44% dos alimentos analisados na Craisa, em Santo André, são reprovados

Metro Jornal, 08/08/2017

Análises elaboradas durante um ano no maior centro distribuidor de alimentos do ABC mostram que o consumidor da região está ingerindo agrotóxicos (utilizados para o controle de pragas na agricultura) não permitidos e acima da quantidade limite. A pesquisa é pioneira no país, onde até mesmo em São Paulo o número de testes é muito pequeno (média de 5 por ano no Ceagesp).

Foram analisadas 90 amostras de frutas, legumes e verduras comercializadas na Craisa (Companhia Regional de Abastecimento de Santo André) entre abril de 2016 e março deste ano. Deste total, 40, o equivalente a 44%, foram reprovadas. Em 33 análises, foram detectados agrotóxicos proibidos na agricultura do país para aquela cultura e nas outras sete restantes havia quantidade acima da tolerada.

A pesquisa teve início a pedido do defensor público da cidade, Marcelo Carneiro Novaes, em 2015, que via ausência de controle no entreposto da região. A primeira pesquisa realizada na época encontrou em uma amostra de tomate 17 substâncias químicas diferentes. “É um nível muito alto. Imagina uma criança que passa por quimioterapia, com imunidade baixa, ingerindo um produto com tanto agrotóxico”, disse o defensor.

A Prefeitura de Santo André topou depois do debate realizar avaliações mensais com 15 produtos. Mas a verba foi reduzida logo nos primeiros meses e a gestão optou por testar apenas três produtos, considerados mais problemáticos, todos os meses. São eles o pimentão, a laranja e o tomate. Os estudos foram conduzidos pelo Instituto Biológico, do governo do Estado.

O engenheiro agrônomo da Craisa, Fábio Vezzá de Benedetto,  afirma que houve diálogo com vendedores e produtores para melhorar a qualidade dos produtos. Para o pesquisador, não há motivos para as pessoas deixarem de consumir os alimentos. “Eu acho que não é preciso pânico. A situação é melhor que nos anos 1980. Os produtos melhoraram muito desde lá. Metade das amostras foram aprovadas. Mas temos que trabalhar para melhorar”, afirmou.

Apesar do pioneirismo nas análises, a Prefeitura de Santo André paralisou o projeto em março. A alegação apresentada à Defensoria Pública é de falta de verba. Novaes diz cogitar ir à Justiça para a continuação da pesquisa. “O Código do Consumidor é claro no ponto da qualidade dos produtos. O fornecedor, no caso o entreposto público, tem que informar a situação quanto ao agrotóxico. Lamento que tenham essa justificativa (verba), apesar de ser uma meia verdade. Não está descartado acionar o judiciário para manter o projeto e avançar também na análise da água.” A Craisa diz analisar o retorno das análises.

Saúde

O Brasil é considerado atualmente o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, posição que ocupa desde 2009. De acordo com dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer), cada pessoa ingere em média 5,2 kg de pesticidas por ano no país.

Os trabalhadores rurais são considerados o grupo mais exposto a efeitos nocivos do uso dos agrotóxicos. Pesquisa realizada pelo Inca durante cinco anos concluiu que pessoas que tiveram contato direto com os pesticidas têm 2,6 vezes mais chances de ter câncer. No caso da maioria da população, que consome pequenas doses diárias dos produtos, o Inca indica riscos de infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e câncer.

“O Brasil precisa de um estudo de longo período na população. Essas análises já são realizadas desde 1997 na Europa, que baniu produtos ainda comercializados por aqui”, explica a pesquisadora do Inca, Márcia Sarpa de Campos Mello, responsável pelo estudo.

Sindicato diz que não há riscos à saúde

O Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal) afirma que os agrotóxicos são essenciais para preservação do meio ambiente e não trazem riscos à saúde.“Graças aos defensivos (agrotóxicos), se produz mais em áreas reduzidas. Países tropicais têm alta incidência de pragas. Por isso se usa muito defensivo. Com o uso deles, a produção é altamente sustentável. Se utiliza menos água em pedaço de terra menor. Se fossem proibidos, seria necessário desmatamento maior”, afirma a diretora executiva do Sindveg, Silvia Fagnami.

Ela diz que é preciso regulamentar melhor os produtos, mas que mesmo onde há irregularidades, não existem riscos à saúde. “Mesmo acima do limite de uso, há margem grande de segurança. O risco de ter uma intoxicação acontece se o uso for 100 vezes a quantidade máxima. A pessoa teria que comer oito quilos de tomate em um dia para ter intoxicação. Sobre os riscos de câncer, essa relação ainda não é possível de ser feita.”