Assim como no caso dos transgênicos, outras aplicações da genômica vão pouco a pouco tendo suas expectativas reduzidas à medida que promessas e propagandas vão sendo confrontadas pela realidade.

As matérias abaixo, uma do Globo e outra do Estado de S. Paulo, ambas publicadas em 03/04, trazem mais evidências de que o determinismo genético é de fato conceito ultrapassado.

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O Globo, 03/04/2012

Novo estudo indica as limitações dos testes genéticos

Sequenciamento do DNA teria poder limitado de prever doenças, mostra novo estudo

RIO – Ao contrário do que muitos cientistas e médicos apostam, o total conhecimento do DNA de uma pessoa pode não revelar com certeza que doenças ela terá no futuro. Um estudo divulgado na última segunda-feira por pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, mostra que testes genéticos podem indicar a probabilidade de um indivíduo sofrer de algum mal, mas, como o processo de adoecimento depende de outros fatores, não é possível ter certeza do que acontecerá.

O sequenciamento do DNA tem se mostrado útil para a compreensão de doenças e estudo de novos tratamentos. Mas, por exemplo, não será possível afirmar se alguém terá diabetes tipo 2, pois a doença é diretamente influenciada pelo aumento de peso, mostra reportagem publicada pelo “New York Times”. Da mesma forma, as pessoas nunca poderão ignorar conselhos para a prevenção de ataque cardíaco apenas porque não apresentam predisposição genética para isso.

– A piada aqui é que este tipo de medicina personalizada não será a parte mais importante do cuidado com o paciente – disse Bert Vogelstein, que liderou o trabalho.

O estudo foi publicado ontem na revista “Science Translational Medicine” e envolveu dados de 53.666 gêmeos idênticos de Estados Unidos, Suécia, Finlândia, Dinamarca e Noruega. Ele avaliou com que frequência um gêmeo, os dois ou nenhum deles adquiriu uma ou mais das 24 doenças que foram consideradas.

Como gêmeos idênticos dividem todo o DNA, os pesquisadores conseguiram analisar em que medida os genes indicam uma maior probabilidade de contrair uma doença. Um modelo matemático deu a resposta: não muito. Em geral, os participantes apresentaram risco médio para a maioria das 24 doenças. E os cientistas então se perguntaram: Quem teve uma das 24 doenças foi alertado pelo sequenciamento do DNA?

– Eles apresentaram mais ou menos os mesmos riscos que a população geral – explicou Vogelstein.

Os pesquisadores também tentaram conferir se pessoas saudáveis saberiam, pelo sequenciamento do DNA, que corriam um menor risco de desenvolver uma dada doença. Mais uma vez, os resultados foram desapontadores. Por exemplo, mais de 93% das mulheres saberiam que corriam um pequeno risco de sofrer de câncer de mama e mais de 97% dos homens e mulheres tomariam conhecimento de que suas chances de ter câncer de pulmão eram pequenas. O problema, o cientista diz, é que estas baixas probabilidades não significam que as pessoas não terão estes cânceres.

O estudo sugere ainda que o alerta de que você corre um grande risco de ter uma doença pode ser menos útil do que parece. Uma mulher com grandes chances de sofrer câncer de ovário pode ter 10% de risco, muito mais que a média da população. Mas é improvável que isso seja o principal determinante de sua saúde.

Houve uma descoberta positiva, já que 90% das pessoas tomariam conhecimento de que têm uma chance considerável de sofrer pelo menos uma doença. E o sequenciamento genético poderia, em teoria, identificar 75% das pessoas que vão desenvolver Mal de Alzheimer, doença autoimune da tiroide, diabetes tipo 1 e, para os homens, doenças cardíacas.

– Isso impõe limites sobre o que podemos esperar – diz Vogelstein.

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O Estado de São Paulo, 03/04/2012

Genoma é limitado para prever doenças

Sequenciamento genético de pessoas saudáveis oferece poucas informações relevantes do ponto de vista clínico, segundo estudo.

Sequenciar genomas humanos inteiros está cada vez mais rápido, mais barato, e deverá em breve se tornar uma prática de rotina. Mas quem apostar nessa tecnologia como um oráculo genético infalível para orientar seu estilo de vida corre sérios riscos de sair no prejuízo, segundo uma pesquisa publicada ontem na revista Science Translational Medicine.

O estudo avalia, pela primeira vez de maneira quantitativa, a capacidade da medicina de avaliar riscos e prever a ocorrência de doenças com base no seqüenciamento do genoma inteiro de uma pessoa. A conclusão é que o poder informativo do genoma, analisado de um ponto de vista prático (ou seja, de relevância clínica), é bastante limitado para a maioria das doenças, no caso de pessoas saudáveis, apesar de ser benéfico para alguns quadros clínicos específicos.

“Imagine, por exemplo, que o seqüenciamento se torne tão barato que todas as pessoas possam ter seu genoma seqüenciado ao nascer. Que fração da população se beneficiaria desse sequenciamento?”, é a pergunta que os pesquisadores tentam responder. Para isso, coletaram dados sobre a ocorrência de 24 doenças em milhares de pares de gêmeos idênticos. E, associado a isso, desenvolveram modelos matemáticos, baseados em critérios genéticos, para estimar a relevância clínica de sequenciar o genoma inteiro de pessoas sadias – sem sintomas ou histórico familiar que justifiquem a busca por mutações específicas.

Foram considerados vários tipos de câncer, doenças autoimunes, cardiovasculares (com o risco de AVC), neurológicas (incluindo Parkinson e Alzheimer) e relacionadas à obesidade (como o diabete).

“Pelo lado negativo, nossos resultados mostram que a maioria das pessoas testadas receberiam resultados negativos para a maioria das doenças”, escrevem os cientistas. O problema é que um resultado negativo não significaria que essas pessoas não correm risco de desenvolver aquelas doenças. Significaria, apenas, que o risco delas é equivalente ao da média da população.

O lado positivo da história é que mais de 90% das pessoas testadas receberiam um diagnóstico relevante de risco elevado para pelo menos 1 das 24 doenças analisadas. Os resultados mais confiáveis, matematicamente, foram obtidos na predição de quatro categorias de doenças: tireoidite autoimune, diabete tipo 1, doença de Alzheimer e mortes relacionadas a doenças coronárias em homens. Nesses casos, segundo os modelos teóricos, o sequenciamento genômico seria capaz de fazer uma previsão de risco relevante para 75% dos pacientes.

“O trabalho foi bem feito, mas os resultados não surpreendem. Não é de hoje que sabemos que as evidências de associação são fracas para a maioria das doenças”, disse a geneticista Anamaria Camargo, do Centro de Oncologia Molecular do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa. “Mas lembre-se que se tratam de indivíduos sadios. No caso de pacientes com histórico de câncer na família ou do seqüenciamento de tumores para detecção de mutações a história é outra, bem mais relevante.”

A mensagem final dos autores é que o sequenciamento genômico tem sua utilidade, mas não substitui práticas preventivas tradicionais, como exames de rotina e cuidados básicos com saúde e alimentação.