Tem gente que insiste que o agronegócio é uma coisa só, que a agricultura familiar está aí incluída e que dois ministérios, um para os grandes e outros para os pequenos, é coisa desnecessária, que só acontece no Brasil mesmo. Difícil acreditar.

 

Em entrevista recente à revista Época (30/07), o presidente da União da Indústria Canavieira (UNICA) Marcos Jank abre o jogo: “Nosso sonho hoje é que houvesse conversas para rapidamente podermos anunciar a construção de mais 100 a 150 usinas, um investimento de quase R$ 100 bilhões, até 2020”. Mais 100 a 150 usinas de álcool/açúcar para além das 420 já existentes! Onde vai caber isso tudo, perguntaria alguém menos sonhador? Haverá água suficiente? Algo (e/ou alguém) terá que ser desalojado para que o sonho de Jank se torne realidade. E tem mais: “O grande desafio hoje é o crescimento (…) produzir mais cana para atender todos os mercados potenciais (interno e externo)”, destaca o agrônomo. É a visão nua e crua do crescimento infinito a despeito de um planeta finito, cujo consumo anual de recursos naturais já superou sua capacidade de regeneração.

O projeto dos heróis usineiros não pode deixar de ser contrastado com um outro. Para a revista Carta Capital (29/07), João Pedro Stedile apresentou conta bastante fácil de entender. Usando dados do IBGE e do Incra ele mostrou que apenas 1,3% das unidades improdutivas (66 mil) controlam 40% de todas as terras (175 milhões de hectares). O líder do MST continua: “Só no setor sucroalcooleiro controlam 33% de toda a terra e usinas”. Se apenas esse 1,3% fosse desapropriado “teríamos uma fantástica mudança no campo”, isso é fato. Mas o tema de sua entrevista era justamente a retirada da reforma agrária da agenda política do governo.

Jank defende maior atenção para o setor e “políticas públicas e privadas para que o etanol continue a crescer de forma competitiva”, entre elas a redução de impostos. Stedile aposta na mobilização da sociedade e em sua crescente conscientização sobre a crise ambiental e sobre o esgotamento do modelo do agronegócio. São dois projetos distintos, cada um apontando para um lado. Um reforça a concentração o outro a democratização da terra e do acesso aos recursos naturais. Quem afirma que agricultura é tudo uma coisa só já disse de que lado está.