O processo foi movido por vários Sindicatos Rurais (patronais) e pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do RS
Link para baixar a íntegra da sentença (na íntegra abaixo)
http://www3.tjrs.jus.br/site_php/consulta/download/exibe_doc1g_oracle.php?id_comarca=porto_alegre&ano_criacao=2012&cod_documento=1166975&tem_campo_tipo_doc=S
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Valor Econômico, 08/04/2012
Brasília – A Monsanto não pode mais, temporariamente, cobrar royalties na comercialização de grãos produzidos com sementes de soja transgênica, tolerante ao herbicida Roundup. Decisão do juiz Giovanni Conti, da 15ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre, garantiu a suspensão em todo o Brasil. O magistrado determinou também que a Monsanto devolva os valores cobrados dos produtores desde a safra 2003/2004, corrigidos pela inflação e acrescidos de juros de 1% ao mês.
De acordo com os sindicatos rurais de Passo Fundo, Sertão e Santiago, no Rio Grande do Sul, a disputa envolve a cobrança de royalties em pelo menos nove safras, o que significaria “bilhões de reais” em jogo. Segundo sindicalistas, a decisão da primeira instância beneficia cerca de cinco milhões de sojicultores brasileiros.
Com a decisão, a empresa também está proibida de vedar a doação e troca de sementes de diferentes safras entre sojicultores. A soja tolerante a esse herbicida ocupa, de acordo com a multinacional, cerca de 85% da área de produção do insumo no país.
No processo, a Monsanto argumenta que, tendo recebido patentes no Brasil e nos Estados Unidos sobre sementes geneticamente modificadas, teria direito à propriedade intelectual sobre a compra do insumo e sobre as safras seguintes resultantes da semente original. Já os sindicatos alegam que a Lei de Cultivares (Lei nº 9.456, de 1997) prevê que “não fere o direito de propriedade sobre a cultivar protegida aquele que reserva e planta sementes para uso próprio”.
A decisão da primeira instância do Rio Grande do Sul refere-se à ação coletiva movida pelos sindicatos rurais da região em 2009. Mas a discussão sobre o pagamento de royalties sobre sementes transgênicas já chegou no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Outra ação coletiva, proposta pelo Sindicato de Produtores e Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Sul, está sendo analisada pela 3ª Turma da Corte.
Porém, nesse processo, o mérito ainda não foi julgado. No momento, os ministros avaliam questões preliminares apresentadas pela Monsanto. Está em debate se uma eventual decisão a favor dos sojicultores poderia ter abrangência nacional e se os sindicatos podem ter legitimidade para mover ações coletivas contra a multinacional.
Por ora, os ministros Nancy Andrighi e Massami Uyeda manifestaram-se a favor do direito dos sindicatos proporem ação coletiva. O julgamento foi interrompido, em dezembro, por um pedido de vista do ministro Sidnei Beneti.
Na decisão de primeira instância, o juiz Giovanni Conti garante que a sentença pode ser aplicada para todo o Brasil. “A decisão garante que os produtores podem reservar parte das sementes para replantio e utilizar as sementes transgênicas como matéria-prima para a indústria e como alimento”, diz o advogado Néri Perin, que representa os sindicalistas no processo. “Como os sindicatos representam a categoria econômica em nível nacional, o juiz indicou que a decisão vale para todo o Brasil”, afirma.
Em nota, a Monsanto informa que não foi oficialmente notificada da decisão e diz que irá recorrer contra qualquer decisão judicial contrária a seus interesses. “A Monsanto está confiante de que o Poder Judiciário, ao analisar seus direitos, não hesitará em rever eventual posição inicial e assegurar os direitos garantidos pela lei”, informa a empresa.
Laryssa Borges | Valor
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COMARCA DE PORTO ALEGRE – 15ª VARA CÍVEL – 1º JUIZADO
Processo nº 001/1.09.0106915-2
Autores: Sindicato Rural de Passo Fundo-RS e outros
Réus: Monsanto do Brasil Ltda. e Monsanto Techonology LLC
Natureza: Ação Coletiva
Data da Sentença: 04.04.2012
Juiz Prolator: GIOVANNI CONTI
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Vistos os autos.
SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO – RS, SINDICATO RURAL DE SERTÃO e SINDICATO RURAL DE SANTIAGO, qualificados nos autos, promoveram a presente ação coletiva contra MONSANTO DO BRASIL LTDA e MONSANTO TECHNOLOGY LLC, alegando, em síntese, que os sogicultores brasileiros contestam os procedimentos adotados pelas requeridas, que os impedem de reservar produto cultivares transgênicas para replantio e comercialização, além da proibição de doar e trocar sementes dentro de programas oficiais e cobrar de forma arbitrária, ilegal e abusiva royalties sobre sementes e grãos descendentes da chamada soja roundup ready (RR), coincidindo com o nome comercial do herbicida fabricado pelas requeridas, o qual é complemento essencial no cultivo da soga geneticamente modificada. Sustentam que as requeridas violam direito inserto na Lei de Cultivares (Lei nº 9.456/97) que permite a reserva de grãos para plantios subsequentes sem pagamento de nova taxa de remuneração à propriedade intelectual, sendo inaplicável a incidência da propriedade industrial (Lei nº 9.279/96), cujas patentes registradas são eivadas de nulidades. Postulam o reconhecimento do direito dos pequenos, médios e grandes sojicultores brasileiros, de reservar o produto de cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização; garantia de cultivar a soja transgênica, de doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos produtores rurais, nos ternos do art. 10, inciso IV, § 3º e incisos da Lei nº 9.456/97; decretar a obrigação de não fazer das demandadas no sentido de não efetuarem cobranças de royalties, taxa tecnológica ou indenização, rechaçando o procedimento de autotutela praticado pelas mesmas; decretação de abusividade e onerosidade excessiva nos valores cobrados, com repetição daqueles cobrados indevidamente. Postularam em sede de tutela cautelar a ordem para depositar em juízo os valores exigidos pelas empresas que efetuam a apropriação dos valores referentes a royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização de variedades de soja transgênica a mando das demandadas. Postulam, ainda, que as demandadas apresentem informações sobre os valores cobrados desde a safra 2003/2004.
A liminar restou deferida às fls. 197/201, parcialmente reconsiderada às fls. 308/309 e, posteriormente, suspensa em sede de agravo de instrumento (fls. 1250/1263).
A requerida Monsanto do Brasil contestou às fls. 359/426, suscitando em preliminar a carência de ação (ilegitimidade ativa e ausência de interesse de agir), bem como a limitação da base territorial dos autores e limites da coisa julgada. No mérito, alega prescrição do pedido ressarcitório. Afirma que é detentora de diversas patentes outorgadas pelo Instituto Nacional da Proteção Industrial – INPC, protetoras da tecnologia RR na soja, sendo incidente na questão em litígio, apenas as regras da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), norma que sustenta a cobrança de compensação ou royalties. Afirma ser inaplicável a Lei de Cultivares, normatização diversa e independente do direito patentário. O direito na cobrança sobre inventos protegidos pelo INPI está embasado na Constituição Federal e art. 44 da Lei de Propriedade Industrial, sendo que nunca houve imposição desse direito, mas livre conveniência dos agricultores. Postula a improcedência da demanda.
Pedidos de habilitação da FETAG/RS (fls. 1268/1286) e dos Sindicatos Rurais de Giruá e Arvorezinha (fls. 1291/1343), na qualidade de litisconsortes ativos, cujas pretensões restaram deferidas às fls. 1346/1348 e 1684.
A requerida Monsanto Techonology contestou às fls. 1368/1424, suscitando, em preliminar, a prescrição, carência de ação (ilegitimidade ativa e possibilidade jurídica do pedido), irregularidade de representação, bem como a limitação da base territorial dos autores e limites da coisa julgada. Suscita, ainda, ilegitimidade da FETAG/RS e litisconsórcio ativo dos Sindicatos Rurais de Giruá/RS e Arvorezinha/RS. No mérito, trouxe as mesmas teses defensivas apresentadas pela co-requerida Monsanto do Brasil. Citou também precedentes jurisprudenciais sobre o tema, requerendo a improcedência da demanda.
Réplica às fls. 289/317
Saneamento lançado às fls. 1811/1815 e 1860/1862, com determinação de realização da prova pericial, cujo laudo restou juntado às fls. 1991/2433 e complementado às fls. 2732/2764.
Memoriais finais apresentados pelos autores às fls. 2932/2959 e requeridas às fls. 2960/2978 e 2979/2995.
O Ministério Público lançou parecer às fls. 3004/3015, pugnando pela improcedência da demanda.
É o relatório.
Decido.
O presente feito percorreu todos os trâmites legais, estando presentes os pressupostos e as condições da ação, inclusive o interesse de agir, inexistindo nulidades a serem declaradas.
Das preliminares.
As preliminares foram analisadas e decididas no saneamento de fls. 1811/1815 e 1860/1862.
Do mérito.
Saliento, inicialmente, que independente das questões debatidas na presente demanda, especialmente sobre a aplicabilidade nas relações comerciais realizadas entre agricultores e requeridas os dispositivos da Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456/97) ou Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), ou, ainda, sobre a validade ou eficácia das patentes registradas junto ao INPC, reafirmo, ainda, que incide na lide em questão os ditames e princípios do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), instrumento de salvaguarda de todos consumidores e que, deliberadamente ou não, restou em segundo plano no presente feito.
Em razão disso, relembro as primeiras palavras judiciais exaradas no presente processo quando do exame da liminar (fls. 197/201) que, pela sua importância, vão agora reiteradas e que integram os argumentos e fundamentos da presente sentença, senão vejamos, in verbis:
“Traçando o primeiro ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7347/85) e subsidiariamente dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida inicialmente para análise “inaudita autera pars”, ou seja, o provimento liminar (art. 798 do CPC).
A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo das demandas coletivas, em especial a concessão do poder geral de cautela ao magistrado, intrinsecamente extraído do art. 5º inciso XXXV e explicitamente definido no art. 798 do CPC.
Por isso que estes dispositivos também devem ser lidos em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do cidadão, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.
Sendo assim, todas as questões definidas, servem para traçar a opção jurídica entre conceder a tutela cautelar, liminarmente (no início, no limiar), ou, com base em outros Princípios, como do Contraditório e da Segurança Jurídica aguardar toda a tramitação do processo, para isso a técnica processual se utilizou e criou o instrumento contido nos arts. 798, 273 e 461 do CPC c/c art. 84 do CDC.
Este instrumento processual requer que sejam postos para uma decisão urgente, buscando o que a doutrina tem tratado como tutela cautelar específica. Não há satisfação antecipada, mas com base em princípios e em elementos que demonstrem a plausibilidade das alegações da parte autora (fumus boni iuris) e o perigo de dano iminente e irreparável (periculum in mora) como modo de garantir a efetividade para segurança, havendo a antecipação de um efeito concreto (no dizer do eminente processualista gaúcho Ovídio Araújo Baptista da Silva) que possa garantir a utilidade final do provimento judicial.
Numa cognição sumária, evidenciada está a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) pois não há certeza sobre a legitimidade das empresas que efetuam a cobrança do percentual de 2% da soja comercializada, nem mesmo sobre a legitimidade do quantum cobrado, uma vez que na exordial resta alegação de abusividade.
Da mesma forma, presente o perigo do dano irreparável (periculum in mora), justificada também pela incerteza da legitimidade do agente cobrador e perigo na reparação dos agricultores que estariam pagando valores indevidos e/ou abusivos.
Por outro lado, a matéria objeto sob análise (tutela cautelar), não é nova e já restou apreciada pelo egrégio Tribunal de Justiça, senão vejamos, in verbis:
‘AÇÃO DECLARATÓRIA DE ILEGALIDADE DE COBRANÇA DE ROYALTIES CUMULADA COM PEDIDO DE DEVOLUÇÃO DE VALORES. DEPÓSITO JUDICIAL DE VALORES. ADMISSIBILIDADE. AGRAVO DA CO-RECORRENTE. NÃO-CONHECIMENTO. 1. Não se conhece de agravo interposto por quem não figura como parte no processo pendente, onde foi proferida a decisão agravada, pois a admissibilidade da recorrente, como litisconsorte passiva, por não ter sido ainda decidida pelo juízo a quo, se admitida por esta Corte, implicaria subtrair um grau de jurisdição, o que é incabível. 2. Não se mostra desarrazoada a decisão judicial que, em demanda declaratória de ilegalidade de cobrança de valores, em razão do uso de semente de soja transgênica por agricultores, admite o depósito judicial do montante cobrado a este título pela ré-agravante, enquanto não dirimida a lide quanto à legalidade dessa cobrança e à correção da base de cálculo a esse respeito. Agravo de instrumento da Monsanto Technologies LLC não-conhecido e agravo de instrumento da Monsanto do Brasil Ltda. desprovido.’ (Agravo de Instrumento Nº 70011187002, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado em 18/05/2005)
Ao apreciar a questão no referido Agravo de Instrumento nº 70011187002, o eminente Des. Voltaire de Lima Morais, traça as seguintes considerações, in verbis:
‘Sendo assim, não vislumbro qualquer reparo a fazer na r. decisão agravada que se limitou a determinar, simplesmente, o depósito judicial do valor que vem sendo exigido dos autores-agravados, pela ré-agravante, em razão daqueles estarem utilizando sementes de soja, geneticamente modificadas, supostamente patenteadas por esta, cuja cobrança é considerada inadequada por aqueles. Em primeiro lugar, porque não há certeza de que as sementes utilizadas pelos autores-agravados tenham sido realmente aquelas patenteadas pela ré-agravante. Logo, a cobrança desses valores representa risco iminente de impor contraprestação pelo uso de sementes que, na verdade, podem não ser de propriedade da empresa Monsanto, com prejuízo aos demandantes-recorridos, na seguinte projeção: a) sua safra de soja, para ser comercializada, estaria sofrendo cerceamento indevido, consistente no pagamento prévio correspondente à utilização de sementes geneticamente modificadas; b) o pagamento feito pelos agricultores, à Monsanto, via Cooperativa, poderia representar reconhecimento não somente de que, com isso, as sementes geneticamente modificadas são de propriedade desta, mas que, além disso, os valores cobrados estariam corretos; c) o pagamento feito, nessas circunstâncias, além do mais, poderia representar descapitalização prévia indevida. Além disso, cabe salientar que a relação de direito material sub judice mostra-se altamente controvertida, na medida em que os autores-agravados estão a questionar: a) não haver prova de que as sementes de soja por eles utilizadas não serem oriundas de modificação feita pela ré-agravante (transgenia), considerando que outras empresas, v.g. a Syngenta, Aventis, DuPont, Dow, Basf e inclusive a Coodetec estariam também fazendo pesquisa a respeito, caso em que o valor cobrado seria indevido; b) que os valores cobrados, além do mais, mostram-se abusivos; c) que o valor eventualmente devido (royalties) é pelas sementes que a empresa detentora do seu direito de propriedade industrial fornece e não pela produção que elas geram; logo, o valor que está sendo cobrado, por este ângulo, também seria indevido. Por aí já se vê a presença de periculum in mora, caso não seja feito o depósito, com prejuízo aos autores-agravados, aliado ao fato de que as alegações destes não podem ser de todo afastadas, pois é possível, com os dados probatórios até aqui existentes, concluir que a pretensão provisória não se mostra teratológica ou desarrazoada, o que autoriza a concessão de tutela, nos termos em que está vazada a r. decisão recorrida, pois com isso fica caracterizada a presença do fumus boni iuris. Daí porque recomendável, nas circunstâncias, o depósito judicial dos valores que seriam devidos à ré-recorrente, até que em decisão definitiva, mediante cognição plena e exauriente, venha a ser dirimida a lide, ressalvada a hipótese de, antes disso, os tópicos controvertidos ficarem devidamente esclarecidos, caso em que a medida deferida poderá ser revogada ou modificada pelo Juiz (art. 807, caput, c/c o art. 273, §7º, do CPC).’
Por outro lado, não vislumbro prejuízo às demandadas, pois ainda não há o exame do mérito da questão suscitada pelos autores, resguardando também seus direitos na hipótese de julgamento de improcedência da demanda, com liberação dos valores depositados.
Quanto ao pedido de informações sobre os valores recolhidos desde a safra de 2003/2004, as demandadas deverão apresentá-las durante a instrução do feito, uma vez que somente na eventual procedência da demanda, as indenizações individuais serão analisadas em cumprimento de sentença”
Saliento, outrossim, que as questões debatidas na presente demanda transcendem os interesses meramente individuais, uma vez que estamos tratando de bem imprescindível para própria existência humana, o ALIMENTO, cuja necessidade é urgente e permanente.
Evidentemente que não desconheço o direito à propriedade intelectual e industrial, mas além daqueles temas debatidos em decisões exaradas anteriormente pelo nosso egrégio Tribunal de Justiça, imprescindível a análise histórica das duas legislações ora em comento (Lei de Proteção de Cultivares nº 9.456/97 e Lei de Propriedade Industrial nº 9.279/96), especialmente sobre a possibilidade ou não da dupla proteção, passando pela UPOV de 1978 (opção brasileira), o modelo TRIPS, bem como pela possibilidade de duplicidade (ou triplicidade) de cobrança pelas requeridas consistentes em cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready (RR) para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, no fornecimento das sementes geneticamente modificadas (tecnologia RR) e, após ao plantio, cultivo e colheita, nos royalties (2%) sobre o total da produção; e, por fim, a análise individualizada das patentes trazidas pelas requeridas (fls. 605/1002), inclusive sobre a eventual inconstitucionalidade ou não dos arts. 230 231 da Lei de Patentes (denominadas patentes pipeline) por força da ADIN Nº 4234-3/600.
Os magníficos pareceres jurídicos trazidos pelas requeridas, exarados pelos renomados juristas pátrios Paulo Brossard (fls. 1058/1077), Célio Borja (fls. 1079/1099 – que, aliás, analisa apenas a PI 1.100.006-6, que não é objeto de discussão na presente demanda), Araken de Assis (fls. 2496/2538) e Ruy Rosado de Aguiar Jr. (fls. 2797/2841), não esgotam a matéria, em especial a análise das patentes que justificariam a cobrança de royalties pelas requeridas.
A primeira questão a ser enfrentada é sobre qual norma deve regular as relações entre agricultores e requeridas, relativamente a tecnologia Roundup Ready (RR) ou, simplesmente, soja transgênica: a Lei de Proteção de Cultivares (Lei nº 9.456/97) ou Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).
O senador Jonas Pinheiro, relator na Comissão de Assuntos econômicos do Senado da República, ao traçar comentários explicativos sobre a então recente lei promulgada nº 9.456/97, denominada Lei de Proteção de Cultivares (fl. 179), salientou que Cultivar é “uma variedade de qualquer gênero vegetal claramente distinta de outras cultivares conhecidas e que resulta do melhoramento genético realizado pelo melhorista”, que resultou no inciso IV, do art. 3º da lei, sendo que qualquer cultivares podem ser protegidas, desde que sejam distintas, homogêneas e estáveis.
A Lei de Proteção de Cultivares tem por objetivo exatamente proteger as novas variedades vegetais produzidas pelos programas de melhoramento genético, conduzidos por instituições públicas e privadas de pesquisa. Segundo o referido Senador, a “Lei de Proteção de Cultivares e a Lei de Propriedade Industrial (Lei de Patentes) são mecanismos distintos de proteção à propriedade intelectual. Proteção de cultivares não é, portanto, patente de plantas. Os direitos de exclusividade concedidos por uma Lei de Proteção de Cultivares não impedem o uso, pela pesquisa, da cultivar protegida para obtenção de nova cultivar por terceiro, mesmo sem a autorização do detentor do direito. Daí a importância de proteção, por uma lei específica, das variedades brasileiras. Isso permitirá uma negociação equilibrada entre aqueles que investirem maciçamente na obtenção de variedades adaptadas às condições ecológicas do Brasil e aqueles detentores de patentes de processos biotecnológicos e de genes, quando do desenvolvimento de cultivares transgênicas”.
A Lei de Cultivares foi elaborada com claro intuito de dar cumprimento a acordos internacionais firmados pelo Brasil, viabilizando condições de adesão à convenção de 1978 da União Internacional para Obtenção de Proteção de Obtenções Vegetais (UPOV). Com a adesão, o Brasil teve a garantia de que direitos dos obtentores brasileiros de novas cultivares serão respeitados pelos países que tenham aderido à UPOV, e vice-versa em relação aos direitos estrangeiros.
A UPOV é uma organização internacional com sede na Suíça, responsável pela implementação da Convenção Internacional de Proteção de Novas Variedades de Plantas, cuja primeira ATA de intenções é de 1961 e que sofreu revisões nos anos de 1972, 1978 e 1991.
O Brasil, mesmo pinçando aspectos das duas Atas (78 e 91), optou pela revisão de 1978 que proíbe explicitamente a dupla proteção dos direitos de exclusiva. No entanto, existem possibilidades de proteção por patentes de invenção em aberto no quadro jurídico da Lei de 9.279/96, por força do artigo 18, inciso III, para organismos geneticamente modificados.
Em recente pesquisa desenvolvida sobre os limites da interpenetração dos direitos de propriedade intelectual relativo às Leis Nºs. 9.279/96 e 9.456/97, em especial sobre a dupla proteção dos direitos de exclusiva (patentes e cultivares) os pesquisadores Charlene Maria Coradini de Avila Plaza e Nivaldo dos Santos1, cujo trabalho restou publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010, salientam que, in verbis:
“A sobreposição de exclusivas através de patentes e certificados de cultivares pode ser analisada sob o aspecto da complementaridade entre as formas de proteção. No caso da proteção de plantas pela legislação brasileira de cultivares os direitos de exclusiva é obtida por meio de concessão de certificados de proteção de cultivares. A contrario senso, as variedades vegetais, em tese, podem ser protegidas através da Lei 9.456/97 e, concomitantemente, os processos de inserção que tenham por objeto genes manipulados geneticamente e os próprios genes, se patenteados abarcarão a proteção pela Lei 9.279/96.
Além de que, no sistema de patentes, a proteção de um processo se estende aos produtos obtidos diretamente por ele, por força do artigo 42, incisos I e II, o que, no caso das plantas, pode ser entendido como abarcando não só a primeira geração resultante do processo, como as ulteriores.
Especificamente, a proteção para os organismos transgênicos assume formas distintas, vez que alguns países reconhecem patentes de produto para genes e seqüências de genes desde que satisfeito o requisito de utilidade (como nos EUA), enquanto o Brasil protege por patentes de produto, como exceção, apenas os microorganismos geneticamente modificados, se atenderem aos requisitos de patenteabilidade prescritos no artigo 8° da Lei 9.279/96.”
(…)
A proteção legal, resultantes das patentes de invenção, difere da proteção legal dos direitos de cultivares quanto às funções tópicas de cada instituto. E, em havendo a sobreposição ou cumulação das referidas exclusivas em um mesmo bem imaterial, há desequilíbrio dos interesses e princípios gerais da propriedade constitucionalmente resguardados, conseqüentemente, conflitos são gerados entre as funções tópicas de cada sistema infraconstitucional de proteção.”
Ao final, os referidos pesquisadores concluem o trabalho ressaltando que, in verbis:
“Como proposta inicial a pesquisa (em andamento), discutimos questões que até o presente em que se escreve esse artigo, não foram solucionadas em nossas legislações pátrias e nas legislações internacionais, haja vista, o recente caso envolvendo Monsanto Technology LLC v. Cefetra BV and Others.
A proposta é demonstrar quais os limites de incidência e aplicabilidade da sobreposição proteção de exclusivas no material propagativo das variedades vegetais. Do por que da patente de processo proteger o produto resultante diretamente do processo patenteado e, principalmente se haverá o desequilíbrio entre os princípios comuns a toda propriedade e dos critérios funcionais de cada sistema de proteção, caso se constate a dupla proteção entre patentes e certificados de cultivares em um mesmo objeto imaterial. Respostas factíveis e concretas quanto ao tema abordado que devolvessem a “zona de conforto” ficaram no plano da imaginação dos autores, sendo que, várias questões, ainda não suscitadas no presente ficarão para os artigos vindouros.
O assunto se mostra espinhoso e controverso, e necessitará de dedicação irrestrita. No entanto, baseados no núcleo central da pesquisa, algumas considerações podem ser extraídas, assim vejamos: A variedade vegetal pode em “tese” ser protegida através da Lei 9.456/97 e, concomitantemente, os processos que tenham por objeto genes manipulados geneticamente e inseridos nessa variedade, se patenteados abarcarão a proteção pela Lei 9.279/96.
No sistema de patentes, a proteção de um processo se estende aos produtos obtidos diretamente por ele, o que, no caso das plantas, pode ser entendido como abarcando não só a primeira geração resultante do processo, como as ulteriores e até mesmo (como se discute em pleitos judiciais no Tribunal Europeu de Justiça), os produtos resultantes das plantas. As legislações de propriedade intelectual permitem a proteção por direitos de exclusiva diferentes dos de patente para as sementes geneticamente modificadas e para as sementes melhoradas, configurando a denominada sobreposição, cumulação ou interpenetração de direitos sob mesma criação.
O sistema de patentes e cultivares possuem construções diversas e com finalidades e requisitos de aplicação específicos para cada direito de proteção como exaustivamente comentado no presente artigo. O ponto de colisão entre as duas legislações se mostra quando a manipulação genética da variedade certificada através da LPC é protegida através de patentes de processo por força do artigo 42, I e II, se patenteado, abarcando direitos de exclusiva por patentes de produto modificado geneticamente e o processo dessa transgenia havendo um prolongamento da proteção ao produto final da variedade protegida.
No entanto, para se haver invento e, portanto, passível de proteção por patentes, é necessário existir uma solução técnica para um problema técnico. Significa que, mesmo isolado o material genético de uma cultivar, descrito suficientemente, não será considerado invento passível de exclusiva de patentes, porque não é uma novidade cognoscível, bem como a descrição não é requisito de pantenteabilidade. A essência de um gene é a informação genética – e o fato de se ter ciência de que essa informação existe não permite a reprodução da solução técnica. Haverá sempre a necessidade da resolução de um problema técnico específico.
Assim, todos os elementos elencados no artigo 10 da Lei 9.279/96 estão excluídos da proteção por patentes se, não presente para a devida proteção, uma solução técnica para um problema específico, prático que tenha aplicabilidade industrial. Por outro lado, por razões de política pública, os elementos elencados no artigo 18, III, exceto os microorganismos transgênicos, não abarcarão proteção patentária mesmo se forem considerados invenção, uma novidade passível de atividade inventiva e de descrição suficiente.
Finalmente, não só a Lei 9.279/96 prevê exceções a proteção de certas criações (artigos 10, I, IX e 18, III), como a LPC não prescreve disposição específica para auferir legitimidade a proteção por patente convencional as variedades vegetais e suas partes derivantes do processo de transgênese, seja de gene ou células transferidas em seu interior. Consideramos a prática ostensiva da sobreposição de exclusiva entre patentes e cultivares que funcionaliza proteções diversas no mesmo objeto imaterial, ilegal e inconstitucional, porque colide com as funcionalidades específicas dos sistemas normativos que regulamentam a matéria e desequilibram os sistemas civil-constitucional.”
O Brasil, ao instituir um sistema sui generis para proteção de plantas, excluiu as patentes de invenções pertinentes à Lei 9.279/96 como forma de proteção para as variedades vegetais, conferindo por outro lado, como mencionado anteriormente, a proteção através de certificado de proteção de cultivar através da Lei 9.456/97, como única forma de proteção.
Esse direito é excludente, ao afastar outras modalidades de proteção ao mesmo objeto, como por exemplo, as patentes clássicas ou segredos industriais. A legislação brasileira ao vetar a concessão de patentes sobre o mesmo objeto segue a disposição da UPOV de 1978, já que a versão posterior não previne à dupla ou múltipla proteção.
A Lei nº 9.456/97, confere proteção através de certificados, abarcando o material de reprodução ou de multiplicação vegetativa da planta inteira, além de proibir terminantemente a dupla proteção de direitos (patentes e cultivares) na variedade vegetal (art. 2º). Já a Lei nº 9.279/96 é clara de igual modo ao eleger como não privilegiáveis por patentes de invenção todos os elementos elencados em seus enunciados do artigo 10, inciso IX e 18, inciso III. Na prática, as variedades de cultivares são protegidas pela Lei nº 9.456/97, ao abrigo da UPOV de 1978, sendo os processos biotecnológicos para sua obtenção e os genes de microorganismos modificados geneticamente transferidos para seu genoma protegidos por patentes.
No quadro atual da Lei nº 9.279/96, a proteção é conferida como prestação administrativa plenamente vinculada desde que respeitados os critérios condicionantes para tanto. É possível argüir a existência da dupla proteção nos casos em que o processo de transgênese no genoma da variedade se adequar aos critérios de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial por força do artigo 8° da Lei nº 9.279/96 e quando a mesma variedade vegetal, obedecer aos critérios de distintividade, homogeneidade, estabilidade e novidade de mercado pela Lei de proteção de cultivares.
O objeto de proteção conferido pela Lei nº 9.456/97, recai sobre o material propagativo que por força do artigo 3°, incisos XIV e XVI, e é conceituado como toda e qualquer estrutura vegetal utilizada na propagação de uma cultivar ou toda e qualquer parte da planta ou estrutura vegetal utilizada na sua reprodução e multiplicação.
O limite de proteção sui generis encontra-se na materialidade da planta em si, em suas partes ou na estrutura vegetal utilizada na sua reprodução e multiplicação por força da legislação nacional de cultivares conferida através dos certificados de cultivar. Equivale dizer que a legislação brasileira, ao seguir o modelo TRIPS2, que deixa a cargo dos países membros a opção quanto à forma de proteção conforme sua especificidade, não protege plantas pelo sistema clássico de patentes.
Da mesma forma, o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade (novidade, atividade inventiva e aplicação industrial) e que não sejam mera descoberta, não são consideradas matérias patenteáveis.
A Lei de Proteção de Cultivares e a Lei de Propriedade Industrial, no tocante a patentes, são mecanismos nitidamente distintos de proteção à Propriedade Intelectual. Desta forma, o melhorista pode ter o resultado de sua pesquisa protegido através de uma patente de processo de obtenção da variedade vegetal e/ou requerer ainda a proteção da própria variedade através da Lei de Proteção de Cultivares. Portanto, Proteção de Cultivares não é uma patente de novas variedades vegetais.
Nesse sentido o laudo (fls. 2013/2015) exarado pelo perito e culto Professor da Universidade Federal do RGS, Luiz Carlos Federizzi, senão vejamos, in verbis:
“O Brasil com base nos tratados internacionais adotou um sistema de proteção de plantas diferente (sui generis) da proteção dada a invenções industriais. A proteção de cultivares é objeto da lei n. 9.456 de 25 de abril de 1997 que ‘Institui a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências’ e tem os principais artigos com base na ATA UPOV de 1978.
(…)
Para poder ser protegida uma cultivar tem que demonstrar, com experimentos de campo de dois anos pelo menos, a DHE – distinguibilidade que a mesma é diferente de qualquer outra cultivar existente no mercado; H – que seja homogênea (tenha um padrão fenotípico da espécie); E – estabilidade ou seja apresente o mesmo fenótipo em diferentes anos, especialmente quanto aos descritores mínimos da espécie. Cabe esclarecer que são necessários mais ou menos 10 anos de trabalho e altos custos financeiros para o desenvolvimento de uma nova variedade de soja. E a mesma só pode ser protegida no SNPC se for diferente de qualquer outra variedade em cultivo, isto é, se for única, ou melhor, tiver uma genética única. Assim, uma nova cultivar de planta é uma criação intelectual.
A proteção é exercida no momento que o produtor de sementes inscreve o campo de produção de sementes MAPA, sendo de cultivar protegida, o produtor tem que apresentar a licença dada pelo obtentor da proteção, sem esta o campo não é inscrito e a semente não pode ser produzida e muito menos comercializada (Lei 10.711 Lei de Sementes, Art. 25). Neste momento o obtentor da cultivar protegida faz um contrato com produtor de sementes estipulando o pagamento dos royalties normalmente de 3 a 6% do valor bruto comercializado.
(…)
No caso de patentes normalmente a forma de comercialização é através de licenças para produzir a comercializar o produto patenteado. No caso da soja transgênica provavelmente a empresa detentora da patente PI 1100008-2 (Monsanto) licenciou para outros programas de desenvolvimento de cultivares de soja como a EMPRAPA, CODETEC, etc utilizarem a tecnologia e inserirem o gene de resistência ao glifosato em suas cultivares.
(…)
Conforme o entendimento acima a proteção se esgotaria no momento que a detentora da patente licenciada para terceiros sua tecnologia e cobra desta para transferir a tecnologia, não cabendo mais auferir quaisquer benefícios pecuniários com a tecnologia colocada em produtos (cultivares) de terceiros. Caso contrário estaria caracterizado a dupla cobrança: i) por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, e ii) depois cobrança da taxa tecnológica sobre sementes e grãos de soja com o gene de tolerância ao glifosato.”
Concluindo, podemos afirmar que as requeridas podem cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização, por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, e até em relação às sementes geneticamente modificadas (RR), conforme art. 10 da Lei de Cultivares, mas jamais sobre o produto vivo (soja). A justificativa de cobrança de 2% da safra comercializada, em razão da semente ilegalmente introduzida, através da Argentina, situação deliberadamente produzida ou não pelas requeridas como sugere a jornalista Marie-Monique Robin3, aliás, referido pelas autoras, não possui hoje respaldo fático ou jurídico. Nesse mesmo sentido o laudo pericial (fl. 2021), senão vejamos, in verbis:
“A cobrança da taxa de tecnologia sobre os grãos talvez se justificasse quando as sementes eram piratas importadas ilegalmente da Argentina, mas hoje segundo a própria ABRASEM4 cerca de 70% dos produtores de soja brasileiros compram e utilizam sementes oficiais todos os anos. Evidentemente, dos produtores que não compraram as sementes alguns utilizavam todos os anos as cultivares como gene específico (resistência ao glifosato) e estariam fora da cobrança. O ideal seria fazer a cobrança dos royalties e da taxa tecnológica (enquanto a carta patente tiver validade no Brasil) numa única vez e sobre as sementes em valor compatíveis com o contexto da agricultura brasileira. Especificamente agora que a grande maioria dos produtores de soja utiliza sementes oficiais em seus plantios (70%).”
Convém salientar, por seu turno, que a presente demanda coletiva é bem clara nos seus pedidos, quando não há objeção à cobrança de royalties por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia ou em relação às sementes geneticamente modificadas (RR), mas exclusivamente na continuidade na cobrança sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil (pedido 9.5, “c”).
Por outro lado, as patentes apresentadas pelas requeridas na contestação (fls. 605/1002), e que embasavam (e embasam) a cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização, por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, e até em relação às sementes geneticamente modificadas (RR) e produção da soja transgênica, conforme art. 10 da Lei de Cultivares, já caducaram.
Embora as patentes apresentadas pelas requeridas tenham sido revalidadas no Brasil, com base nos arts. 230 e 231 da Lei nº 9.279/96, por isso denominadas patentes pipelines, entendendo que, após análise dos termos de validade, todas já deixaram de referendar a cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização.
A revalidação significa que as patentes ora trazidas para análise no presente feito, já haviam sido registradas no país de origem (EUA), tendo a eficácia de direito de propriedade retroagido à data do primeiro registro, senão vejamos a previsão dos arts. 230 e 231 da Lei da Propriedade Industrial, in verbis:
“Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.
§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.
§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo.
§ 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem.
§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único.
§ 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.
§ 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e à patente concedida com base neste artigo.
Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido.
§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.
§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será processado nos termos desta Lei.
§ 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgação do invento, a partir do depósito no Brasil.
§ 4º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às matérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.”
É verdade que o digno Procurador-Geral da República impetrou Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN nº 4234-3/600 (fls. 1637/1644), contra as transcritas normas legais. Entretanto, não há liminar deferida, nem julgamento de mérito.
Também é verdade que esse juízo poderia, através do controle difuso das normas, declarar a inconstitucionalidade (ou não aplicabilidade) dos arts. 230 e 231 da Lei da Propriedade Industrial no caso em concreto. Entretanto, embora ponderáveis os argumentos expostos na exordial da ADIN nº 4234-3/600, especialmente quando afirma que as referidas normas “pretendem tornar patenteável, em detrimento do princípio da novidade, aquilo que já se encontra em domínio público”, não entendo inconstitucionais as referidas regras, já que o registro da propriedade no país de origem, garante ao inventor o direito aos royalties pelo período de validade, cujo prazo é contado da data do primeiro registro, exatamente porque não é mais novidade no mercado mundial, mas patenteável no Brasil.
Resta, portanto, a análise das patentes (fls. 605/1002) de forma individualizada.
a) patente PI 1101070-3 (fls. 605/639), expirou sua validade em 17.01.2003, circunstância apurada pelo laudo pericial (fls. 2026/2027);
b) patente PI 1100007-4 (fls. 640/696), expirou sua validade em 07.08.2005, circunstância também apurada no laudo pericial (fls. 2026/2027);
c) patente PI 11001067-3 (fls. 697/733), expirou sua validade em 23.01.2007, circunstância também apurada no laudo pericial (fls. 2026/2027);
Saliento que as requeridas apresentaram demanda judicial para prorrogação da validade dessa patente para 23.03.2010, que tramitou perante a 37ª Vara Federal do Rio de Janeiro (processo nº 2006.51.01.500686-4), sendo julgada improcedente (fls. 1645/1656), decisão mantida pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça (Resp 1107948).
d) patente PI 11001045-2 (fls. 734/766), expirou sua validade em 13.01.2007, circunstância também apurada no laudo pericial (fls. 2026/2027);
Saliento, novamente, que as requeridas apresentaram demanda judicial para prorrogação da validade também dessa patente para 21.06.2011, que tramitou perante a 37ª Vara Federal do Rio de Janeiro (processo nº 2006.51.01.500686-4), sendo julgada improcedente (fls. 1645/1656), decisão mantida pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça (Resp 1107948).
Na análise do recurso especial (Resp 1107948) interposto pelas requeridas, relativamente às patentes PI 11001067-3 e PI 11001045-2, o digno Min. Vasco Della Giustina, Desembargador Convocado do RS, assim se pronunciou sobre o tema, in verbis:
“Com efeito, este Tribunal Superior pacificou o entendimento de que o prazo de proteção da patente pipeline – o qual incidirá a partir da data do depósito do pedido de revalidação no Brasil – deve ser o remanescente que a patente originária tem no exterior, contado, a seu turno, a partir da data do primeiro depósito realizado, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento. A respeito:
ADMINISTRATIVO E COMERCIAL. MS. RECURSO ESPECIAL. PATENTE CONCEDIDA NO ESTRANGEIRO. PATENTES PIPELINE . PROTEÇÃO NO BRASIL PELO PRAZO DE VALIDADE REMANESCENTE, LIMITADO PELO PRAZO DE VINTE ANOS PREVISTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO DEPÓSITO. ART. 230, § 4º, C/C O ART. 40 DA LEI N. 9.279/96. 1. A Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabelece que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline , vigora “pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido”, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado. 2. Recurso especial provido. (REsp 731.101/RJ, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Seção, DJe 19.05.2010)
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE . PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL. 1. O regime de patente pipeline , ou de importação, ou equivalente é uma criação excepcional, de caráter temporário, que permite a revalidação, em território nacional, observadas certas condições, de patente concedida ou depositada em outro país. 2. Para a concessão da patente pipeline , o princípio da novidade é mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a livre iniciativa. 3. Quando se tratar da vigência da patente pipeline , o termo inicial de contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP. 4. Nem sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior. Incidência do
princípio da independência das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da duração normal. 5. Consoante o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade industrial devem ter como norte, além do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da LICC). 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.145.637/RJ, Rel. Min. VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), DJe 08.02.2010)
RECURSO ESPECIAL. PATENTES PIPELINE . TERMO INICIAL DO PRAZO CUJO PERÍODO REMANESCENTE CONSTITUI, DO DEPÓSITO NO BRASIL, O PRAZO DE VIGÊNCIA DA PATENTE PIPELINE . PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA E SEGUNDA SEÇÃO. 1. O sistema pipeline de patentes, disciplinado no art. 230 da Lei 9.279/96, desde que cumpridos requisitos e condições próprias, reconhece o direito a exploração com exclusividade ao inventor cujo invento – embora não patenteável quando da vigência da Lei 5.772/71 – seja objeto de patente estrangeira. 2. A perfeita concreção do princípio da isonomia, que não se esgota na igualdade perante a lei (art. 5º, caput, da CF), pressupõe a garantia de tratamento igualitário quanto à interpretação judicial de atos normativos (‘treat like cases alike’). Doutrina. 3. Em que pese abandonado, o primeiro depósito da patente realizado no exterior, ao menos quando consista na prioridade invocada para a realização do depósito definitivo (art. 4º da CUP), fixa o termo inicial do prazo cujo período remanescente constitui, a partir do depósito no Brasil, o prazo da patente pipeline (art. 230, § 4º, da Lei 9.279/96). 4. Observância dos precedentes específicos acerca do tema nos Recursos Especiais 1.145.637/RJ, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, Terceira Turma, e 731.101/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Seção. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (REsp 1.092.139/RJ, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 04.11.2010)
Por fim, no que tange ao dissídio pretoriano, incide, no ponto, a Súmula 83 deste Superior Tribunal, verbis: “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a decisão do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” (cf. AgRg no Ag 135.461/RS, Rel. Min. ANTONIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ 18.08.97). Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial.” (DJU 26.11.2010)
e) patente PI 1100008-2 (fls. 767/1002), expirou sua validade em 31.08.2010, circunstância também apurada no laudo pericial (fls. 2026/2027).
Aliás, segundo o laudo pericial de fls. 1991/2433 e complementado às fls. 2732/2764, essa última patente (PI 1100008-2) seria a única referente à soja transgênica “Roundup Ready”.
Salientou o expert que a introdução e comercialização de plantas transgênicas no Brasil está regulada pela Lei nº 11.105/05 (Lei da Biossegurança), que estabelece nos seus arts. 6º, inciso VI, 10 e 14, a necessidade de prévio parecer favorável da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), para liberação comercial.
O perito nomeado pelo juízo solicitou cópia a CTNBio dos processos relativos a aprovação pela comissão de eventos transgênicos envolvendo a cultura da soja e resistência a glifosato até 2010, sendo-lhe encaminhado o processo nº 01200.002402/1998-60 referente a soja Roundup Ready evento GTS 40-30-2, e outro de nº 01200.001864/2009-00, referente a soja MON 8771 x MON 89788, que não teria aplicação no presente caso.
Pois bem.
Analisando o processo nº 01200.002402/1998-60 referente a soja Roundup Ready evento GTS 40-30-2, concluiu o expert que, in verbis:
“Conclusão. 1. Após a analise detalhada das patentes constantes no presente processo, além de consulta ao INPI e ao US PATENT TRADE OFFICE fica claro que a patente correspondente a aquela do processo aprovado pela Monsanto na CNTBio é a PI 1100008-2. Portanto, as demais incluídas no processo em pauta ou estão incluídas na patente ou foram superadas pela patente PI 1100008-2 e não precisam ser consideradas.”
Saliento que as requeridas promoveram demanda judicial para fins de prorrogação também da PI 1100008-2 para 27.05.2014, distribuída à 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro (Processo nº 2007.51.01.805642-1). Porém, a ação restou julgada improcedente em 04.04.2011, estando em grau de recurso de apelação (nº AC/540481), tramitando perante a 1ª Turma do TRF – 2ª Região.
A digna magistrada Federal Dra. Ana Amélia Silveira Moreira Antoun Netto, titular da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro, assim decidiu o referido processo, in verbis:
“Ao analisar a documentação acostada aos presentes autos, verifica-se que o INPI concedeu à Autora a Patente de Invenção n. PI 1100008-2, cujo pedido foi depositado em 12/06/96, sob o título “5-ENOLPIRUVILSHIQUIMATO-3-FOSFATO SINTASES TOLERANTES AO GLIFOSATO” e indicou como data do primeiro depósito no exterior “31/08/90 US 576537”, fixando o respectivo prazo de validade em 31/08/2010 – “20 anos da data do depósito do primeiro pedido, de acordo com os parágrafos 3º. e 4º. do Art. 230 da Lei 9.279 de 14/05/96”. A seu turno, registre-se que a Autora objetiva, através da presente ação, obter a alteração do prazo de validade da Patente de Invenção n. PI 1100008-2, de 31/08/2010 para 27/05/2014, com base na data de vigência da patente norte-americana originária n. US RE 39,247 E (27/05/2014) e levando em conta a data do depósito do pedido da aludida patente brasileira -12/06/96 – para fins de verificação do prazo previsto no art. 40 da Lei n. 9.279/96. Acrescente-se que, de acordo com os documentos juntados às fls. 283/291, a patente concedida à Autora nos Estados Unidos, sob o n. US RE 39,247 E , consiste em uma continuação do primeiro pedido n. 07/576.537, “registrado em 31 de agosto de 1990, agora abandonado”. Por sua vez, ressalte-se que a matéria em discussão não merece maiores desdobramentos, já tendo sido firmado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça entendimento em sentido contrário à tese da parte autora, conforme elucidativos precedentes abaixo transcritos e que ora adoto como razões de decidir:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. RECURSO DESPROVIDO. (…) 3. Este Tribunal Superior pacificou o entendimento de que, quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP. 4. Nem sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior. Incidência do princípio da independência das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da duração normal. 5. Os princípios gerais que regem o sistema de patentes, os quais estão previstos, comumente, em tratados internacionais, se aplicam tanto para o procedimento convencional quanto para o procedimento de revalidação conhecido como pipeline. Afinal, ambos procedimentos integram o gênero Patente, instituto jurídico de Direito da Propriedade Industrial. 6. A patente pipeline não é imune à incidência dos princípios conformadores de todo o sistema de patentes, ao revés, deve com eles harmonizar, sob pena de degeneração do próprio instituto jurídico. Ademais, não há qualquer incoerência na interpretação sistemática da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial) e dos tratados internacionais TRIPS e CUP, porquanto estes já foram internalizados no Brasil. São, portanto, parte de nosso ordenamento jurídico, devendo todas as normas que regulam a matéria ser compatibilizadas e interpretadas em conjunto em prol de todo o sistema patentário. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AGRESP 200902322270 – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1168258 – TERCEIRA TURMA – DJE DATA:02/02/2011 – RELATOR MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA)
“ADMINISTRATIVO E COMERCIAL. MS. RECURSO ESPECIAL. PATENTE CONCEDIDA NO ESTRANGEIRO. PATENTES PIPELINE. PROTEÇÃO NO BRASIL PELO PRAZO DE VALIDADE REMANESCENTE, LIMITADO PELO PRAZO DE VINTE ANOS PREVISTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO DEPÓSITO. ART. 230, § 4º, C/C O ART. 40 DA LEI N. 9.279/96. 1. A Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 230, § 4º, c/c o art. 40, estabelece que a proteção oferecida às patentes estrangeiras, chamadas patentes pipeline, vigora “pelo prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido”, até o prazo máximo de proteção concedido no Brasil – 20 anos – a contar da data do primeiro depósito no exterior, ainda que posteriormente abandonado. 2. Recurso especial provido.” (STJ –
RESP 200500369853 – RECURSO ESPECIAL – 731101 – SEGUNDA SEÇÃO – DJE DTA 19/05/2010 RSTJ VOL:00219 PÁG:00252 – RELATOR MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA) “PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PATENTE PIPELINE. PRAZO DE VALIDADE. CONTAGEM. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DEPÓSITO NO EXTERIOR. OCORRÊNCIA DE DESISTÊNCIA DO PEDIDO. IRRELEVÂNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA E SISTEMÁTICA DE NORMAS. TRATADOS INTERNACIONAIS (TRIPS E CUP). PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA DAS PATENTES. APLICAÇÃO DA LEI. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL. 1. O regime de patente pipeline, ou de importação, ou equivalente é uma criação excepcional, de caráter temporário, que permite a revalidação, em
território nacional, observadas certas condições, de patente concedida ou depositada em outro país. 2. Para a concessão da patente pipeline, o princípio da novidade é mitigado, bem como não são examinados os requisitos usuais de patenteabilidade. Destarte, é um sistema de exceção, não previsto em tratados internacionais, que deve ser interpretado restritivamente, seja por contrapor ao sistema comum de patentes, seja por restringir a concorrência e a livre iniciativa. 3. Quando se tratar da vigência da patente pipeline, o termo inicial de contagem do prazo remanescente à correspondente estrangeira, a incidir a partir da data do pedido de revalidação no Brasil, é o dia em que foi realizado o depósito no sistema de concessão original, ou seja, o primeiro depósito no exterior, ainda que abandonado, visto que a partir de tal fato já surgiu proteção ao invento (v.g.: prioridade unionista). Interpretação sistemática dos arts. 40 e 230, § 4º, da Lei 9.279/96, 33 do TRIPS e 4º bis da CUP. 4. Nem sempre a data da entrada em domínio público da patente pipeline no Brasil vai ser a mesma da correspondente no exterior. Incidência do princípio da independência das patentes, que se aplica, de modo absoluto, tanto do ponto de vista das causas de nulidade e de caducidade patentárias como do ponto de vista da duração normal. 5. Consoante o art. 5º, XXIX, da CF, os direitos de propriedade industrial devem ter como norte, além do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, o interesse social. Outrossim, na aplicação da lei, o juiz deverá atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5º da LICC). 6. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ – RESP 200901301462 RECURSO ESPECIAL 1145637 – TERCEIRA TURMA – DJE DATA:08/02/2010 RI VOL:00896 PÁG:00172 – RELATOR MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA)
Cumpre atentar, ainda, para o disposto nos artigos 40 e 230 e parágrafos 1º. a 4º. da Lei n. 9.279, de 14/05/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, in verbis:
“Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos
químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer
espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente.
§ 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior.
§ 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo.
§ 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem.
§ 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu
parágrafo único.
“Art. 40. A patente de invenção vigorará pelo prazo de 20 (vinte) anos e a de modelo de utilidade pelo prazo 15 (quinze) anos contados da data de depósito.”
Por oportuno, vale observar o bem exposto na contestação do INPI, no seguinte sentido:
“E, no caso sub judice, o primeiro pedido, como informado pela autora, foi o de n. US 576537, de 31 de agosto de 1990, e não os pedidos acima citados, que representam continuações do primeiro depósito. Logo, sobreleva enfatizar que, no caso em tela, o depósito original foi feito nos Estados Unidos da América e abandonado pela autora, constituindo-se a patente US RE 39247, afinal concedida naquele país-base, por sinal, para a concessão da patente pipeline no Brasil, na forma do que prevê o parágrafo 3º. do artigo 230 da LPI, em continuação de um depósito original.
Registra o INPI aqui, igualmente com vistas ao melhor esclarecimento de Vossa Excelência, que a continuação (continuation) é instituto particular da legislação patentária norte-americana, correspondendo o seu conteúdo ao mesmo daquele depósito do qual se originou, razão pela qual, inclusive, considerou-se concedida a patente, para fins do atendimento ao disposto no art. 230, § 3º da LPI citado, e possibilidade da concessão da patente pipeline no Brasil; como observado no item supra. (…) Daí decorre que, no Brasil, sua patente terá como dia a quo a data do pedido pipeline – 31/08/90 e, como data final, 31/08/2010, ou seja, o remanescente de 20 (vinte) anos contados do depósito do primeiro pedido no exterior, logo em perfeito atendimento ao contido no §4º do art. 230 da LPI”.
Isto posto, julgo improcedente o pedido, na forma da fundamentação supra, condenando a parte autora no pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa.”
Portanto, sob todos os ângulos que se possa analisar as patentes apresentadas pelas requeridas (fls. 605/1002), objetivando justificar a cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização sobre a soja transgênica, seja por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, seja em relação às sementes geneticamente modificadas (RR), ou sobre a produção, verifico que não há qualquer respaldo legal para cobrança em relação a última (produção), nem validade da única patente referente ao caso (PI 1100008-2), sobre as demais situações (cobrança sobre o licenciamento da tecnologia Roundup Ready ou cobrança pelas sementes geneticamente modificadas), já que caducou em 31.08.2010.
É verdade que a demanda foi proposta em 14 de abril de 2009, ou seja, antes de ter caducado a patente PI 1100008-2, ocorrida em 31.08.2010. Entretanto, como já referido, o pleito inicial objetiva a suspensão da cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização sobre a produção da soja, circunstância, como vimos ser ilegal, já que tal cobrança poderia incidir apenas por ocasião do licenciamento da tecnologia Roundup Ready para que terceiros desenvolvam cultivares de soja com a tecnologia, ou em relação às sementes geneticamente modificadas (RR), conforme art. 10 da Lei de Cultivares, mas jamais sobre a produção em si.
Em conclusão, analisando os pedidos formulados, verifico que procedem os dos itens 9.5, “a” e “b”, em decorrência da caducidade das patentes a partir de 01.09.2010; 9.5, “c” e “f”, já que ilegal a cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização sobre a produção da soja transgênica.
Por fim, em relação aos demais pedidos formulados na exordial, verifico que restaram prejudicados os itens “d” (rechaçar os procedimentos de autotutela das requeridas) e “e” (declaração de abusividade e onerosidade das cobranças), em face do reconhecimento dos demais pedidos.
Por outro lado, em razão dos novos argumentos expostos na presente demanda, entendo viável e plausível o restabelecimento da liminar deferida, no sentido de determinar a imediata suspensão na cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização sobre sobre a produção da soja transgênica, já que reconhecidamente ilegal a sua incidência.
Ressalto que a tutela antecipada pode ser concedida durante a tramitação do processo (art. 273 do CPC), ou, ainda, na sentença (art. 461 do CPC).
DIANTE DO EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação coletiva proposta pelo SINDICATO RURAL DE PASSO FUNDO – RS, SINDICATO RURAL DE SERTÃO e SINDICATO RURAL DE SANTIAGO, SINDICATO RURAL DE GIRUÁ, SINDICATO RURAL DE ARVOREZINHA E FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO RGS – FETAG, contra MONSANTO DO BRASIL LTDA e MONSANTO TECHNOLOGY LLC, para:
a) DECLARAR o direito dos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros, de reservar o produto cultivares de soja transgênica, para replantio em seus campos de cultivo e o direito de vender essa produção como alimento ou matéria-prima, sem nada mais pagar a título de royalties, taxa tecnológica ou indenização, nos termos do art. 10, incisos I e II da Lei nº 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010;
b) DECLARAR o direito dos pequenos, médios e grandes sogicultores brasileiros que cultivam soja transgênica, de doar ou trocar sementes reservadas a outros pequenos produtores rurais, nos termos do art. 10, inciso IV, § 3º e incisos, da Lei nº 9.456/97, a contar do dia 01.09.2010;
c) DETERMINAR que as requeridas se abstenham de cobrar royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, a contar da safra 2003/2004;
d) CONDENAR as requeridas devolvam os valores cobrados sobre a produção da soja transgênica a partir da safra 2003/2004, corrigida pelo IGPM e acrescida de juros de 1% ao mês, a contar da safra 2033/2004, tudo a ser apurado em liquidação de sentença;
e) CONCEDER, de ofício, a liminar para DETERMINAR a imediata suspensão na cobrança de royalties, taxa tecnológica ou indenização, sobre a comercialização da produção da soja transgênica produzida no Brasil, sob pena de multa diária no valor de 1.000.000,00 (um milhão de reais);
f) CONDENAR as requeridas ao pagamento integral das custas e honorários advocatícios que fixo em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), corrigido pelo IGPM a contar desta data (art. 21, § único, do CPC).
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Porto Alegre, 04 de abril de 2012.
GIOVANNI CONTI,
Juiz de Direito.
Se não gostam de pagar royalties, comprem de outro, ou plantem a moda antoga, agora, se comprou deles então paga.