Prezada Editora AS–PTA
Editores do Boletim eletrônico semanal ASPTA
c.c. Editor Chefe da Epagri, Eng. Agr. Sr. Paulo Tagliari
Recentemente soubemos que foi publicada por V.Sas. uma matéria num boletim eletrônico semanal (cópia abaixo), que no nosso entender contém distorções e abordagens equivocadas a respeito de melhoramento genético de arroz irrigado e dos produtos da Epagri, entre eles a nova cultivar SCS117 CL.
Ficaríamos gratos se já nas próximas edições do referido boletim V.Sas publicassem a nossa resposta abaixo, que contém os esclarecimentos que se fazem necessários à sociedade e aos leitores do boletim eletrônico ASPTA.
Certos de que V.Sas. nos darão esta oportunidade de “Resposta”, ficaríamos igualmente gratos se, quando publicado, V.Sas pudessem nos enviar cópia do boletim.
Atenciosamente,
Rubens Marschalek, Dr.sc.agr.
Melhoramento Genético de Arroz Irrigado & Biologia Molecular
Epagri – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
Epagri – Estação Experimental de Itajaí
Rod. Antônio Heil (SC 486) km 6, nr 6800
Bairro Itaipava
Fone: xx55 47 3341-5224 Fax: xx55 47 3341-5255
Itajaí – SC – Brasil – 88318-112
Ou , Cx. Postal 277
88301-970
Itajai – SC
Esclarecimentos e comentários da Epagri sobre a matéria “Arroz mutagênico tolerante a herbicida é lançado em SC”
Primeiramente, esclarecemos que nossa cultivar SCS117 CL não tem nenhum efeito MUTAGÊNICO, como menciona no título da referida matéria. Por mutagênico entende-se um agente químico ou físico capaz de alterar o DNA (material hereditário), o que não é o caso, absolutamente. Há portanto um erro técnico evidente no título, erro este possivelmente ligado à falta de intimidade dos jornalistas autores do texto com esta área da ciência, iniciada por Mendel.
A cultivar SCS117 CL, conforme consta na documentação de Registro e Proteção de Cultivares junto ao MAPA, e do folder de lançamento, foi obtida por hibridação dirigida entre a cultivar Epagri 109 e a linhagem oriunda do cruzamento entre Irga 369 e AS 3510, esta última portadora de um alelo de tolerância a herbicidas do grupo da Imidazolinonas. Desta forma, ela, a SCS117 CL, nem sequer é cultivar obtida por mutação induzida.
Quanto a expressão utilizada pelo boletim, de que “A semente desse tipo de arroz tem sua genética modificada por meio de mutações induzidas”, esclarecemos que, em última instância, praticamente todos os alimentos obtidos atualmente das respectivas espécies sob cultivo do homem (domesticadas), originaram-se de mutações, e todas elas, de fato, têm, neste sentido, sua “genética modificada”. As mutações são o motor básico da evolução e a elas estamos diariamente submetidos, sendo que os vegetais não fogem a regra. Devemos a elas, mutações, toda a bela biodiversidade do planeta, que cantamos em verso e prosa, e que nos empenhamos em preservar. Alelos prejudiciais à adaptação dos indivíduos ou da população da espécie considerada, que surgem na natureza espontaneamente, são eliminados pela seleção natural, e os que promovem maior adaptação das populações, aumentam em freqüência, e se perpetuam. Mutações que ocorrem, e surgem na natureza, nada tem teoricamente, de diferente de mutações induzidas, da onde a Universidade de Louisiana parece ter obtido o alelo de resistência ao herbicida citado.
Reforçamos: a maioria dos alimentos hoje em consumo pela população humana foram sim, manipulados geneticamente pela seleção humana, que eliminou alelos das populações de plantas domesticadas (nos livrando da toxidez contida em muitas plantas, por exemplo), e aumentou a freqüência de outros alelos que nos beneficiam; o homem fez hibridações, e até, pasme, criou novas espécies (triticale), fato que anteriormente era apenas creditado, supersticiosamente, à divindades.
A interferência humana no genoma dos vegetais, ao longo dos milênios em que deixamos de ser nômades, alterou tanto os vegetais, que algumas espécies modificaram até sua biologia reprodutiva. As espécies de tomates selvagens são alógamas. O tomate domesticado é autógamo. Nossa interferência e manipulação fez com que os vegetais perdessem componentes tóxicos, aumentassem em tamanho (frutos, cereais, etc) e em produtividade, e deixassem de ser excessivamente deiscentes, possibilitando a sua colheita, e com isso, suprindo nossa alimentação. Assim, tudo o que comemos atualmente teve “sua genética modificada” por nós humanos, e isso há milênios. Nada do que hoje adquirimos no supermercado, em termos de alimentos, pode ser classificado como natural, posto que é resultado de processos de domesticação e seleção levados a cabo pelo Homo sapiens, e não existia na natureza no estado que gostamos de classificar de natural. Isso abrange inclusive os alimentos produzidos sob cultivo orgânico, que em última instância foram também muito manipulados geneticamente pelo Homo sapiens.
Ademais, cabe salientar que a Epagri orgulhosamente lançou em 2005 a cultivar de arroz SCS114 Andosan, esta sim, obtida através de metodologia que usou mutagênese induzida (raios gama), em colaboração com o CENA/USP.
É preciso que tenhamos em mente que a sustentabilidade e a manutenção dos agricultores na atividade orizícola depende da possibilidade de remuneração digna da atividade. Esta situação é viabilizada pela produção de arroz a baixo custo, atendendo a demanda do mercado consumidor que busca produto de boa qualidade a preço baixo, e dos planos do governo em garantir alimento à população a custos menores, tanto com produção interna como com importação. Atualmente a redução do custo de produção de arroz em muitas áreas, especialmente do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, passa pela adoção de praticas e tecnologias de produção “Clearfield” tanto com variedades como com híbridos.
O controle de arroz vermelho, principal planta daninha e portanto, indesejável ao cultivo, era feito antes do advento dos herbicidas, pela manutenção de lamina d’água e pelo arranquio manual destas plantas daninhas remanescentes, práticas no entanto nem sempre suficientes quando se tratam de grandes áreas. O cultivo de arroz irrigado empregando-se o sistema pré-germinado é uma possibilidade de controle cultural do arroz vermelho. No entanto este sistema apresenta limitações para várias situações de lavoura, além de, em muitos casos, representar elevação do custo de produção de arroz.
O arroz vermelho é considerado planta daninha, da mesma espécie do arroz cultivado, portanto, em hipótese alguma ela é uma espécie ancestral do arroz cultivado, como também incorretamente aponta o texto, em mais um dos seus equívocos técnicos. Ele, arroz vermelho, Oryza sativa, é considerado planta daninha apenas porque não permite sua colheita comercial, e, em sendo mais precoce e vigoroso do que as cultivares de arroz branco, compete com este pelos fatores de produção luz, água e nutrientes. As sementes do arroz vermelho são altamente deiscentes e caem ao solo antes mesmo de seu ponto de maturação, e com isso as áreas de arroz comercial são reinfestadas por esta planta daninha.
Por outro lado, em breve a Epagri lançará uma cultivar de arroz vermelho, que por não ser deiscente, permitirá sua colheita total, e nesta configuração a nova cultivar não será planta daninha. Assim estas novas cultivares podem representar renda para os produtores sem risco de contaminação do arroz branco. Portanto, nota-se mais uma vez aqui a atuação do homem, que novamente agiu modificando geneticamente o arroz, através dos métodos de melhoramento genético, e assim a nossa espécie, mais uma vez, é capaz de, com o bom uso da ciência, manipular a vida em benefício dos seus semelhantes, e em benefício do seu ecossistema, garantindo a nós, alimentos mais ricos do ponto de vista nutricional, como será o caso deste arroz vermelho que a Epagri lançará, e que já está sendo estudado detalhadamente pela USP em trabalho de parceria, cujos primeiros trabalhos científicos já foram publicados no VII Congresso Brasileiro de Arroz Irrigado, organizado pela Epagri.
Quanto aos receios dos jornalistas, na matéria publicada, de que a cultivar resistente se cruzaria ou cruzará com o arroz vermelho daninho, de fato esta preocupação é pertinente, e limitará o uso da tecnologia, ou melhor, limitará sua vida útil, pois as hibridações de fato existirão, inevitavelmente. Assim, a atual tecnologia do Clearfield, baseada no alelo (cujos direitos de propriedade intelectual são da BASF), precisará em breve ser substituída por uma resistência à uma próxima e nova molécula de herbicida, e assim sucessivamente num circuito interminável. A indústria farmacêutica não cessa de pesquisar novos antibióticos, tampouco cerceia o uso dos já desenvolvidos, só porque se sabe, de longa data, que as bactérias serão selecionadas pelos agentes de pressão seletiva (antibióticos), desenvolvendo então populações resistentes. É justamente o contrário: como se sabe que a resistência ao antibiótico será quebrada, mais cedo ou mais tarde, por uma cepa de bactéria que, por mutação (provocada aleatoriamente por agentes físicos e químicos, e não como supõem os leigos, pelo antibiótico), originou um alelo resistente, resultando na tão temida resistência ao antibiótico X, Y, ou Z, é pois justamente por tudo isso que o desenvolvimento, e uso, de novos antibióticos é tão imperativo. Raciocínio análogo precisamos seguir na tecnologia do clearfield, ou na tecnologia dos transgênicos, que em arroz, a propósito, seriam mais do que bem-vindos, principalmente se nos proporcionassem uma resistência à uma molécula de herbicida de outro grupo químico, o que diminuiria as chances de aumento da freqüência de alelos de resistência nas populações de arroz vermelho.
Além disso, deveria ser do conhecimento dos profissionais das ciências agrárias citados pela reportagem, que a tolerância do arroz vermelho aos herbicidas do grupo citado não é devida exclusivamente à transferência do alelo de resistência por hibridação ao arroz daninho, mas sim, sabe-se que há populações de arroz vermelho naturalmente tolerantes ao herbicida comercializado pela BASF. Portanto, não nos surpreende que “70% das amostras de arroz vermelho colhidas em 2007 no Rio Grande do Sul apresentaram resistência ao Only” já que boa parte delas provavelmente são natural e originalmente resistentes ao Only por conterem alelos de resistência outros, que não o(s) alelo(s) intermediado(s) pela BASF para diversos programas de melhoramento no Brasil, como os da Embrapa, Epagri, Irga, e empresas privadas como Ricetec.
Esperamos ter conseguido elucidar alguns trechos do texto publicado.
Solicitamos pois a publicação eletrônica (na íntegra) do texto, ou, publicado como ERRATA.
Rubens Marschalek, Dr. / Moacir Antônio Schiocchet, Dr.
Epagri – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
Epagri – Estação Experimental de Itajaí
Rod. Antônio Heil (SC 486) km 6, nr 6800
Bairro Itaipava
Fone: xx55 47 3341-5224 Fax: xx55 47 3341-5255
Itajaí – SC – Brasil – 88318-112
Ou , Cx. Postal 277
88301-970
Itajai – SC
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Arroz mutagênico tolerante a herbicida é lançado em SC
A Epagri [Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina] e a Basf fizeram o lançamento da nova variedade de arroz irrigado na Estação Experimental de Itajaí para mais de 300 pessoas – agricultores, produtores de sementes e de grãos, técnicos e lideranças rurais. (…)
A cultivar SCS117CL é tolerante ao herbicida que permite o controle do arroz vermelho, que é a principal planta daninha da cultura do arroz irrigado. (…)
A descoberta do gene de tolerância para os herbicidas do grupo químico das imidazolinonas em arroz foi feita por pesquisadores da Universidade da Louisiana (LSU) nos Estados Unidos. Por meio de trabalhos em parceria, envolvendo a Epagri e a Basf esta característica de tolerância foi incorporada através de hibridação e melhoramento convencional, em cultivares de arroz adaptadas ao sistema pré-germinado, predominante em Santa Catarina. (…)
“Vale lembrar que a manutenção e preservação deste eficiente sistema de controle de arroz vermelho está diretamente associada à adoção, pelos agricultores, das recomendações técnicas do Sistema de Produção Clearfield de Arroz”, alerta o chefe da EEItajaí, José Alberto Noldin. Além de utilizar a SCS117CL da Epagri, em associação com a aplicação do herbicida Only da Basf, é essencial seguir o programa de monitoramento das lavouras, avaliando a efetividade do controle. (…)
Schiocchet informa que os produtores de arroz irrigado interessados em adquirir sementes da nova cultivar SCS117CL para plantio da safra 2012/2013, encontrarão semente comercial junto aos produtores de semente associados a Associação Catarinense de Produtores de Semente de Arroz Irrigado (Acapsa) e licenciados pela Basf. A produção de semente básica continua sob a responsabilidade da Epagri na Estação Experimental de Itajaí. (…)
Fonte: Erro! A referência de hiperlink não é válida., 13/02/2012.
N.E.: Para melhor entender o que representa o arroz lançado pela Epagri e pela Basf vale a pena relembrar a Erro! A referência de hiperlink não é válida., realizada em março de 2009. A variedade que se tentava então liberar tinha o mesmo objetivo deste arroz não transgênico mencionado na matéria: o controle do arroz vermelho, espécie ancestral do arroz comercial, que compete com a cultura.
A preocupação manifesta à época por diversos pesquisadores era a constatação de que a planta transgênica inevitavelmente cruzaria com sua parente vermelha e daria origem ao arroz vermelho transgênico resistente a herbicida. Também foi exposto durante a audiência que o arroz vermelho, pelas características que apresenta de planta não domesticada, produz sementes com dormência (que ficam armazenadas no solo por anos à espera de condições propícias para germinar).
A tecnologia da Basf chamada ClearField – que foi utilizada no arroz desenvolvido em parceria com a Epagri – também foi citada. A semente desse tipo de arroz tem sua genética modificada por meio de mutações induzidas. O resultado é uma planta resistente ao herbicida Only (do grupo das Imidazolinonas), produzido pela Basf.
Na audiência pública, o produtor gaúcho e engenheiro agrônomo Cláudio Escosteguy, de Santana do Livramento, apresentou fotos de lavouras de arroz ClearField nas quais o veneno aplicado já não controlava mais o arroz vermelho. Segundo ele, a vida útil da tecnologia não passa de 3 anos. Em compensação, deixa para trás arroz vermelho que incorporou a resistência ao produto e que ninguém sabe como controlar. Breseghello foi enfático ao afirmar que “a contaminação é irreversível”. 70% das amostras de arroz vermelho colhidas em 2007 no Rio Grande do Sul apresentaram resistência ao Only.
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Tréplica da AS-PTA: http://aspta.org.br/campanha/numero-580-13-de-abril-de-2012/