ONGs reclamam de processo de aprovação

Sabrina Valle

O Estado de São Paulo, 05/09/2011

O processo de aprovação da primeira cana-de-açúcar transgênica deve passar pelas mesmas críticas aplicadas à soja, ao milho e ao algodão. A AS-PTA, associação civil de AGRICULTURA FAMILIAR, diz que as principais promessas relativas a transgênicos, como aumento de produtividade ou redução de uso de agrotóxicos, não foram cumpridas. O assessor técnico Gabriel Fernandes cita um estudo da Union of Concerned Scientists mostrando que transgênicos não aumentaram a produtividade; outro da Embrapa Agropecuária Oeste apontando que produzir soja convencional é mais barato do que produzir a geneticamente modificada; e dados da Anvisa mostrando que depois da autorização da soja RR (Monsanto) no Brasil o consumo de herbicidas à base de glifosato (roundup) disparou. “Uma das vantagens das multinacionais é a venda casada das sementes com agrotóxicos.”

A assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, Larissa Packer, diz que faltam estudos sobre riscos ambientais e alimentares e sobre fluxo gênico. Ela afirma que as aprovações pela CTNBio têm sido ilegais, ferindo o Anexo 3 do Protocolo de Cartagena.

Empresas investem em cana transgênica

Intenção é lançar no Brasil o primeiro produto do mundo em escala comercial

Sabrina Valle / RIO – O Estado de S.Paulo

Gigantes do setor agrícola estão investindo centenas de milhões de dólares na corrida para o lançamento, no Brasil, da primeira cana-de-açúcar transgênica do mundo em escala comercial.

Desenvolvedores prometem uma revolução, com variedades mais resistentes a pragas, à seca, com maior teor de açúcar e facilidades para produção de etanol. Segundo eles, isso pode significar uma alternativa aos recorrentes problemas de quebra de safra, que prejudicam o mercado de revenda de combustíveis.

Por causa das perdas na colheita, a partir de outubro o governo vai reduzir o porcentual de álcool misturado na gasolina de 25% para 20%. A Petrobrás, que deve importar mais de 3 milhões de litros de gasolina para suprir a demanda interna superaquecida, também entrou no páreo para a cana transgênica.

A demanda crescente fez o novo ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, determinar ao presidente da Embrapa, Pedro Arraes, que avance nas pesquisas para evitar uma redução maior da oferta de etanol no futuro. O governo também quer minimizar o quase monopólio das pesquisas por multinacionais como Monsanto e Syngenta, como na soja. “A ideia é que a Embrapa, como empresa pública, seja o fiel da balança de um mercado com presença crescente de multinacionais”, diz o pesquisador da Embrapa, Hugo Molinari, que lançou recentemente a primeira variedade brasileira de cana transgênica, agora em análise.

Dianteira. Mas, na corrida, as multinacionais largaram na frente. A suíça Syngenta aplicou, desde o ano passado, US$ 100 milhões (75% já gastos) no desenvolvimento de quatro plantas de cana transgênica para o mercado brasileiro. As mudas estão prontas em laboratórios nos Estados Unidos, mas precisam vencer um processo burocrático para serem aprovadas no Brasil.

Os investimentos da Monsanto não ficam abaixo desse patamar. Custos com aplicação podem mais que dobrar as cifras. Já a Embrapa reparte, entre cinco culturas (cana, soja, milho, algodão e eucalipto), um minguado orçamento de R$ 4 milhões em pesquisa ao longo de três anos.

Hoje, estão autorizadas no Brasil as culturas transgênicas de soja, milho e algodão. No próximo dia 15, o primeiro feijão transgênico deve ser aprovado pelo Comitê Técnico Nacional de Biossegurança (CTNBio).

“A cana ficou largada por muitos anos e agora finalmente está recebendo a atenção que precisa”, diz Daniel Bachner, responsável pela área de cana-de-açúcar da Syngenta.

As expectativas são de que as primeiras variedades entrem no mercado em quatro anos. A Petrobrás trabalha com esse horizonte, a Syngenta garante que a revolução no mercado não passa de cinco anos. Já a Embrapa prevê de sete a oito anos.

Há vários melhoramentos genéticos em curso. A Monsanto concentra as pesquisas em resistência a insetos e tolerância a herbicidas, o que promete maior produção de açúcar por hectare. A tecnologia do herbicida roundup já é usada na soja e no milho. “Estamos falando da mesma tecnologia, agora aplicada à cana”, diz José Carlos Carramate, líder de Negócios da CanaVialis, marca de melhoramento e tecnologias em cana da Monsanto.

Entre as apostas da Syngenta estão uma variedade com um teor de açúcar na planta até 40% maior. Também se pesquisa uma variedade com modificação da parede celular da planta para facilitar a produção de etanol de celulose, de segunda geração.

A Embrapa foca na resistência à seca, considerando que a alteração climática pode levar a perdas entre 10% e 50%. “A seca do ano passado sacrificou a safra atual e também deve afetar a próxima”, exemplifica Molinari.

Além da tolerância à seca e resistência a pragas e doenças, a Petrobrás Biocombustível foca suas pesquisas na cana para etanol de segunda geração. “A meta é estabelecer ganhos de produtividade numa perspectiva integrada ao conceito de biorrefinaria”, disse a estatal, em nota.

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Cana estatal

O ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, pediu à Embrapa que acelere as pesquisas para o desenvolvimento da cana transgênica.

Quer evitar o monopólio de multinacionais na área.

Cana brasileira já não é a mais barata

Brasil perdeu a liderança no ranking de menor custo de produção do mundo para países como Austrália, África do Sul e Tailândia

Renée Pereira

O Estado de S.Paulo

A abundância de terra agricultável, o clima favorável e a vasta experiência do produtor já não são mais ingredientes suficientes para garantir a enorme competitividade que fez do Brasil o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo. Nos últimos três anos, a combinação entre alta dos custos internos, câmbio e a euforia dos investidores com o etanol acabaram tirando o País da liderança do ranking de menor custo de produção da cana.

Na frente do Brasil, já estão Austrália, África do Sul e Tailândia. Há quem diga que Colômbia e Guatemala também têm conseguido produzir açúcar a um custo menor, mas eles não constam nas estatísticas oficiais. Embora sejam países com pequena produção comparada ao Brasil, o resultado reflete o momento mais delicado da indústria nacional de cana-de-açúcar. A escalada dos preços do etanol, por exemplo, levou o governo a anunciar na semana passada a redução da mistura do combustível na gasolina – uma forma de ampliar a oferta de álcool hidratado na bomba.

No açúcar, embora os preços estejam elevados no mercado internacional, não há grandes problemas. Mas o aumento do custo do Brasil, que responde por quase 50% do mercado mundial, tem reanimado até mesmo a indústria de açúcar de beterraba na Europa, afirma o presidente da Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-sul do Brasil (Orplana), Ismael Perina. “Há sete anos, esse produto estava inviável. Agora voltou a ficar viável, o que é ruim para o País.”

Segundo dados da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), de 2005 para cá, os custos de produção cresceram cerca de 40% – de R$ 42 por tonelada de cana para R$ 60. Uma série de fatores explicam esse avanço. Alguns deles provocados pela extensa lista do chamado custo Brasil, como a valorização do real e a carga tributária elevada, que reduz a competitividade das empresas nacionais. Outros foram criados pela própria expansão do setor, como a falta da mão de obra.

O problema surgiu com o início da mecanização da colheita de cana, que deverá atingir 100% em 2014. Embora seja mais barato, o processo pegou o setor despreparado. Não havia frota suficiente para fazer a colheita e a mão de obra, antes acostumada a usar facões para cortar a cana, não sabia manusear tratores e colheitadeiras equipadas com alta tecnologia. Resultado disso foi o aumento no preço das máquinas e dos salários do setor.

“Além disso, o canavial não estava preparado para a colheita mecanizada, que exige um espaçamento diferente no plantio. Isso reduziu de forma significativa a produtividade”, afirma o diretor técnico da Unica, Antonio de Padua Rodrigues. Até hoje, diz ele, não se encontrou uma solução econômica para a palha que é retirada durante a colheita. “Se for junto com a cana para a usina, isso aumenta o custo de transporte. Se ficar no canavial, pode trazer pragas.”