VALOR ECONÔMICO, 02/02/2012
Por Tarso Veloso | De Brasília
Após o grave problema da seca na região Sul, causado pelo fenômeno La Niña, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está acelerando os estudos genéticos para o desenvolvimento de variedades transgênicas de cana, soja e milho resistentes à estiagem prolongada.
A estatal quer se concentrar em 2012 nas pesquisas de aumento da produtividade dessas três culturas, que têm baixo rendimento em algumas regiões devido a características climáticas.
Os melhores resultados até agora foram conseguidos com a cana. “Dentre várias amostras testadas, uma delas já mostrou tolerância maior ao clima seco. Não é uma pesquisa de curto prazo, mas estamos fazendo progressos”, disse o diretor-presidente da estatal, Pedro Arraes, ao Valor. A preocupação do governo é aumentar a produção para evitar, no futuro, uma redução maior da oferta de etanol no mercado doméstico.
O presidente da estatal também ressalta avanços em outras áreas de pesquisa. Entre elas, a do sistema de integração lavoura-pecuária, que já se encontra em fase final de testes. Ao todo, foram usados 192 campos de observação para medir qual proporção das terras deve ser dividida entre florestas e plantações para mitigar os efeitos do gás metano expelido pelos rebanhos.
O próximo passo para o projeto será a construção de uma central de consolidação em Campinas (SP) para trabalhar com os dados coletados. Arraes avalia que até o fim do ano a central deverá estar pronta. Após o fim das pesquisas, a Embrapa vai se unir a um consórcio com cinco empresas privadas para treinar esses técnicos nos procedimentos de extensão rural.
Apesar dos planos ambiciosos da estatal, o orçamento para 2012 será praticamente o mesmo do ano passado, próximo de R$ 1,8 bilhão. Mesmo com a promessa do governo de cumprir a meta do superávit primário, de 3,1% do PIB, Arraes diz não crer em um arrocho nos recursos da Embrapa. “Os sinais que temos recebido do governo é de que não haverá contingenciamento dos nossos recursos”, afirma o presidente da empresa.
Em arrecadação indireta, dinheiro proveniente de royalties, Laboratórios Virtuais da Embrapa no Exterior (Labex), patentes e outras fontes – exceto o Tesouro Nacional – a estatal contabilizou R$ 40 milhões em 2011. “Estamos expandindo o pilar científico pelo mundo. Vamos criar um Labex na China e outro no Japão. Hoje, temos 10 laboratórios virtuais espalhados em quatro continentes”, diz Arraes.
Em 2011, a Embrapa ganhou reforço em seu quadro de funcionários. O número de servidores alcançou 9.843 no ano passado. Em 2010, eram pouco mais de 9 mil. O crescimento se deve ao rápido ritmo de contratações. “Nos últimos dois anos, foram admitidas quase 1,7 mil pessoas. Mesmo com a saída de alguns servidores, conseguimos aumentar o quadro”, afirma Arraes. Só na área de pesquisa para a cana-de-açúcar são 189 servidores.
Com o aumento das pesquisas pelo país, a Embrapa vai construir, até o fim do ano, o terceiro maior banco de germoplasma do mundo. Em Brasília, o centro vai armazenar até 750 mil espécies diferentes. Essa unidade será uma “central” para depósito de sementes, já que cada centro regional conta hoje com um pequeno estoque de variedades. “Cada centro que trabalha com um produto tem sua coleção, que fica armazenada por 20 anos. Ao todo, são 27 bancos de germoplasma espalhados pelo país, entre os quais arroz, feijão, milho, sorgo, soja, mandioca e guaraná”, exemplifica.
A Embrapa também vai desenvolver este ano um projeto de gestão rural, amparado em um processo de zoneamento georreferenciado. Todos os biomas serão pesquisados para que se saiba qual cultura se adapta melhor a determinadas localidades. Em seguida, a Embrapa oferecerá consultoria aos produtores para que migrem para as culturas que melhor se desenvolvem em suas regiões. “Poderemos identificar um produtor que poderia ter uma maior produtividade com outra cultura em sua região”, afirma Arraes.
A Embrapa, segundo o presidente da estatal, quer abandonar a imagem de empresa pesquisadora para se aproximar mais dos produtores. Após “décadas” de pesquisa intensiva, a estatal quer refazer sua imagem no Brasil e no exterior como “parceira” dos produtores e não somente como fornecedora de tecnologia para produção. Este ano, a empresa lançará duas ferramentas, a revista CTagro e o site Webagritech.
O lançamento dos produtos está marcado para o aniversário da estatal, no dia 26 de abril. O site, em produção desde 2009, será um “guia” para que o produtor possa ter um passo a passo desde o preparo da terra até a colheita. A revista terá uma linguagem técnica, voltada para discussões com maior caráter científico.