúde, outras porque têm casos de doença na família, outras porque as análises têm um valor de entretenimento. Pode ser divertido, mas também pode causar confusão. Por que o que você faz com a informação, digamos, de que você tem 3% a mais de chance do que a média de ter hipertensão?”