Valor Econômico, 12/05/2014

As sementes transgênicas, um dos trunfos mais controversos no desafio brasileiro de aumentar a produção de alimentos sem a ampliação da fronteira agrícola e com maior capacidade de resistência às mudanças climáticas, devem ocupar 40,2 milhões de hectares de área plantada no país na safra 2013/2014. Só a cultura da soja deve chegar a 27 milhões de hectares, comparados aos 2,2 milhões de hectares plantados com sementes geneticamente modificadas em 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 10.688, que alterou a Lei 8.974, de 1995, para permitir a comercialização da safra produzida com a introdução ilegal nas lavouras do Rio Grande do Sul da soja geneticamente modificada RoundUp Ready, desenvolvida pela Monsanto. O levantamento, da Consultoria Céleres, joga mais combustível no debate entre os defensores e adversários da tecnologia.

“A resistência aos transgênicos é fruto de desinformação”, diz José Roberto Perez, da Embrapa Cerrados. “Os transgênicos têm evoluído. Eles aumentam a produtividade e reduzem o uso de agrotóxicos na lavoura”, afirma Leonardo Machado, da Confederação Nacional da Agricultura (CNA). “A experiência de dez anos com transgênicos mostra que nada foi alterado no quadro da fome mundial”, diz o agrônomo Gabriel Fernandez, assessor-técnico da ONG Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), que desde 1983 atua para o fortalecimento da agricultura familiar e a promoção do desenvolvimento rural sustentável no Brasil.

O Brasil ocupa ao lado dos Estados Unidos a liderança mundial da produção de soja transgênica. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 88% das 81,3 milhões de toneladas de soja produzidas na safra 2012/2013 eram compostas por grãos geneticamente modificados. A força dos transgênicos se estende também a outras importantes commodities do país, como o milho e o algodão. Na safra 2013/2014, também chegarão às mesas dos brasileiros em um dos ícones do hábito alimentar nacional: o feijão, com o plantio de uma modalidade resistente ao vírus do mosaico dourado do feijoeiro desenvolvida pela Embrapa.

Embaladas pela expansão da agricultura brasileira e pelos números positivos do agronegócio, as empresas que atuam no segmento de produção de sementes transgênicas buscam cada vez mais oferecer novas variedades aos produtores.

A Santa Helena lançou no fim do ano passado, depois de três anos de testes, dois híbridos transgênicos de milho para a safrinha do Mato Grosso que prometem alta produtividade e boa adaptação às condições de plantio. Já a Monsanto pôs no mercado do Sul do país a tecnologia VT PRO 3 RIB, a primeira voltada à proteção da raiz do milho contra a diabrótica speciosa (larva alfinete). O produto também atuaria contra as principais pragas aéreas que atacam as folhas e as espigas.

A semente não é tudo. O descuido do agricultor com o manejo adequado da lavoura, na confiança de que a variedade modificada geneticamente seria garantia de resistência contra qualquer praga, já provocou muito prejuízo. De acordo com os especialistas, a redução na quantidade de inseticida aplicado nas plantações pode provocar um aumento de pragas secundárias que não afetavam à cultura. Foi assim que a helicoverpa zea, mais conhecida como lagarta da espiga do milho, que invadiu também as lavouras de soja e algodão, causou prejuízos estimados em R$ 2 bilhões em apenas na última safra.

Somente no Oeste da Bahia, onde é maior a incidência da praga, as perdas chegaram a R$ 1 bilhão, de acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa). Os prejuízos incluem o aumento dos gastos com inseticidas para controle da praga e as perdas de produtividade.

Pelo menos uma das promessas alardeadas pelos defensores das sementes transgênicas, a redução no uso dos agrotóxicos na agricultura, não se confirmou. Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) apontam que os produtores rurais brasileiros estão usando mais defensivos em suas lavouras. As vendas de agrotóxicos aumentaram mais de 72% entre 2006 e 2012 – de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas. No mesmo período, a área cultivada com grãos, fibras, café e cana-de-açúcar cresceu menos de 19%, de 68,8 milhões para 81,7 milhões de hectares, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O consumo médio de agrotóxicos, que era pouco superior a 7 quilos por hectare, em 2005, passou a 10,1 quilos em 2011.

“As empresas que lideram o mercado tiraram de circulação as sementes convencionais ao mesmo tempo em que elevaram o custo do plantio com o aumento do preço das sementes transgênicas sem que houvesse redução no uso de agrotóxicos. Desde 2008, o Brasil é o país que mais usa agrotóxico”, diz Gabriel Fernandez, da AS-PTA.

“A chegada dos transgênicos provocou a capitalização da agricultura e a adoção de novas tecnologias, mas o manejo integrado de pragas continua sendo indispensável porque é o que permite o controle de problemas com bio-pesticidas ou menores quantidades de agrotóxicos. O importante é que o melhoramento genético preserve o equivalente substancial da semente tradicional e que mesmo a lavoura com transgênicos seja permanentemente monitorada para se evitar que os insetos fiquem tolerantes aos componentes da semente”, afirma José Perez, da Embrapa.