O GLOBO, 16/10/2013

Câmara vota projeto para liberar tecnologia que torna planta estéril e é banida no mundo 

Cesar Baima

Alvos de uma moratória global instituída em 2000 no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, pesquisas, comercialização e uso de organismos geneticamente modificados com o chamado gene exterminador serão objeto de acirrada disputa entre ruralistas e defensores do meio ambiente hoje no Congresso Nacional. Deputados da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara votarão projeto de lei que pretende alterar artigos da Lei de Biossegurança e normas relacionadas pára liberá-los no país, o que toma¬ria o Brasil o primeiro a permitir seu uso.

Também conhecidas como tecnologias genéticas de restrição de uso, estas modificações no DNA de plantas fazem com que elas produzam apenas se¬mentes estéreis. Elas foram criadas pelas empresas de biotecnologia como uma forma de garantir que os agricultores tenham que comprar novas se¬mentes a cada plantio no lugar do mé¬todo tradicional de guardar alguns grãos da colheita para isso. Segundo os ambientalistas, porém, as modificações podem se espalhar e contaminar outras plantas, colocando em risco não só a segurança alimentar como a biodiversidade.

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— O risco de contaminação é nossa maior preocupação — diz Gabriel Fernandes, agrônomo da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), que junto com a também ONG ActionAid Brasil encabeça campanha contra a aprovação do projeto. — Estas plantas são programadas para serem estéreis apenas na segunda geração. Isso quer dizer que elas vão completar seu ciclo de vida, amadurecer, florescer e produzir pólen que vai carregar a informação genética para que as sementes descendentes delas sejam estéreis. Assim, ao fertilizar plantas comuns de uma plantação vizinha, esse pólen fará com que elas também passem a ser estéreis.

Além disso, estas tecnologias não trazem qualquer benefício para a agricultura de forma geral, isto é, não melhoram a qualidade ou produtividade da plantação e só servem para garantir que os agricultores fiquem reféns das empresas produtoras de sementes.

Outros especialistas, no entanto, são contra a proibição dos estudos em tomo do gene exterminador, como Elibio Rech, pesquisador da Embrapa, onde coordena laboratório de biologia sintética e engenharia genética. Segundo ele, estas tecnologias podem ter aplicações importantes, principalmente no campo das plantas biorreatoras” modificadas para produzir substâncias específicas, que podem ser usadas na fabricação de re¬médios ou em processos industriais, estimulando os investimentos na área.

— Estas plantas podem produzir fármacos de alto valor agregado que hoje a sociedade em geral não tem acesso — lembra Rech. — No futuro, estas plantas poderão produzir moléculas de tremendo impacto social muito mais barato do que hoje, ampliando o acesso da população a elas. Sem o gene exterminador, porém, elas terão que ser plantadas sob contenção exatamente para evitar o seu cruzamento com outras plantas. Mas se suas sementes forem absolutamente estéreis, elas podem ser plantadas no campo, minimizando ainda mais seus custos, além de protegerem a descoberta, pois não poderão ser usadas por quem não investiu nelas.

E é justamente este uso do gene exterminador em plantas biorreatoras o principal foco do projeto de lei que será discutido hoje na CCJC. A iniciativa, originalmente apresentada em 2005 pela então deputada do ainda PFL Kátia Abreu (TO) — hoje senadora do PSD — voltou à pauta em 2007 pelas mãos do deputado Eduardo Sciarra (PSD- PR) a pedido da própria senadora.

O governo orientou voto contra o texto, mas em votação que envolve o lobby ruralista não prevalece essa tendência: deputados da Frente Parlamentar da AgrIcultura (FPA), sejam da base ou não, costumam votar unidos. O relator do projeto é Dilceu Sperafico (PP-PR), da frente ruralista, que deu parecer favorável.

Os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário são contrários ao projeto. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, chegou a ligar do exterior para os deputa¬dos governistas e pediu que impedis¬sem a aprovação. Ele argumentou que há uma repercussão internacional negativa e que essa discussão chegou na FAO, órgão da ONU para a alimentação que é dirigido pelo brasileiro José Graziano.

(Colaborou Evandro Éboli, de Brasília).