O ESTADO DE SÃO PAULO, 02/04/2012

A demanda por regulamentação do milho surgiu por conta de um conflito no entorno do Parque Nacional (Parna) do Iguaçu – o das cataratas. Proprietários rurais dos 14 municípios do entorno se queixam de que a zona de amortecimento – de 10 quilômetros – impede o plantio do grão geneticamente modificado. Do outro lado, ONGs investem contra a mudança.

“Encaminhamos um ofício para o MMA no ano passado e não tivemos resposta. Em fevereiro desse ano, o Mapa deu um parecer favorável ao plantio a menos de 10 quilômetros. Na semana passada, oficiamos a presidente Dilma Rousseff”, afirma a advogada da ONG Terra de Direitos, Ana Carolina Brolo de Almeida.

Ao contrário do que acontece com a soja e o algodão, cujo plantio em torno de áreas de preservação foi normatizado por decreto, o milho não tem nenhuma regulamentação.

“Criamos uma câmara técnica para estudar o assunto, dentro do Conselho Consultivo do Parque. Depois de analisar a questão, solicitamos ao Instituto Chico Mendes (ICMBio) a diminuição dessa zona de amortecimento, de 10 quilômetros para 800 metros”, explica Mariele Xavier, bióloga e secretária executiva do Parna do Iguaçu.

Pelas normas de coexistência espacial entre lavouras transgênicas e convencionais, estabelecidas pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), deve haver espaço de 400 metros entre elas, quando forem vizinhas.

“Propusemos 800 metros por medida de precaução, dobrando os 400 exigidos pelo conselho”, esclarece Mariele, que recebeu do ICMBio a sugestão de 1,2 mil metros como contraproposta.

“O MMA e o Mapa estão trabalhando em um decreto regulamentando o plantio de milho transgênico. É a melhor solução”, diz o Secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, Roberto Cavalcante, afirmando que a distância estudada é mesmo de 1,2 quilômetro.

Distâncias

Quando não vem especificada no decreto de criação da UC, a zona de amortecimento, genérica, é de 10 quilômetros. Ela pode ser alterada pelo plano de manejo da cada unidade. De acordo com especialistas, as distâncias seguras, no caso do plantio de transgênicos, variam.

“A soja, por exemplo, multiplica-se por autofecundação, as plantas não cruzam uma com a outra. No milho, cuja reprodução se dá por transporte de pólen entre as plantas, a taxa de fecundação cruzada é altíssima”, explica a bióloga especialista em genética molecular Francismar Corrêa, da Embrapa Soja.

Para o chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Milho e Sorgo, Sidney Parentoni, medidas preventivas são bem vindas, mas não há evidências científicas sobre o risco das lavouras transgênicas de milho muito próximas a UCs no Brasil.

” Não há chance de encontrarmos, dentro de uma UC, uma espécie selvagem de milho, porque ele não é nativo do Brasil. Uma transgênica não poderia cruzar com uma nativa. Agora, não tenho visto muito empenho na fiscalização das distâncias não entre lavouras transgênicas e convencionais no País”, diz ele.

Riscos

Especialistas e chefes de UCs são vagos ao listar os riscos do plantio de transgênicos muito próximo a áreas protegidas, mas a maioria concorda com o princípio da precaução.

“A ideia é evitar o contato do que é natural com o que sofreu modificação genética. Outras coisas, como a cana transgênica, estão vindo por aí. Assim como não há lei para o milho, também não há para a cana”, lembra Carlos Alberto Ferraresi De Giovanni, chefe da Reserva Biológica (Rebio) Perobas, no Rio Grande do Sul.

De Giovanni realizou, no ano passado, uma fiscalização movida por denúncia. “Não encontramos transgênicos. Mesmo assim, enviei ofícios às instituições bancárias que dão crédito para lembrá-las de que a lei proíbe o cultivo na área de amortecimento. E tenho conversado muito com os produtores”, diz.

“Vejo dois problemas com relação aos transgênicos: um é que, no caso de nativas, pode haver espécies silvestres nas UCs. Outro é que, em UCs de uso sustentável, como as reservas extrativistas, pode haver sementes históricas (que estão aqui há muito tempo) de espécies semelhantes às cultivadas com transgenia”, resume Cavalcante.

Santa Catarina e Paraná repetem fiscalização e colhem amostras

Na semana passada, a Estação Ecológica (Esec) Mata Preta, o Parque Nacional (Parna) das Araucárias e a Floresta Nacional (Flona) de Chapecó – todas em em Santa Catarina – e o Refúgio de Vida Silvestre (RVS) dos Campos de Palmas, no Paraná, realizaram operação conjunta de fiscalização para coibir o plantio de soja transgênica no entorno das reservas. Foi a maior já feita na região desde a criação das UCs.

“Recolhemos 85 amostras de soja que serão levadas para laboratório”, esclarece Fábio Corrêa, chefe da Esec Mata Preta. Na primeira investida, ano passado, 40 lavouras foram fiscalizadas e 19 foram autuadas. Ele diz que desde 2009 vem fazendo um esforço de sensibilização da cadeia produtiva, desde o setor bancário, que financia as lavouras, até as cooperativas de fomento, incluindo os proprietários do entorno.

“O transgênico foi introduzido ilegalmente no País e houve uma pressão muito forte para que fosse liberado. O governo liberou, mas não se sabia, como ainda não se sabe, se essas transgenias podem alterar o equilíbrio em certos sistemas naturais. Por isso, na década passada, o governo começou a blindar as UCs”, afirma Corrêa.

Liminar

Em 2006, por decreto, o governo estabeleceu um mínimo de 500 metros de distância de UCs para plantio de soja transgênica e 800 metros e 5 quilômetros para dois diferentes tipos de algodão transgênico.

Em 2007, a ativista gaúcha Lisiane Becker entrou com uma ação popular, dizendo que o decreto feria a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que estipulava necessidade de licenciamento para atividades que afetem a biota em um raio de 10 km das UCs.

“Em 2010, o Conama revogou sua resolução. Meu processo continuou em nível estadual, pois o Código Ambiental do Rio Grande do Sul havia incorporado a resolução que caíra.”

Há um mês, Lisiane ganhou uma liminar na Vara Federal Ambiental de Porto Alegre, que decidiu pela manutenção dos limites de 10 km para plantio de sementes transgênicas nas UCs do RS que não tenham zona de amortecimento determinada em plano de manejo. “Não podem plantar isso sem fazer estudo de impacto ambiental”, opina ela.