Mensagem enviada pelo Instituto Socioambiental

Prezad@s companheir@s indígenas e indigenista,

O ano legislativo mal começou e os direitos indígenas (e de quilombolas e comunidades tradicionais) já estão sob ataque dos representantes do latifúndio e das forças conservadoras. Ontem foi apresentado o requerimento de desarquivamento da PEC 215 e o Presidente da Câmara, Deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse hoje a uma delegação de caiapós que o regimento da Câmara obriga-o a acatar o requerimento automaticamente (Leia a matéria de Oswaldo Braga de Souza).

O relator do PL Alceu Moreira atendeu reivindicações dos ruralistas. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

 

Além da letal PEC 215, contudo, queremos chamar a atenção de tod@s vocês para o Projeto de Lei (PL) 7.735/2014, que regula o acesso aos recursos genéticos associados à biodiversidade, cuja a votação foi marcada para a próxima segunda, 09/02, por Cunha. Como mostra a matéria de Oswaldo Souza, a aprovação desse PL é um dos pontos principais da agenda ruralista neste início de ano, além da PEC 215, como reconheceu o próprio Deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS) – aquele que disse que nós somos “tudo o que não presta”.

Dada a importância do referido PL, estamos colaborando com a circulação da carta abaixo e do anexo para compartilharmos a análise sobre os riscos do PL 7.735/2014 – também conhecido como PL de acesso. É importante que essas informações sobre o PL cheguem ao conhecimento de todos os interessados, principalmente as lideranças e organizações indígenas. Por isso estamos circulando esta mensagem e pedindo, por favor, que vocês repassem a todos os seus contatos, leiam-na conjuntamente e definam estratégias de incidência para barrá-lo, ou modificá-lo.

Projeto de Lei 7.735/2014: O que está em jogo na regulamentação do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado para os detentores desse conhecimento?

Um dos mais significativos avanços da Convenção sobre Diversidade Biológica é o reconhecimento do conhecimento tradicional de comunidades locais e povos indígenas como fundamental para a conservação e para o uso racional da biodiversidade. Desse reconhecimento, se derivaram importantes direitos a esses povos e comunidades, sendo os principais: (i) o consentimento prévio informado para o acesso ao conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos e (ii) a repartição justa e equitativa dos benefícios advindos da utilização de recursos genéticos e do conhecimento tradicional a eles associados.

Tais direitos, porém, encontram-se ameaçados em razão do Projeto de Lei (PL)7.735/2014, tramitando em regime de urgência na Câmara dos Deputados, que visa substituir a Medida Provisória 2.186-16/2001. As ameaças vêm daí, tanto por seu conteúdo como pela forma de sua concepção e tramitação.

Povos indígenas e comunidades locais, detentores do conhecimento tradicional associado aos recursos genéticos, foram excluídos do processo de elaboração do referido PL e sequer foram consultados sobre seu conteúdo. Por outro lado, a elaboração do PL, oriundo do Poder Executivo, contou com intensa participação dos setores empresariais envolvidos, o que garantiu a consolidação de seus interesses privados, como a dispensa de qualquer autorização para o acesso a recurso genético e conhecimento tradicional associado, a anistia geral e irrestrita a todas as penalidades impostas por suas irregularidades e a dispensa de pagamento de repartição de benefícios em diversas hipóteses.

Além da falta de participação no processo de elaboração do PL, seu conteúdo também deve ser motivo de preocupação para os detentores de conhecimento tradicional. Direitos já consagrados na legislação brasileira, como o consentimento prévio informado e a repartição de benefícios derivada do uso dos recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado, se apresentam de forma desfigurada no PL, sendo objeto de grandes limitações.

O processo de consentimento prévio informado, por exemplo, pressupõe que seja possível não consentir, ou seja, dizer ‘não’ ao acesso e ao uso do conhecimento tradicional. No PL, essa possibilidade não existe (veja o anexo para uma análise mais detalhada). A repartição dos benefícios advindos do acesso aos recursos genéticos e ao conhecimento tradicional, por sua vez, deixa de ser justa e equitativa no PL, para ser injusta e insignificante.

Assim sendo, é fundamental que os detentores do conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético se mobilizem e se envolvam nesse debate, sob o risco de se permitir a consolidação de limitações aos seus direitos, tal como que sejam acessados seus conhecimentos para exploração econômica sem sua concordância e sem a justa e equitativa repartição de benefícios.

As relações de força no Congresso Nacional são desfavoráveis aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, tornando necessária a incidência das organizações junto aos parlamentares, bem como ao governo federal, autor da proposta e de seu regime de urgência.

Sobre a tramitação do Projeto de lei, acesse http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=619150

Estamos à disposição para mais informações.

Adriana Ramos e Mauricio Guetta
Instituto Socioambiental – ISA
Programa de Política e Direito Socioambiental – PPDS
www.socioambiental.org
Tel: +55 61 3035-5105