por Agostinho Vieira

O Globo,  28/05/2011

Um artigo científico publicado em dezembro de 2010 na revista Food Policy (uma das mais importantes publicações internacionais na área de economia e política agrícola) evidencia como os conflitos de interesse envolvendo a filiação de pesquisadores às indústrias de biotecnologia influenciam os resultados de pesquisas que avaliam os riscos de alimentos transgênicos para a saúde — mesmo aquelas publicadas em revistas científicas. O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Católica Portuguesa.

O artigo relembra exemplos já demonstrados de interesses industriais que afastaram a pesquisa científica do seu objetivo primordial de difundir conhecimento independente: houve no passado, sobretudo em pesquisas sobre tabaco, álcool e medicamentos, claros indícios de perigos para a saúde pública que foram encobertos, enquanto as vantagens ou inocuidade dos produtos eram exageradas em estudos que recebiam dinheiro de multinacionais e depois eram publicados, ou eram elaborados por cientistas funcionários dessas multinacionais.

Para a realização do novo estudo, os pesquisadores selecionaram, segundo critérios compatíveis com os objetivos da pesquisa, 94 artigos científicos publicados em duas bases de dados (Medline / National Library of Medicine, EUA; e Web of Science / ISI Web of Knowledge, Thomson Scientific). Em função de seu conteúdo e conclusões, os artigos foram classificados por dois pesquisadores independentes como “favoráveis”, “desfavoráveis” ou “neutros” em relação aos alimentos geneticamente modificados.

Um terceiro pesquisador independente classificou os mesmos artigos quanto ao financiamento da pesquisa, filiação dos pesquisadores e conflito de interesse. Nenhum dos três pesquisadores teve conhecimento prévio da classificação produzida por seus pares e todos só tiveram acesso às seções dos artigos relevantes às suas respectivas tarefas.

A partir da análise estatística dos resultados encontrados, os pesquisadores observaram que a existência de conflito de interesse, fosse ele através do financiamento ou do vínculo dos pesquisadores envolvidos, estava associado a resultados de pesquisa favoráveis aos alimentos transgênicos.

O estudo indicou ainda que mais de metade (52%) dos artigos analisados não indicaram a fonte de financiamento e, mais importante ainda, que na maioria destes artigos pelo menos um dos autores tinha ligações com a indústria (73% do total). Por outro lado, em 84% dos artigos em que o financiamento era indicado nenhum dos autores tinha ligações com a indústria. E confirmou-se que nos artigos que não indicaram a fonte de financiamento foi maior a frequência de conclusões favoráveis aos transgênicos.

Segundo os autores, estes resultados corroboram a visão de que todas as afiliações profissionais dos pesquisadores deveriam ser explicitadas em publicações científicas sobre análises de risco de alimentos transgênicos, uma vez que a existência de conflitos de interesse pode interferir nos resultados dos estudos.

Veja a íntegra do artigo.

(Fonte/ AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia)