Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
Para o professor e pesquisador da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Pedro Ivan Christoffoli, é preciso duvidar e questionar as informações existentes sobre alimentos transgênicos. Em entrevista concedida à Página do MST, o professor discute o porquê do uso dominante dos transgênicos na agricultura brasileira, a falta de liberdade para pesquisar o assunto e reflete sobre a atual situação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Confira a entrevista:
Como você analisa o discurso das empresas de que os “transgênicos são a tecnologia para acabar com a fome”?
Na verdade, usam-se dois argumentos que tem se mostrado falsos: o de que o transgênico vem para diminuir o uso de agrotóxicos e que eles vem para acabar com a fome. Ambos argumentos são fortes, pois quem não é contra o uso de agrotóxicos e quem não quer acabar com a fome? Só que se olharmos os dados da soja – o transgênico mais bem implementando e sucedido no mundo, que ocupa mais área e está sendo plantado há 10 anos -, os dados de produção são menores do que os da semente normal. São dados de pesquisas científicas dos países, como EUA e Brasil.
A soja não aumenta a produtividade; pelo contrário, esta diminui por volta de 3% a 4 %. Isso se dá por vários fatores, como o tipo de variedade de soja que foi engenheirada e problemas fisiológicos resultantes do processo de transgenia, pois não há certeza de onde você está mexendo quando se faz engenharia genética. Isso provoca mudanças nas plantas que causam diminuição de produtividade. O argumento de diminuição da fome é inválido devido à queda de produtividade na soja. O mundo deixou de produzir soja, não aumentou.
Então por que os agricultores plantam?
Porque nos primeiros anos a soja transgênica apresentava diminuição no custo de aplicação de herbicidas. No cálculo econômico, o saco de soja saía mais barato. Ao longo dos anos, o frequente uso do herbicida glifosato fez com que certas plantas resistissem a ele, então foi necessário aumentar o uso, ou mesmo utilizar outros venenos. O efeito da aplicação dos herbicidas nos transgênicos é uma curva em U: primeiro há uma baixa, para depois voltar a subir. Aí começam a surgir mais herbicidas para matar as ervas daninhas que ficaram resistentes a outros produtos. E a indústria continua pesquisando outros tipos de veneno, pois a natureza não fica parada; ela encontra brechas para poder emergir.
Outro motivo do uso dos transgênicos é o monopólio de sementes por parte das empresas. Quando se vai procurar semente convencional, muitas vezes não se encontra. Muitos médios e grandes produtores preferiam a soja convencional porque elas produziam muito mais a um preço menor. À medida que as sementes ficam escassas, os agricultores não têm opção a não ser os transgênicos. Então a questão dos transgênicos não é aumentar a produtividade, é monopolizar o mercado. 80% da produção de sementes do mundo está concentrado em seis, sete empresas. O Brasil tinha centenas de empresas produtoras de sementes, que foram compradas pelas transnacionais.
O mundo está ficando dependente da vontade de poucas empresas que determinam que tipo de semente estará no mercado, se vai ser transgênica ou não, e que tipo de transgênico, porque daqui há pouco a Monsanto lança a RR2, que tem uma cobrança de royalties muito maior, e tira a RR1 do mercado. A Monsanto controla a semente, ofertando o que ela quer, pela taxa que ela quer. O agricultor fica controlado por um punhado de empresas que dominam a tecnologia e os preços. Quem ganha com isso são as transnacionais que detém essa tecnologia, algumas empresas que fabricam agrotóxicos, mas perdem a natureza e os pequenos agricultores, que vão sendo forçados a usar transgênicos ou sair do mercado convencional.
O que Estado e sociedade devem fazer para monitorar as empresas e os transgênicos?
Para o capital, os transgênicos foram um achado, pois a engenharia genética abre todas as possibilidades de manipulação da natureza. Agora, isso é seguro? Uma vez que se introduz transgênicos, que são seres vivos, é muito difícil, praticamente impossível, de removê-los do ecossistema, pois esses organismos se auto-reproduzem. Eles se espalham pelo mundo e você perde o controle. A sociedade tem que controlar isso, tem que acompanhar; não pode deixar na mão das empresas, porque elas querem lucro. Se descobrirem mais tarde que os transgênicos fazem mal à saúde, o ônus será da sociedade.
Na ciência, existe o princípio da precaução. Se não temos certeza que os transgênicos fazem mal à saúde, o princípio da precaução diz que você deve agir no sentido de evitar que o dano aconteça, e não liberar barreiras. O argumento que se usa é simplório: ‘há mais de 10 anos tem transgênicos e não apareceu nada ainda’. Só aparece se a gente procurar, e ninguém está procurando. O Estado brasileiro não pode ficar a mercê da multinacional, do capital. O Estado está indo a reboque dos interesses das grandes empresas. Se há interesse nessa tecnologia, e eu acho que tem que haver do ponto de vista da pesquisa, deve existir uma série de protocolos de segurança antes da liberação acontecer. O que acontece hoje é muito superficial.
A questão é que há muita controvérsia científica, e quando isso ocorre o princípio da precaução intervém no sentido de aprofundar a pesquisa para se ter certeza de que a tecnologia é segura. O Governo brasileiro não faz nada disso. Ele devia exigir mais dados das organizações que querem a liberação dos transgênicos, e nós, como cidadãos, devemos exigir do Estado ações concretas de regulação.
Muitas das pesquisas sobre transgênicos são financiadas pelas próprias empresas. Qual o efeito desses estudos enviesados na discussão dos transgênicos?
Há tentativas dessas empresas em barrar pesquisas independentes com transgênicos, usando o argumento de que elas são proprietárias daquele código genético. O acordo da OMC (Organização Mundial do Comércio) diz que qualquer pesquisa que utilize patentes pode ser vetada pela empresa. Essa lógica atenta contra a pesquisa científica. Se eu quero fazer uma pesquisa para saber se há problemas nos transgênicos, mas as transnacionais se negam a liberar seu material e acesso aos resultados caso eles sejam contrários aos seus interesses econômicos, como é possível confiar nos dados que vem a público?
Há claramente um problema de restrição da liberdade científica. Há denúncias de que a Monsanto tentou destruir reputações de cientistas que vão contra a sua noção de entendimento da realidade. No México, pesquisadores notaram contaminação do milho ancestral pelos transgênicos, e a Monsanto chegou a contratar empresas especializadas em fazer marketing viral contra os pesquisadores. São práticas terroristas de destruição dos pesquisadores independentes. Temos toda a razão de duvidar do viés destas pesquisas.
Outro fato que eu considero grave é o acordo Monsanto-Embrapa, que é uma empresa pública. A Embrapa é guardiã de uma base genética de várias espécies brasileiras que são patrimônio do povo e até da humanidade. A Embrapa faz um acordo para poder utilizar o gene RR da Monsanto. Só que esse acordo é lesivo ao interesse público brasileiro, porque os royalties do gene RR obrigam a Embrapa, quando quiser utilizar o recurso das espécies criadas que usaram o gene da transnacional, a passar por um comitê do qual faz parte a Monsanto, que tem de concordar com a destinação daquele recurso. Este recurso é público, pois não é só o gene criado pela Monsanto que está ali; há toda uma base genética que já era de controle da Embrapa, e a Monsanto que determina, tendo poder de veto inclusive, para onde vai o recurso. Mais grave ainda: se os pesquisadores da Embrapa trabalharem com material genético da empresa, eles não podem divulgar livremente os resultados. Eles devem submeter isso a análise do comitê. A Monsanto pode então vetar estudos de uma empresa pública brasileira.
Por que a Embrapa perdeu força e foi absorvida por empresas estrangeiras?
Há três motivos: o primeiro, o corte de verbas públicas para a pesquisa da questão agrícola, impulsionado pela onda neoliberal nos anos 90, o que estrangula a Embrapa. O segundo elemento é o volume de recurso necessário para a tecnologia na época. Hoje ela está mais barata, mas antes era caríssimo e o resultado era incerto. A Embrapa não tinha condição de operar neste nível. Por fim, há a opção da Embrapa de se associar à Monsanto, o que é nocivo, pois lega a empresa brasileira a um papel de subordinação aos interesses da transnacional.
Se tivéssemos um programa público de agroecologia com o peso da Embrapa, seria muito importante e colocaria o Brasil na vanguarda da produção de orgânicos do mundo. Infelizmente nisso a Embrapa também peca: no governo Lula, por causa da pressão dos movimentos sociais, foi criado o marco referenciado a agroecologia. Mas o peso do orçamento é muito pequeno: quando participava do conselho da Embrapa, de 2004 a 2008, apenas 8% do orçamento da entidade era direcionado à agricultura familiar; os outros 92% iam para o agronegócio. A proporção que ia para a agroecologia não chegava a 1%, o que limita a produção de tecnologias que possam criar um desenvolvimento sustentável para o país.
A Embrapa tem um problema de direcionamento político. A agricultura familiar no Brasil não é 8%; a capacidade produtiva, de geração de empregos e de proteção ao meio ambiente é muito mais do que isso. A Embrapa está descalibrada, infelizmente a favor de um modelo que para mim é insustentável.