Valor Econômico, 02/12/2013

Por Bárbara Mengardo e Tarso Veloso

De São Paulo e Brasília

Mesmo atendendo a reivindicações de agricultores e disponibilizando duas opções de contrato para aquisição da soja RR2 Intacta, a Monsanto continua sofrendo perdas nos tribunais. A multinacional vem sendo acionada por suposta cobrança indevida de royalties e por condicionar a venda de uma nova semente à assinatura de um contrato que é considerado abusivo pelos produtores.

O litígio gira em torno de valores pagos indevidamente por royalties da soja RR1 após a alegação, pelos produtores, de queda da patente. Os agricultores cobram judicialmente a devolução dos pagamentos em 2011 e 2012 em ações estimadas por advogados e entidades representativas em R$ 1,9 bilhão.

Apesar de algumas ações já terem sido extintas após o acordo entre federações de agricultura e a multinacional, que modificou partes do contrato e criou um segundo documento considerado mais flexível, pequenas associações estaduais estão conseguindo avançar na Justiça.

Embora a Monsanto ainda possa recorrer, as liminares já podem impactar as previsões de lucro da empresa. Algumas delas preveem o direito a descontos em royalties da RR2 e ainda o direito a recorrer de valores pagos da RR1 considerados indevidos. Isso é proibido pelos contratos da empresa, mas está sendo permitido por juízes nas primeiras instâncias.

Na última das ações, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetag-RS) obteve liminar na 16ª Vara Cível de Porto Alegre. A ação proíbe a Monsanto de propor que, na aquisição das semente de soja transgênica Intacta RR2 com desconto, os agricultores gaúchos abram mão de eventuais indenizações a que possam ter direito por conta da ação ajuizada em 2009 contra os royalties cobrados pela multinacional pelo uso da primeira geração da soja RR1. Essa opção está incluída em um dos dois contratos de aquisição da soja RR2.

Os dois contratos disponibilizados pela Monsanto definem regras de aquisição, uso e pagamento de royalties para a soja RR2. No caso do contrato de quitação ao produtor, ele pode adquirir a tecnologia nova sem desconto e pode continuar cobrando os valores pagos que ele considera indevidos. No caso do contrato de quitação geral, o produtor recebe um desconto de R$ 18,50 na taxa de licenciamento pelo uso da tecnologia, que é de R$ 115 por hectare, além do preço da saca de sementes.

A briga entre a multinacional e agricultores brasileiros começou após vitórias de produtores em ações que questionam a patente da soja RR1, resistente ao herbicida glifosato. Os agricultores alegam que a patente venceu em 2010. Dessa forma, a tecnologia seria de domínio público. A Monsanto diz que o prazo deve ser estendido até 2014, quando expira sua patente nos Estados Unidos.

Nesta safra, a Monsanto decidiu lançar no mercado sua soja RR2 Intacta, cercada de grande expectativa dos agricultores em relação ao produto, que segundo a empresa, tem supressão à lagarta Helicoverpa armigera. Após aprovação da tecnologia pela China, em junho deste ano, o produto foi lançado no mercado nacional vinculado à assinatura de um acordo de licenciamento. Dentre as exigências do acordo está a proibição de que o produtor recorra à Justiça para protestar contra os valores de royalties pagos desde 2010 pela tecnologia RR1. O documento foi considerado abusivo e a empresa vem sendo derrotada em tribunais.

Além da Fetag-RS, pelo menos outros dois sindicatos procuraram a Justiça por não concordarem com a assinatura do contrato de licenciamento da soja.

Um dos processos envolve o Sindicato dos Produtores Rurais de Luis Eduardo Magalhães (BA), que em outubro obteve uma liminar questionando diversos pontos dos contratos impostos pela Monsanto. Com a medida, a companhia não pode condicionar a venda da soja à renúncia do direito dos agricultores de procurarem o Judiciário ou receberem restituições.

De acordo com o advogado do sindicato, Néri Perin, a medida vale para todos os produtores rurais da região. “Como é uma ação de um sindicato, o trabalhador, sindicalizado ou não, fica sujeito à decisão, que vale para toda a categoria”, explica.

A assessoria de imprensa da Monsanto informou que a liminar já foi derrubada pela empresa, mas essa decisão ainda não consta no processo. Segundo a multinacional, as outras ações estão sendo contestadas na Justiça.

Uma segunda ação, ajuizada pelo Sindicato Rural de Sinop, teve uma liminar derrubada recentemente pela Justiça de Mato Grosso. Até o começo de novembro, os agricultores não eram obrigados a assinar o acordo de licenciamento, porém, no último dia 5, o juiz Alex Nunes de Figueiredo reconsiderou seu entendimento e avaliou que os produtores não abrem mão de seus direitos ao assinarem o contrato.

“O produtor não é obrigado a abrir mão do direito que possa ter pelo uso da Soja RR1, nesse caso não lhe é negado o acesso à nova tecnologia, como quis fazer crer a [petição] inicial, no entanto ele apenas não será beneficiado com o ‘desconto’ acima citado, devendo pagar o valor normal anunciado pela Monsanto pelo uso da Tecnologia Intacta RR2”, afirmou o juiz no texto em que revogou a liminar.

Segundo o advogado do sindicato, Orlando César Júlio, o termo de acordo fez com que muitos produtores desistissem de adquirir as sementes da multinacional. “A Monsanto está tentando criar regras de mercado que não existem em nenhum outro produto”, afirma ele.

 

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