Reportagem dá conta de que a própria empresa não sabe se microrganismo transgênico desenvolvido com técnicas de biologia sintética para produzir diesel a partir de cana-de-açúcar funcionará em escala comercial. Enquanto isso, na dúvida, a CTNBio já liberou seu uso, 4 usinas já contrataram com a empresa, outras 5 da área de cosméticos e petroquímica fizeram o mesmo, suas ações estão sendo negociadas na Nasdaq e BNDES, Finep e BID investem em seu fundo de capitalização.
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Da teoria à prática,o desafio da Amyris
Dona da tecnologia que permite substituir derivados de petróleo por cana, empresa se prepara para a produção industrial
31 de janeiro de 2011
Paula Pacheco – O Estado de S.Paulo
A Amyris Biotechnologies, empresa americana de biotecnologia, nasceu há oito anos com as melhores referências. Criada por um grupo de pesquisadores da renomada Universidade da Califórnia, em Berkeley, a companhia teve como primeiro investidor a Fundação Bill & Melinda Gates. Pouco depois, recebeu o voto de confiança de outro peso pesado, o investidor indiano Vinod Khosla, entusiasta de tecnologias verdes.
Nos laboratórios, a empresa já se provou. A partir da modificação genética em uma levedura utilizada na produção de álcool combustível, a Amyris chegou a uma substância chamada farneceno, capaz de substituir os derivados de petróleo em várias frentes. A possibilidade de trocar diesel de petróleo por um diesel de cana livre de enxofre (substância altamente poluidora) foi festejada. Agora, a companhia se prepara para uma prova de fogo: repetir no mercado o sucesso obtido nos laboratórios. Daqui a dois meses, o farneceno, batizado pela Amyris de Biofene, será produzido em escala industrial. A linha de produção será em Piracicaba, interior de São Paulo.
Um dos desafios da empresa é ter certeza de que as leveduras modificadas terão nos tanques da usina, de 200 mil litros, o mesmo comportamento que tiveram nos recipientes de teste, com capacidade para 5 mil litros.
Desafios. Além da questão técnica, há incertezas de mercado. “O que se viu até agora em escala piloto aponta para um custo mais baixo que o do diesel de petróleo. Se for viável economicamente, será um produto revolucionário”, explica Fernando Reinach, biólogo que presidiu a Votorantim Novos Negócios e hoje faz parte do conselho da Amyris.
Executivo sênior da área de agronegócios da consultoria Accenture Brasil, Kleber Alencar explica que produzir em grande escala traz o benefício da diluição dos custos e, potencialmente, dos preços do produto final. Mas a Amyris está sujeita a uma variável que define o desempenho de boa parte das tecnologias verdes: o preço do petróleo. “Na produção de combustíveis alternativos, por exemplo, a variação do valor do barril pode estimular a migração do consumo”, diz Alencar. Há ainda a influência dos preços dos demais derivados da cana (açúcar e etanol), que podem tornar menos atraente a produção do diesel.
O farneceno estará também sob a influência dos custos de logística, em função das distâncias entre as regiões produtoras e consumidoras, e da política de subsídios do governo. “No Brasil o biodiesel vem sendo ajudado pelo Programa Nacional de Produção de Biodiesel (PNPB), do governo federal. Pelo programa, a União adquire o combustível para cumprir a meta de adição ao diesel comum, fixada em 5%. Na Europa, o programa está bem mais avançado e conta com importantes subsídios do governo”, comenta Alencar.
Roel Collier, diretor-geral da Amyris no Brasil, recorre a uma equação simples para defender a viabilidade do projeto. “O diesel de cana é baseado na competitividade da cana para a produção de biocombustíveis. Da mesma forma que o álcool é competitivo em comparação à gasolina, o diesel de cana deverá ser em relação ao diesel de petróleo”, diz.
Outros produtos. Na operação de Piracicaba, em parceria com a belga Biomin, a previsão de Mario Portela, presidente da Amyris Brasil, é que nos 12 primeiros meses a produção de farneceno oscile entre 3 milhões e 5 milhões de litros. Em 2012, quando começa a funcionar a unidade de produção em parceria com o Grupo São Martinho, serão 92 milhões de litros por ano.
Além de apostar no diesel, o menos rentável dos produtos obtidos do farneceno, a expectativa da Amyris é fornecer matéria-prima para, pelo menos, mais cinco indústrias diferentes. A empresa quer entrar no mercado de querosene de aviação e nas indústrias cosmética, química, petroquímica e farmacêutica.
E, antes mesmo de a produção industrial começar, já foram assinados vários contratos para fornecimento de farneceno. Entre eles, um com a matriz americana da P&G (para pesquisas com detergentes), com a Soliance (fabricante francesa de cosméticos), Firmenich (multinacional da área de fragrâncias), Gruppo Mossi & Ghisolfi (fabricante italiano de polímeros e aditivos plásticos), Shell e Total (gigantes da área de petróleo).
Para o fornecimento de cana, a Amyris conseguiu um feito incomum: ter relação comercial com vários concorrentes do setor sucroalcooleiro. A empresa tem contratos com São Martinho, Cosan, Açúcar Guarani e Bunge.
Como a colheita de cana no Centro-Sul, onde a Amyris tem parcerias, ocorre entre abril e dezembro, o grupo começa a sondar usinas no Nordeste, onde a safra é em outro período. “O Nordeste está nos nossos planos”, confirma Portela.
Expansão. Num primeiro momento, a Amyris vai comercializar o Biofene para as indústrias de cosméticos e de lubrificantes. Para dar conta do projeto de expansão, assinou contratos de terceirização da produção – além da Biomin, com mais duas empresas americanas: a Tate & Lyle, que deve operar ainda em 2011, e com a Glycotech.
A estratégia da Amyris atraiu investidores de fora, como a TPG Ventures, a DAG Ventures e a Total (principal acionista, com 20,7%), além de brasileiros, como a Votorantim, o fundo que a coreana Temasek tem no País e a gestora de fundos Stratus. Álvaro Gonçalves, sócio da Stratus, diz: “Isso tudo vai quebrar o paradigma da cadeia da cana. As próprias usinas já têm uma visão diferente sobre seus negócios”. Fazem parte do fundo da Stratus que investe na Amyris, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Em setembro do ano passado, a Amyris abriu seu capital na bolsa eletrônica americana Nasdaq. Com um desempenho bem acima do principal índice da bolsa, a empresa vale hoje US$ 1,3 bilhão.
Para se firmar, além de enfrentar desafios técnicos e de mercado, o farneceno da Amyris precisa sair vitorioso das negociações governamentais que envolvem os combustíveis verdes. No começo do mês, a empresa contratou Joel Velasco, que representava os interesses da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) em Washington, para o cargo de vice-presidente sênior.
Para Velasco, não há dúvidas do caminho da Amyris. “Na medida em que o mundo dos biocombustíveis está evoluindo, a Amyris vai ser uma líder na expansão da indústria, tanto no Brasil quanto nos EUA.”
Pesquisas sobre a malária deram início à empresa
A Amyris Biotechnologies, criada em 2003, surgiu do trabalho de um grupo de pesquisadores americanos de pós-doutorado que trabalhavam no Departamento de Engenharia Química e Bioengenharia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, coordenados pelo professor Jay Keasling, hoje sócio-fundador da companhia.
A primeira descoberta da empresa foi a artemisinina obtida a partir de uma bactéria muito usada em laboratório, a Escherichia coli – tudo graças a um processo de reengenharia genética. A artemisinina é o princípio ativo de um medicamento que combate a malária e é usado na África e na Ásia. Até a descoberta, só a planta artemísia era capaz de fornecer a matéria-prima para o medicamento. A principal vantagem da bactéria modificada em laboratório é que ela produz o remédio a um custo 90% mais baixo.
As pesquisas da Amyris foram financiadas pelo Instituto OneWorld Health, da Fundação Bill & Melinda Gates, que transferiu a tecnologia de produção para a Sanofi-Aventis. O objetivo da transferência de tecnologia é que o laboratório farmacêutico produza o medicamento em grande escala a preços menores e possa distribuí-lo em países pobres.
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A propósito, vem bem a calhar a análise de Wilson da Costa Bueno sobre a crise do jornalismo agrícola no Brasil e o fato de que este cada vez mais se limita a noticiar só aquilo que é de interesse das corporações do agronegócio.
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