Nota editorial pela AS-PTA

Poucos anos antes de a calamidade sanitária, social e política do novo Coronavírus se abater sobre nosso País, o Brasil tinha se destacado mundialmente ao sair do Mapa da Fome da FAO. Esse resultado decorreu diretamente da instituição de políticas públicas orientadas para garantir a segurança alimentar e nutricional de populações socialmente empobrecidas em meio urbano e rural. A implementação e a efetividade dessas políticas em nível local, em grande parte organizadas em torno do Programa Fome Zero, estiveram inseparavelmente conjugadas a um esforço inédito de participação e controle social das organizações da sociedade civil. Em razão do reconhecimento de seu êxito como um feito histórico, algumas dessas políticas foram adotadas em outros países da América Latina e do continente africano.

Os resultados positivos alcançados na luta contra a fome no Brasil se apoiaram, sobretudo, na articulação entre as políticas orientadas para a segurança alimentar e o fortalecimento da agricultura familiar como produtora de alimentos. Programas e políticas como o PAA, o PNAE, da formação de estoques públicos, do seguro safra e garantia de preço mínimo para a agricultura familiar, bem como as políticas de ATER e ATES, e programas como o P1MC, P1+2 e Sementes do Semiárido, estes geridos pela Articulação do Semiárido, mostraram grande potencial de alavancar a construção da agroecologia nos territórios, quando implementados com o apoio das organizações da sociedade civil.

Entre o período em que vigoraram essas políticas e o atual, o contexto sociopolítico do Brasil mudou radicalmente. De quebra, o país caminha para a posição macabra de epicentro da pandemia. Essas novas realidades indicam que a retomada da luta contra a fome não pode se reduzir, a essa altura, à simples reedição do que já foi feito. Mas, ainda que. as condições sociopolíticas anteriores não estejam mais vigentes, isso não requer que a roda tenha que ser reinventada.

Na atual situação de descontrole das políticas sociais e de descompromisso com os valores democráticos da superação da pobreza e da fome, a exitosa convergência de políticas de segurança alimentar e de fortalecimento da produção de alimentos está fora do horizonte de realização no plano federal, pelo menos no médio prazo. Na concepção atualmente dominante na política governamental, a produção e o consumo constituem duas esferas autárquicas de intervenção. Com isso, adere à velha história de que “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”, e que tudo acaba se reduzindo a coisa nenhuma. Sendo assim, o Ministério da Cidadania tende a se ocupar do departamento das políticas que entende ter a ver com o consumo e, em outro canto da Esplanada, o Ministério da Agricultura assume a parte ligada à produção. Uma delas é o PAA.

Após muita pressão, a Medida Provisória aprovada pela Câmara injetou emergencialmente R$ 500 milhões no Programa para compra de alimentos da agricultura familiar. Esse valor corresponde à metade do que foi proposto por mais de 800 organizações sociais, mas é oito vezes maior que o minguado orçamento destinado ao PAA em 2018. Na MP enviada ao Congresso, o governo deixou de fora a modalidade Aquisição de Sementes e Mudas da agricultura familiar, instituída em 2014 como conquista das organizações e movimentos sociais no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

O momento é de lutar pela retomada do PAA em todas as suas modalidades e com orçamento crescente, inclusive o PAA sementes. Afinal de contas, comida de verdade começa com semente de verdade. E o PAA já fez por vários anos sua prova como uma potente ferramenta de defesa e de fortalecimento emancipador da agricultura familiar e de consolidação das redes que constroem a agroecologia nos territórios Brasil afora. Nesse mês, são as Redes Territoriais de Agroecologia que nos trazem essas histórias e ações.

 

Redes de agroecologia: práticas e gestão comum nos territórios

Nesse mês, nossa matéria especial, Redes de agroecologia: práticas e gestão comum nos territórios, conta sobre as redes de agroecologia espalhadas por todo o Brasil, que têm manejado de forma comum os recursos dos territórios e aqueles provenientes das políticas públicas, produzido alimentos saudáveis, livres de transgênicos e agrotóxicos, e garantido vida digna no campo. A reflexão é guiada por um estudo realizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que sistematizou a experiência de 25 redes de agroecologia apoiadas pelo Programa Ecoforte.

  

Sementes crioulas na mídia

CONAB abre prazo para receber projetos para o PAA

A partir de 8 de junho, o PAANet estará aberto para receber novas propostas. O governo deve limitar os recursos às modalidades PAA Leite e Compra e Doação Simultânea. Mas decreto de 2014 estabeleceu que 5% do orçamento do Programa destinam-se à modalidade Sementes Crioulas. Como uma mesma DAP pode participar simultaneamente de mais de uma modalidade, está aí uma ótima oportunidade para organizações da agricultura familiar, indígenas e de comunidades tradicionais apresentarem propostas e mostrarem para o governo que essa demanda se mantém vigorosa.

Longe dos agrotóxicos…

Justiça do Paraná, por decisão do juiz Roger Vinicius Pires de Camargo Oliveira, restabelece distância mínima de 250 metros para aplicação terrestre de agrotóxicos em áreas de mananciais de captação de água, núcleos populacionais, escolas, entre outros, e mínimo de 500 metros, no caso de pulverização aérea.

E com direito de participação garantido

O mesmo juiz reconhece também que organizações da sociedade civil devem participar de decisões sobre meio ambiente, e que povos e comunidades tradicionais devem ser consultados de forma livre, prévia e informada sobre medidas que afetam seus modos de vida, como no caso da aplicação de agrotóxicos.

Capitalismo de desastre

Governo transitório boliviano aproveitou a pandemia para promover liberação expressa de OGMs. Decreto Supremo 4232, publicado dia 8 de maio, ignorou toda a legislação de biossegurança do país e feriu leis que protegem espécies nativas como o milho. A justificativa oficial é acelerar a oferta de alimentos em tempos pandêmicos. De olho na próxima safra, que se inicia em agosto, o governo estipulou prazo de 10 dias para liberação comercial de variedades transgênicas de milho, cana, algodão, trigo e soja, sendo que até hoje só uma variedade de soja GM está autorizada no país. É de deixar até a CTNBio com inveja.

  

Recomendamos:

 

Conferir o recado de Nitynawa Pataxó sobre a relação dos povos indígenas com a Natureza e sua importância no enfrentamento à Covid-19: https://youtu.be/hdvvg2_s0rk

Se atentar a um outro recado importante dado pela animadora de sementes crioulas Josefa Aparecida, da Rede de Intercâmbio em Agroecologia (GIAS).

Escutar com atenção e divulgar uma série de cinco podcasts produzidos pela Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA): Semeando – uma prosa de saúde e cuidados para os povos do campo.

Uma leitura cuidadosa sobre os caminhos agroecológicos assinalados pelo artigo “Agroecologia ou Colapso”, pois “no esforço por repensar o mundo, é preciso olhar ao campo”.

Aprender um tanto, a partir de uma visão popular da Lei 13.1123/25, com a cartilha “Nossos conhecimentos sobre a sociobiodiversidade: salvaguardando uma herança ancestral” produzida pelo GT Biodiversidade da ANA.

  

EXPEDIENTE

Sementes Crioulas é uma iniciativa da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia

Edição e redação: Gabriel Bianconi Fernandes
Redação e produção: Helena Rodrigues Lopes
Revisão: Paulo Petersen e Silvio Gomes de Almeida
Diagramação: ig+ Comunicação Integrada

Gostou deste Boletim? Escreva pra gente suas sugestões e comentários: revista@aspta.org.br