O FLUMINENSE | revista

Por: Natália Kleinsorgen 29/01/2012

Aumenta a consciência pelo consumo de alimentos sem adição de química. Produtos podem ser encontrados em feiras livres e lojas especializadas da cidade

Os últimos dados liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foram alarmantes, mas só evidenciaram o que muita gente estava cansada de saber. Diversos tipos de agrotóxicos estão presentes nos pratos dos brasileiros, que precisam pensar em alternativas para alimentarem-se de maneira saudável. As comidas orgânicas e agroecológicas garantem a ausência de química na produção de grãos, verduras e legumes, mas elas custam caro.

Em Niterói, são raras as feiras livres que comercializam estes produtos. Em geral, eles são encontrados em lojinhas especializadas de produtos naturais, nas prateleiras dos supermercados e sacolões de grande porte. Mas nem sempre foi assim. Antes aconteciam quatro feirinhas no município – no Campo de São Bento, em Itaipu, no Horto do Fonseca e na Rua Ministro Otávio Kelly, em Icaraí. Hoje não dá para confiar na regularidade delas, que podem ser canceladas por fatores como mau tempo e pouca demanda.

Quem mora em Icaraí e Santa Rosa não tem desculpa para ficar sem orgânicos. A “Veio da Roça”, na Avenida Sete de Setembro, está desde 1986 comercializando esses produtos, vindos, principalmente, da localidade do Brejal, em Teresópolis, e da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio). Naquela época, poucas pessoas trabalhavam com alimentos livres de agrotóxicos. É lá que, há quatro anos, o médico Carlos Cerqueira faz suas compras de hortaliças e grãos.

“Minha preocupação começou graças à minha filha, que hoje tem oito anos. Uma boa alimentação é uma maneira de defender a saúde dela e protegê-la de muitas doenças”, diz.

Na loja “Portal Saúde”, que comercializa produtos orgânicos em Piratininga, Região Oceânica, a proprietária Alice Mendes expõe verduras e legumes sempre às terças-feiras e sábados pela manhã. Mas durante a semana é possível encontrar uma variedade de opções para quem quer mudar os hábitos. Mel, achocolatado, geleia, barras de cereais, café, sucos de frutas, leite e alimentos vegetarianos estão distribuídos pelo estabelecimento, que é abastecido por empresas certificadas pelo Governo Federal.

Para minimizar a distância entre estas empresas e os consumidores, Alice faz questão de conhecer cada distribuidora e as formas de produção, garantindo que o solo é bem tratado e que não há nenhuma forma de exploração predatória durante o processo de desenvolvimento de tais produtos.

“Claro que seria melhor se os alimentos fossem produzidos pelas redondezas. Sempre que um cliente comenta sobre alguma árvore frutífera ou horta que tem em casa, faço parcerias para comercializar estes produtos. Bom se fossem mais frequentes”, analisa a proprietária.

Produtos
O “frango verde” da Korin Agropecuária também é comercializado na loja de Piratininga, vindo dos polos de produção localizados em Ipeúna e em Atibaia, ambos municípios de São Paulo. Desenvolvida a partir de um método que não utiliza antibióticos ou hormônios, a ave é criada com ração vegetal e com menor teor de gordura. Quem explica é Marcelo Corrêa, mestre em Saúde Pública e coordenador das atividades de expansão do método de Agricultura Natural no Estado do Rio de Janeiro da Fundação Mokiti Okada.

Para ele, o consumo de alimentos orgânicos é uma questão de saúde, já que diminui a ida a médicos, reduzindo as chances de doenças como diabetes e hipertensão. Para ajudar na democratização desses alimentos, a fundação ajuda na construção de hortas caseiras em comunidades do Rio de Janeiro – o abrigo de crianças abandonadas no Méier, algumas no Complexo do Alemão e a do Morro do Macaco são alguns exemplos. Além de abastecer as famílias locais, estas hortaliças podem ser comercializadas pelos habitantes, gerando uma renda extra.

“Os meios de comunicação também são importantes na luta por novas maneiras de se alimentar. Informações deveriam aparecer mais frequentemente na mídia, esclarecendo sobre os benefícios desses produtos”, acredita Marcelo.

José Neto Ferreira, de 76 anos, é voluntário no projeto das hortas comunitárias, responsável pelas plantações no bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro. Envolvido com a fundação há mais de dez anos, ele ensina às pessoas os métodos adequados para a agricultura natural e acredita que cada um pode ter sua horta em casa.

“Quando chegamos aqui, a terra era seca e dura. É possível transformar quase todo cantinho em um espaço para cultivar alimentos. Quem tem pouco espaço deve acreditar que vale a pena plantar qualquer coisa, nem que sejam os temperos. Consumir orgânicos muda a energia da gente, transforma mesmo”, diz.

Brasil ganhou título de país que mais usa agrotóxicos

Desde 2008, o Brasil ultrapassou o consumo de venenos dos Estados Unidos e ganhou o título de país que mais usa agrotóxicos no mundo. São mais de um milhão de toneladas de ingrediente ativo por ano. A falta de políticas públicas que auxiliem os pequenos agricultores – responsáveis por levar alimentos às mesas das famílias brasileiras – a mudarem a forma de produção e passarem a produzir sem agrotóxicos é uma das culpadas pela insistência neste modelo industrial adotado desde a “Revolução Verde”.

“Os pequenos agricultores dizem que sem veneno não dá. Desconhecem outras formas de produção e se distanciaram da antiga cultura de família que foi descaracterizada pela promessa de altos lucros na agricultura em países menos desenvolvidos, nas décadas de 1960 e 1970”, explica a médica Maria Luiza Branco, idealizadora do projeto Terrapia, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz.

Outros dois fatores devem ser considerados: a relação com o plantio de grandes monoculturas, surgido durante a Revolução; e o crescente uso de plantas transgênicas, geralmente desenvolvidas para uso casado com os venenos.

“Sementes melhoradas, adubos químicos e agrotóxicos: isso é o que se ensina nas escolas de agronomia; o que a assistência técnica leva para o campo; o que o crédito oficial financia; e o que o seguro rural cobre. Buscar outro caminho significa o produtor assumir todos os riscos por conta própria”, justifica o agrônomo Gabriel Fernandes, membro da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA).

Não é possível mensurar a quantidade exata de agrotóxicos ingerida pela população, mas sabe-se que é agressiva. A afirmação é da nutricionista Sueli Couto, chefe da área de Alimentação, Nutrição e Câncer do Instituto Nacional de Câncer (Inca). De acordo com ela, apesar de não haver evidências suficientes de que o consumo dos agrotóxicos provoca câncer, pesquisas comprovam alta incidência da doença em trabalhadores rurais que manuseiam tais produtos. Sendo assim, resta ao Inca alertar sobre a ingestão dessas substâncias.

Especialistas também têm se preocupado com os inúmeros casos de intoxicação do homem do campo, assim como das suas famílias, da água, do solo e do ar, explica a médica Maria Luiza. A profissional diz que os estudos apontam um aumento do número de suicídios entre agricultores em decorrência de distúrbios mentais causados por agrotóxicos. Como se não bastasse, eles triplicam os casos de câncer e quadruplicam nascimentos de bebês com malformação. A maioria dos alimentos carrega veneno não só nas hortaliças, frutas e grãos em geral, mas especialmente no trigo e na soja, elementos básicos na alimentação do brasileiro.

“Esses produtos intoxicam devagar e provocam distúrbios em diversos níveis, que muitas vezes nem são associados aos agrotóxicos, como os distúrbios de visão”, conta.

Já Sueli Couto, que pesquisa pelo setor de vigilância do câncer relacionada ao trabalho e ao ambiente, destaca a grandiosidade desta exposição, tão inconsciente que alguns camponeses chegam aos postos de pronto socorro sem saber que os sintomas apresentados resultam de envenenamento. O trabalho do Inca é se envolver com estes trabalhadores e ouvi-los de perto, a fim de mapear os principais riscos. Além disso, estudam alguns casos de consumidores e realizam assembleias com associações e instituições na mesma luta: tirar o veneno das mesas.

O Ministério Público (MP) criou, em novembro do ano passado, o Fórum de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos. De âmbito estadual, ele reúne várias instituições; desde governamentais a organizações da sociedade civil; mercados; campanhas de movimentos sociais e o próprio Inca. De acordo com o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), a ideia surgiu durante o debate promovido por representantes do Ministério Público do Rio e da Vigilância Sanitária municipal sobre os resultados do Programa Nacional de Análises de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para).

Alimentos em alerta

Os resultados da última avaliação do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos nos Alimentos (Para), que analisaram mais de 2.480 mil amostras de 18 alimentos no Brasil – exceto São Paulo – diagnosticaram 28% destas amostras como de resultado insatisfatório, apontando irregularidades relativas a substâncias nocivas ou produtos em quantidades proibidas. Cerca de 35% das amostras mostraram-se satisfatórias, porém, com a identificação de resíduos. Apenas 37% não apresentaram resíduos.

O alimento que lidera a lista é o pimentão, que foi apontado com 91,8% das amostras com um alto nível de resíduos de agrotóxicos. Na segunda colocação está o morango, com 63,4%. Em seguida, vem o pepino, com 57,4% das amostras. Ainda de acordo com o estudo, coordenado pela Anvisa, alface e cenoura estão em níveis alarmantes, com 54,2% e 49,6%, respectivamente. Hoje é autorizado o uso de mais de 400 agrotóxicos no País.