VALOR ECONÔMICO, 30/10/2013

Mal foram depositadas no solo as primeiras sementes de soja nesta safra 2013/14 no Brasil e as lavouras já recebem uma visita indesejada – e faminta. A lagarta helicoverpa, que causou prejuízos estimados em R$ 2 bilhões na última temporada, está de volta e já é vista devorando plantas recém-emergidas no Paraná e em Mato Grosso.

Em abril, o Ministério da Agricultura autorizou a importação emergencial de defensivos para conter a praga nos campos de soja, milho e algodão, entre outros, mas ainda não há liberação para o uso dos produtos, em função da oposição do Ministério Público, que atenta para o elevado nível de toxicidade dos produtos. A expectativa é que um decreto saia nos próximos dias com o aval para a aplicação. Também deverá ser publicada uma instrução normativa autorizando a produção doméstica.

“A situação é de alerta, estamos em monitoramento constante”, diz Luiz Nery Ribas, gerente-técnico da Aprosoja/MT, associação que representa os produtores de soja e milho de Mato Grosso. Em um acompanhamento realizado na entressafra, a Aprosoja constatou uma presença “intensa” da helicoverpa no campo. Mas como a praga sobreviveu nesse período? Parte da explicação está na facilidade que a lagarta tem de se satisfazer com um cardápio variado.

Depois de consumir lavouras na temporada passada, ela se alimentou de plantas que nasceram espontaneamente – ervas daninhas ou tigueras, aqueles exemplares de culturas comerciais que brotam involuntariamente -, mantendo-se ativa e pronta para avançar sobre a nova safra. A armigera, espécie de helicoverpa que tem predominado no país, é inclusive a que possui o hábito alimentar mais generalista.

“Já há lagartas grandes atacando no início da safra. Quanto maiores, mais difícil combatê-las”, diz Alex Utida, presidente do Sindicato Rural de Campo Novo do Parecis (MT). Segundo ele, os agricultores têm lançado mão de artifícios variados para tentar conter a praga – dos defensivos ao controle biológico (o ministério já liberou o vírus VPN HzSNPV, conhecido como Baculovírus, e o Bacillus Thuringiensis, um tipo de bactéria) -, mas o problema avança.

“A tendência é que os produtores antecipem e aumentem a aplicação de inseticidas. O fato é que os agricultores ainda não têm muito conhecimento sobre essa praga e é possível que haja danos maiores que na safra passada”, diz. Segundo Utida, que está semeando 6,5 mil hectares de soja nesta temporada de verão de 2013/14, seus custos com defensivos cresceram 30% por conta da helicoverpa, para R$ 374 por hectare.

O pânico instaurado pela praga no país tem preocupado técnicos e pesquisadores em relação ao uso exagerado de defensivos. A situação é crítica, concordam os especialistas, mas não há motivos para desespero.

“O produtor, com medo, acaba fazendo coisa errada, aplicando inseticida demais. Mas há o efeito positivo de se voltar a atenção para o manejo integrado de pragas, que institui táticas mais racionais de controle, com recomendações sobre qual a melhor ferramenta para cada momento”, afirma Adeney de Freitas Bueno, pesquisador da Embrapa Soja.

Segundo Bueno, seria importante uma avaliação prévia da área a ser plantada, para verificar a presença da helicoverpa na vegetação de cobertura e realizar uma dessecação de três a quatro semanas antes da semeadura, procedimento que eliminaria a fonte de alimento da lagarta.

Para o pesquisador, o não cumprimento do vazio sanitário por produtores de Mato Grosso pode ter colaborado para aumentar a população da praga no Estado. “A intensidade dessa contribuição é difícil de medir, mas certamente provocou um aumento na disponibilidade de comida para a lagarta”, explica.

Há quem afirme, também, que o milho transgênico tem sua parcela de culpa. O grão geneticamente modificado libera uma toxina capaz de combater alguns tipos de lagartas, como a do cartucho do milho, mas seria menos eficaz no controle da helicoverpa. Como a lagarta do cartucho é predadora natural da helicoverpa, sua redução nas lavouras de milho transgênico favoreceria o aumento da população da praga.

No oeste da Bahia, berço dos primeiros relatos de prejuízos mais graves, na safra 2012/13, o plantio de soja começou há pouco mais de 15 dias em áreas irrigadas, enquanto a semeadura de milho deve ganhar força no começo de novembro e a de algodão, em dezembro.

Cálculos da Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) apontam que, no ciclo passado, os produtores do Estado tiveram de elevar em R$ 900 por hectare os gastos com defensivos para combater a lagarta, elevando o custo total de produção a R$ 6.100 por hectare. No caso da soja, houve uma despesa adicional de R$ 300 por hectare com inseticidas, com custo total de R$ 2.019. Já a implantação de um hectare de milho custou R$ 112 por hectare a mais e totalizou R$ 3.100.

Conforme Ernani Sabai, diretor de Integração, Projetos e Pesquisa da Aiba, a disseminação nas lavouras baianas na atual temporada também é grande. “Já vemos a lagarta até em pastagens e lavouras de café”. Enquanto isso, lotes importados de benzoato de emamectina (inseticida apontado como um dos mais eficazes no combate à lagarta, mas que é alvo de críticas por ser considerado altamente tóxico) já aguardam nos estoques das distribuidoras locais, à espera da liberação oficial de uso.

VALOR ECONÔMICO, 30/10/2013

Embrapa Soja descobre inimigos naturais que atuam contra helicoverpa

Estudo conduzido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostrou que inimigos naturais estão agindo no controle da helicoverpa, praga que recentemente começou a provocar danos mais severos às lavouras do país, especialmente as de soja, milho e algodão. Estima-se que somente na safra passada, a 2012/13, os prejuízos tenham chegado a R$ 2 bilhões.

Os pesquisadores da Embrapa iniciaram trabalhos para conhecer melhor o comportamento da praga na cultura da soja, e parte das lagartas coletadas, suspeitas de serem a Helicoverpa armigera (a que mais tem atacado no país) estavam infectadas por nematóides ou atacadas por parasitóides.

“A presença desses inimigos naturais é muito importante para o equilíbrio da lavoura à medida que a safra vai se desenvolvendo, pois com um manejo adequado, a tendência é das populações de inimigos naturais crescerem”, explicou Clara Beatriz Hoffmann-Campo, da Embrapa Soja, em boletim.

É por isso, segundo ela, que os pesquisadores estão reforçando a orientação para que o produtor monitore as lavouras e decida de maneira mais criteriosa sobre o controle da praga, para evitar a aplicação indiscriminada de defensivos, sejam biológicos ou químicos.

O levantamento mostrou que em algumas regiões, como Mauá da Serra, no norte do Paraná, cerca de 30% das lagartas coletadas estavam infectadas por nematoides, mas um nematoide “do bem”. “Em algum momento, que ainda não sabemos exatamente como funciona, a lagarta é infectada por esse nematoide, que não é o mesmo que ataca as raízes das plantas”, explica a Clara.

Na região de Roncandor, a proporção de lagartas infectadas pode ser ainda maior. “Isso nos alerta para a importância de um bom manejo na fase inicial da cultura da soja, para que esses inimigos naturais sejam preservados e mantidos vivos no campo”, disse a pesquisadora.

Já os parasitoides encontrados são principalmente moscas da família Tachinidae, que se desenvolvem no interior da lagarta e, ao completar seu desenvolvimento, matam o inseto promovendo um controle natural da praga. “Encontramos de 1 a 4 parasitoides por lagarta, o que indica potencial multiplicador deste inimigo natural no campo”, afirmou Clara. Esses parasitoides prestam o mesmo serviço ambiental atacando outras espécies de lagartas, como a Anticarsia e a Spodoptera.

(Mariana Caetano | Valor)

Leia mais em:

http://www.valor.com.br/agro/3322374/embrapa-soja-descobre-inimigos-naturais-que-atuam-contra-helicoverpa#ixzz2jP8gRxTw