Mobilizadores COEP, 27/07/2010.
A engenheira agrônoma e consultora da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Flávia Londres, fala sobre os agrotóxicos mais utilizados nas lavouras brasileiras e quais as conseqüências para a saúde humana e também para o meio ambiente do uso indiscriminado de alguns deles. Ela cita o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na avaliação toxicológica dos agrotóxicos e explica porque muitos deles ainda não foram banidos por aqui, apesar de já terem sido proibidos em países da União Européia e China, por exemplo.
Ela chama a atenção para o fato de que precisamos saber qual o modelo de desenvolvimento rural que desejamos: um modelo de muita terra para poucos, manejadas com pouca mão de obra e altíssimo uso de máquinas e produtos químicos, ou um modelo de menos terra para muitos, em que sistemas intensivos possam empregar muita mão de obra, dinamizar economias e abastecer mercados locais com alimentos saudáveis.
Mobilizadores COEP – Quais são os agrotóxicos mais utilizados nas lavouras no Brasil? Poderia explicar sucintamente em que tipo de lavouras são empregados e para que serve cada um deles?
R.: O agrotóxico mais usado no Brasil e no mundo é o herbicida (mata-mato) chamado glifosato. A principal fabricante é a Monsanto (que vende o produto sob a marca comercial Roundup). A empresa deteve a patente do produto até alguns anos atrás. O uso do glifosato aumentou muito no mundo com a introdução e a expansão das lavouras transgênicas Roundup Ready, que foram desenvolvidas para tolerar aplicações do veneno. Pulverizando sobre a lavoura, o agrotóxico mata todas as plantas, menos a lavoura transgênica. Segundo estimativas de organizações ligadas às indústrias de biotecnologia, cerca de 62% das lavouras transgênicas cultivadas no mundo são tolerantes à herbicida.
É muito frequente também o uso de inseticidas, aplicados para eliminar insetos e pragas como lagartas. São usados em todos os tipos de culturas: grãos, frutas, verduras folhosas e legumes.
Mobilizadores COEP – Quais agrotóxicos ainda utilizados no Brasil que já foram proibidos em outros países? Qual a causa de terem sido abolidos e por que motivo continuam a ser utilizados em nosso país?
R.: Há diversos agrotóxicos proibidos em outros países que continuam registrados no Brasil. Em 2008, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou a Reavaliação Toxicológica de 14 produtos. Entre os motivos que levaram à escolha destes produtos está o fato de que vários destes já foram proibidos em outros países devido à constatação da existência de graves efeitos sobre a saúde. São eles: acefato, carbofurano, forato, fosmete, lactofem, metamidofós, paraquate, parationa metílica, tiram e triclorfom. Há também a cihetaxina e o endossulfam, cujos processos de reavaliação já foram concluídos, mas que continuarão a ser usados no país até 2011 e 2013, respectivamente.
No Brasil, existe uma comissão que reúne três ministérios – o Ministério da Saúde, através da Anvisa, o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente. Esta comissão avalia, cada um dentro das suas competências, os agrotóxicos, sua funcionalidade, eficácia, seus benefícios e malefícios. A Anvisa sozinha, apesar de ser capaz de constatar os malefícios de determinados agrotóxicos para a saúde humana, não consegue barrar sua entrada no país, devido a pressões do Ministério da Agricultura, por exemplo, que alega que os grandes produtores nacionais não têm alternativas em larga escala e que isto prejudicaria ou inviabilizaria a agricultura brasileira.
Mobilizadores COEP – O que está sendo feito para conter a importação excessiva de agrotóxicos banidos em outros países?
R.: Não tenho notícias sobre a adoção de medidas visando conter a importação de agrotóxicos banidos em outros países. Ao contrário: segundo informações da Anvisa, por exemplo, dados do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX) mostram que até março de 2009, o Brasil já havia importado mais que o dobro da quantidade de metamidofós importada durante todo o ano de 2008. O metamidofós está proibido na China desde janeiro de 2008 – o que explicaria uma possível canalização da produção mundial desta substância para o Brasil, visto que a mesma não conta mais com o mercado chinês.
Mobilizadores COEP – Por que o governo brasileiro, como proposto pela Anvisa, não leva adiante a reavaliação de alguns agrotóxicos, como previsto em legislação?
R.: A Reavaliação Toxicológica da Anvisa está sim sendo levada adiante. Em 2008, uma série de ações judiciais movida pela indústria de agrotóxicos, com o apoio do Ministério da Agricultura, conseguiu impedir por quase um ano a continuidade dos trabalhos. Esses setores chegaram a promover “tratoraços” contra o maior controle dos agrotóxicos. Felizmente, a Anvisa conseguiu reverter a situação e dar continuidade à reavaliação. Até o momento, só foram concluídas as reavaliações de dois produtos: a cihetaxina, que será retirada do mercado brasileiro até 2011, e o endossulfam, que será retirado até 2013.
Mobilizadores COEP – E quanto aos agrotóxicos produzidos aqui no Brasil, existem regras para a fabricação? Quem é responsável pela fiscalização?
R.: A pesquisa, a produção, a comercialização, a propaganda, a utilização e até o descarte de embalagens de agrotóxicos são regulamentados pela Lei 7.802/89. Há também leis estaduais que regulamentam o transporte, a comercialização e o uso destes produtos. A responsabilidade pela fiscalização da fabricação de agrotóxicos no Brasil é da Anvisa.
Entre julho de 2009 e maio de 2010, a Anvisa realizou sete fiscalizações deste tipo. Apenas em uma das ações não foram encontrados produtos adulterados e uma série de outras irregularidades graves. Para falar somente nas maiores do ramo: na Bayer, a Anvisa encontrou 1 milhão de litros de agrotóxicos com adulteração na fórmula; na Syngenta, encontrou 1,150 milhão de litros de agrotóxicos adulterados; e na Basf, foram 800 mil litros de agrotóxicos adulterados, com prazo de validade vencidos e sem data de fabricação ou validade. Havia casos em que a data de fabricação das pré-misturas, utilizadas na elaboração do produto acabado, eram mais recentes que as do produto final.
Mobilizadores COEP – Existem agrotóxicos imprescindíveis ou sempre há uma alternativa de defensivo agroecológico?
R.: Há uma infinidade de experiências em todo o mundo comprovando que é possível produzir alimentos de forma sustentável, sem a utilização de agrotóxicos. Boa parte destas experiências, inclusive, alcança produtividades maiores do que as médias alcançadas pela agricultura convencional, manejada com uso intensivo de adubos químicos e agrotóxicos. E sempre com custos mais baixos.
Há, entretanto, uma questão de escala, que tem a ver com modelos de desenvolvimento rural. É evidente que vastas extensões de monoculturas – o modelo adotado pelo grande agronegócio -, em que elimina-se completamente os elementos da paisagem natural, reduz-se a biodiversidade ao extremo e exaure-se o solo, tornando impossível produzir de maneira sustentável. A agroecologia, ao contrário, é um modelo que se adapta perfeitamente às pequenas e médias propriedades, que conseguem manejar sistemas diversificados e mais intensivos em mão-de-obra. É preciso então saber qual o modelo de desenvolvimento rural que se propõe: um modelo de muita terra para poucos, em que grandes extensões são manejadas com pouca mão de obra e altíssimo uso de máquinas e produtos químicos – e consequente alta degradação ambiental -, ou um modelo de menos terra para muitos, em que sistemas intensivos possam empregar muita mão-de-obra, dinamizar economias e abastecer mercados locais com alimentos saudáveis.
Um outro dado que vale a pena ser mencionado neste aspecto é que a rentabilidade média da produção familiar de base ecológica é muito mais elevada do que a do agronegócio. O estudo “Lidando com extremos climáticos: análise comparativa entre lavouras convencionais e em transição ecológica no Planalto Norte de Santa Catarina”, publicado na Revista Agriculturas: experiências em agroecologia*1, mostra esta comparação.
Mobilizadores COEP – Quais as conseqüências para a saúde humana e animal do uso excessivo de agrotóxicos?
R.: Os grupos de maior risco de intoxicação por agrotóxicos (tanto aguda como crônica) são as pessoas que, no campo ou na indústria, ficam expostas ao contato direto com os venenos.
Há centenas de grupos químicos no mercado, e cada um provoca efeitos diferentes: uns agem sobre o sistema imunológico, outros no sistema endócrino, outros provocam alterações hepáticas, câncer, disfunções na tireóide, abortos, partos prematuros, doenças neurológicas, hiperatividade em crianças, enfim, há uma gama enorme de patologias que estão crescendo nos últimos anos.
Há pessoas que desenvolvem doenças apenas porque moram próximo a plantações onde se usa muito veneno, e a contaminação chega pelo ar. Há outros casos em que o uso intensivo de venenos agrícolas atingiu a água que abastece as pessoas de toda uma região. Até mesmo alimentos com altas taxas de resíduos de agrotóxicos podem ser capazes de produzir efeitos de longo prazo nos consumidores, que muitas vezes nunca viram uma embalagem de veneno. E estes consumidores muito dificilmente saberão que as doenças que os afligem foram provocadas pelos agrotóxicos.
Mobilizadores COEP – E as conseqüências para o meio ambiente, como o solo e as bacias hidrográficas?
R.: Estas também são muito graves. Os agrotóxicos pulverizados nas lavouras contaminam solos, água, plantações de vizinhos, florestas e, muitas vezes, áreas residenciais. Há estudos indicando que águas subterrâneas e até mesmo da chuva estão contaminadas, colocando em risco a saúde de populações que se abastecem de poços em regiões de grande produção agrícola.
Mobilizadores COEP – Quais alimentos consumidos pelos brasileiros contêm altos níveis de agrotóxicos? O que podemos fazer, como solução caseira, para “limpá-los”?
R.: Através do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA)*2, a Anvisa tem analisado amostras de diversos alimentos oferecidos no mercado. No último relatório, divulgado em junho de 2010, constam dados sobre 20 alimentos (frutas, grãos, legumes e verduras), coletados em quase todos os estados brasileiros.
Segundo este último informe, os produtos mais problemáticos em 2009 foram o pimentão (80% das amostras insatisfatórias), a uva (56,4% das amostras insatisfatórias), o pepino (54,8% das amostras insatisfatórias) e o morango (50,8% das amostras insatisfatórias). A lista segue com o abacaxi, a couve, o mamão, o tomate, a alface, entre outros. Trata-se basicamente de duas irregularidades: uso de agrotóxicos proibidos e presença de resíduos de agrotóxicos acima dos limites permitidos.
Não há solução eficiente para “limpar” os alimentos da contaminação por agrotóxicos. Boa parte dos venenos utilizados são sistêmicos, ou seja, penetram na planta e circulam pela sua seiva. A lavagem com água corrente e a imersão em solução com água e vinagre ou bicarbonato de sódio são medidas que apenas minimizam os perigos da contaminação, eliminando somente os resíduos que se encontram na superfície do alimento. A única forma de se garantir o consumo de alimentos realmente “limpos” é adquirir produtos orgânicos, que são cultivados sem o uso de venenos.
Mobilizadores COEP – O que o consumidor consciente dos riscos dos agrotóxicos deve priorizar na hora da compra?
R.: Deve sempre procurar alimentos produzidos de forma agroecológica. Nos grandes centros urbanos a oferta existe, mas o preço ainda é um entrave: os grandes supermercados já oferecem produtos orgânicos, mas normalmente a preços muito elevados. Em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo existem também redes de consumidores e produtores que viabilizam a comercialização direta de produtos ecológicos a preços mais acessíveis. E muitas cidades contam também com feiras agroecológicas, onde os preços costumam ser mais próximos aos preços dos produtos convencionais.
Nas cidades menores é mais fácil se estabelecer vínculos mais próximos com os produtores, através de feiras ou pequenas casas comerciais, e assim adquirir alimentos de origem conhecida.
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*1 – Lidando com extremos climáticos: análise comparativa entre lavouras convencionais e em transição ecológica no Planalto Norte de Santa Catarina in Revista Agriculturas: experiências em agroecologia: artigo de Edinei de Almeida, Paulo Petersen e Fábio Júnior Pereira da Silva, publicado na Revista Agriculturas sobre experiências em agroecologia.
*2 – Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA): O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) foi iniciado em 2001 pela Anvisa com o objetivo de avaliar continuamente os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos in natura que chegam à mesa do consumidor.
Entrevista para o Grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Pobreza
Concedida à: Flávia Machado.
Editada por: Eliane Araújo.
http://www.mobilizadores.org.br/coep/publico/consultarConteudo.aspx?TP=D&CODIGO=C2010727115245812