Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2010.
Ode aos ruralistas
Apesar de negar aproximação com bancada do agronegócio na Câmara, autor do relatório do novo Código Florestal Brasileiro tem amplo histórico de ações em prol do setor
Vinicius Sassine para o Correio Braziliense, 21/06/2010.
A polêmica frase “Dedicado aos agricultores brasileiros”, na primeira página do relatório que altera o Código Florestal Brasileiro, não é o primeiro sinal da aproximação do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) às causas ruralistas. É, na verdade, um dos últimos lances de uma postura do parlamentar comunista que já dura mais de um mandato. Aldo diz que as defesas que vem fazendo na Câmara – como flexibilizar as regras para reservas legais e áreas de preservação permanente (APPs), um anseio antigo dos produtores rurais – representam, simplesmente, a defesa da nação. “Meu único interesse é defender a agricultura brasileira na guerra comercial travada com a agricultura europeia e americana”, afirma o deputado, num discurso que remete ao nacionalismo e à linha ideológica de seu partido.
Para se eleger em 2006 ao quinto mandato consecutivo, o então candidato recebeu R$ 1,45 milhão em doações de campanha, conforme registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Entre os doadores, estavam empresas e entidades diretamente ligadas ao agronegócio, como o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). Um dos 13 candidatos escolhidos pelo Cecafé para doações em dinheiro – três deles líderes da bancada ruralista -, Aldo recebeu R$ 40 mil para a campanha. Outros R$ 70 mil foram doados por uma empresa que fabrica insumos para defensivos agrícolas e por uma indústria de papel e celulose.
No fim de 2008, Aldo foi à tribuna para criticar a demarcação(1) contínua da reserva indígena de Raposa Serra do Sol, em Roraima, decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no ano seguinte. Pela decisão, os arrozeiros deveriam deixar as terras dos índios, o que foi contestado pelo comunista. “Há, ao alcance desta Casa, alguma iniciativa que possa resguardar o interesse dos brasileiros, cuja presença nas terras demarcadas passa naturalmente para a ilegalidade?”, questionou o deputado, em defesa dos arrozeiros.
Sem vínculos
Aldo Rebelo afirma que não tem nenhuma aproximação com a bancada ruralista na Câmara. “Em 20 anos, nunca integrei a bancada. Mas não haveria problema com isso, já que meu partido tem três deputados na bancada.” O deputado diz que apenas defende os interesses do Brasil nas relações exteriores e que aceitou o “desafio” de relatar o projeto do novo Código Florestal para “conciliar interesses da agricultura e do meio ambiente”.
Esse equilíbrio aparece nos agradecimentos finais aos consultores legislativos que ajudaram Aldo na elaboração do relatório: parte dos consultores está mais alinhada aos ambientalistas, parte aos ruralistas. Já a referência aos deputados a quem Aldo é grato segue a primeira frase do relatório, dedicada aos agricultores brasileiros. Os quatro parlamentares são da bancada ruralista ou estão decididos a apoiá-los no duelo instalado para a apreciação do novo Código Florestal.
1 – Responsabilidade
Para reforçar sua posição, poucos meses depois da decisão do STF sobre Raposa Serra do Sol, Aldo e o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) apresentaram o Projeto de Lei nº 4.791/2009, que submete ao Congresso Nacional a demarcação de terras já ocupadas pelos índios. Assim, se a proposta for aprovada, a decisão pela demarcação das terras não será uma atribuição da União: ficará sob a responsabilidade de deputados e senadores.
Verde em desvantagem
O relatório que modifica o Código Florestal chegará ao plenário com pouca ou nenhuma alteração, a julgar pela composição da comissão especial criada na Câmara para elaborar e votar o texto final. Dos 18 deputados que integram a comissão, sete pertencem à bancada ruralista e defendem as alterações da legislação. Outros cinco parlamentares tendem a votar favoravelmente à proposta do deputado Aldo Rebelo, como admite a própria bancada ambientalista (veja quadro). Somente seis deputados com direito a voto na comissão estão alinhados a essa bancada, o que configura a derrota do grupo na apreciação do projeto. Para aprovar ou rejeitar o relatório, são necessários 10 votos.
A comissão especial já discutiu o relatório em três ocasiões, a última na terça-feira passada, dia da estreia do Brasil na Copa do Mundo. Um pedido conjunto de vistas formulado por 10 deputados – entre ambientalistas e ruralistas – adiou a votação, remarcada para as 14h de hoje. Mas, mais uma vez, a reunião foi adiada, para a próxima segunda-feira. A escolha das novas datas – a segunda-feira não é um dia muito convencional no Congresso – é contestada por deputados contrários ao relatório de Aldo Rebelo. “Isso é golpe”, acusa o deputado Ivan Valente (PSol-SP).
Aldo Rebelo defende que o projeto seja somente discutido no próximo encontro da comissão especial, para ser votado depois. Ele, entretanto, admite fazer mudanças em seu relatório. O novo Código Florestal, como está configurado no relatório do comunista, é alvo de uma saraivada de críticas de entidades ambientalistas, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e da candidata do PV à Presidência da República, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.
“Os ambientalistas querem diminuir a área de produção agrícola no Brasil. Essa bancada fica protelando a votação do relatório”, critica o deputado Homero Pereira (PR-MT), um dos líderes ruralistas na comissão especial que discute o novo Código Florestal. Deputados contrários à proposta se reuniram e decidiram que vão apresentar votos em separado – apenas simbólico – contra o relatório. (VS)
Para saber mais
Para ONG, parlamentar é “inimigo da Amazônia”
No mandato anterior, quando era líder do governo Lula na Câmara, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi relator da Lei da Biossegurança, que regulamentou o cultivo de transgênicos no país. Em maio de 2009, votou a favor da norma que regulariza a ocupação de terras da União na Amazônia, conhecida como Lei da Grilagem (279 deputados votaram a favor e 94, contra).
A postura de Aldo Rebelo despertou a reação de organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas, como o Greenpeace, que conferiu a ele o título de “inimigo da Amazônia” por causa das posições contrárias à demarcação de terras indígenas. O deputado não deixou por menos: no relatório do novo Código Florestal, acusa as ONGs de estarem a serviço de interesses internacionais contrários ao desenvolvimento agropecuário brasileiro. Pouco antes de concluir o relatório, em março deste ano, Aldo quis convocar para uma audiência pública na Câmara representantes de grandes empresas que financiam a ONG SOS Mata Atlântica. A proposta foi arquivada.
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Código florestal deve ser preservado, entrevista com Luiz Zarref, do MST.
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