Excelentíssima Senhora Presidenta da República – Dilma Rousseff.
Excelentíssima Senhora Ministra de Estado – Tereza Campello.
Meus cumprimentos ao Professor Renato Maluf a quem tenho a honra de
suceder nesta desafiadora e dignificante missão que é presidir o Consea.
Meus cumprimentos aos representantes dos vários ministérios que compõem o
Consea.
Meus cumprimentos especiais às colegas Conselheiras e aos colegas
Conselheiros da sociedade civil aos quais peço que, neste momento se
levantem e recebam uma calorosa salva de palmas.
Senhoras, senhores,
O Consea é resultado de uma manifesta vontade política por ouvir as
demandas da sociedade. É fruto das reflexões pioneiras sobre a fome, feitas
por Josué de Castro – que é seu patrono; do ex-presidente Lula, que o recriou,
e foi recentemente indicado pelos conselheiros seu Presidente de Honra; de
Betinho, da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida.
É a expressão dos ecos da cidadania, das vozes do campo, da floresta e da
cidade.
Em sua composição está a fala dos sujeitos de direitos, aqui representados
pelas organizações dos povos indígenas, população negra, quilombolas,
pescadores, comunidades de terreiro, extrativistas como as quebradeiras de
coco, organizações da agricultura familiar e camponesa.
É a expressão de nossa sociobiodiversidade, com suas formas de vida e
manejo dos bens da natureza nos vários biomas, e de uma sociedade
pluriétnica.
Mas também estão entidades do direito humano à alimentação; centrais
sindicais; redes, fóruns e articulações da soberania e segurança alimentar e
nutricional, da agroecologia, da economia solidária, da educação cidadã;
representações de organizações de matriz religiosa; das organizações que
reúnem pessoas com necessidades especiais, consumidores e profissionais do
campo da saúde e nutrição; organizações ligadas à agricultura patronal e
indústria de alimentos.
É a expressão das várias dimensões da política de segurança alimentar e
nutricional, sintetizadas no princípio da intersetorialidade, que nos é muito caro.
Reafirmamos que essa política, baseada no direito humano à alimentação
adequada, deve se concretizar através das diretrizes contidas no Plano
Nacional de Segurança de Alimentar e Nutricional:
- do acesso universal à alimentação adequada e saudável;
- da promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentralizados de base agroecológica de produção, extração e processamento;
- da instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional;
- do fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à saúde;
- de promoção do acesso universal à água de qualidade e em quantidade suficiente;
- do apoio às iniciativas de promoção da soberania alimentar, segurança alimentar e nutricional no âmbito internacional e nas negociações internacionais.
Por isso reconhecemos a importância da Câmara Interministerial de Segurança
Alimentar e Nutricional (CAISAN) e procuraremos caminhar no sentido do
aprimoramento de sua interlocução com o Consea.
Temos, hoje, uma representação de cerca de 51% de mulheres. A expressão
de seu papel na luta pela garantia da segurança alimentar e nutricional começa
a refletir-se na consciência da sociedade de que são portadoras de direitos,
embora haja muito a avançar no plano das políticas e seus instrumentos de
operacionalização que ainda discriminam as mulheres.
Presidenta Dilma, a 4ª Conferência Nacional que realizamos no final do ano
passado em Salvador, na Bahia, foi o coroar de um movimento que envolveu
mais de 75 mil pessoas, com a participação de 3.000 municípios, todas as
regiões, todos os estados.
Representou uma inequívoca mostra da força e do alcance de nossa
articulação e mobilização social.
Reuniu 2.000 participantes, entre eles ministros de Estado, governadores,
deputados, senadores, prefeitos e delegações das 27 unidades da Federação.
Entre os convidados e observadores, lá estiveram 200 estrangeiros, que ali
representavam 51 países e 5 continentes.
Um relato dessa história encontra-se no documento que Vossa Excelência
acaba de receber.
Vivemos tempos de celebração de conquistas como já assinalou o professor
Renato Maluf. Reconhecemos e valorizamos os significativos avanços
conseguidos no Brasil na mobilização social pela soberania e segurança
alimentar e nutricional, para os quais contamos várias vezes com a atuante
Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.
Houve nos últimos anos uma sensível melhora dos índices de insegurança
alimentar de vários segmentos sociais.
Temos programas estruturantes que têm sido inspiradores para iniciativas
análogas em outros países, como é o exemplo do Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o
Programa um Milhão de Cisternas ( P1MC) e mais recentemente a inovadora
proposta do P1 +2 – uma terra e duas águas no semiárido.
O Consea defende a ampliação do programa de cisternas de placas, nos
moldes em que é executado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA),
como uma das alternativas de convivência com o semiárido.
Esses são programas que articulam vários sentidos, e cada um com as suas
especificidades contribui para revigorar as economias locais, estimular a
diversificação da produção, valorizar as culturas alimentares e impulsionar a
participação social, a organização popular, revitalizando o tecido associativo.
Este é um aspecto fundamental da construção cidadã, da relação entre Estado
e sociedade, em relação ao qual estaremos atentos para que não haja
retrocessos.
Mas vivemos tempos também de grandes desafios, contradições e riscos de
desconstrução de conquistas, a exemplo dos significativos fatos que marcam o
contexto em que inauguramos uma nova gestão do Consea.
Eles requerem a nossa atenção e reflexão.
Quero prestar minha homenagem aos 220 povos indígenas, falantes de 180
línguas, povos originários, e que são representados no Consea por quatro
etnias de diferentes biomas: Tapeba, Kaiowá, Yawanauwá e Guarani. Nesta
semana temos o seu dia, mas não há muito a celebrar.
Vare’á estão gritando os Kaiowá no bioma cerrado, no Mato Grosso do Sul,
para falar da ausência do broto da semente semeada; para falar da fome. Os
índices de desnutrição entre os povos indígenas continuam altos e mais
recentemente vêm sendo diagnosticados casos da doença beribéri entre várias
etnias em Roraima.
A situação das comunidades quilombolas também nos preocupa. Os conflitos
territoriais e as dificuldades de acesso às políticas incidem em sua insegurança
alimentar. A Chamada Nutricional Quilombola mostra-nos o impacto da
desnutrição das crianças, cerca de 76% maior do que para o conjunto da
população.
Os riscos de agravamento desse quadro nos chegam de duas medidas
propostas em debate nesse momento.
Há poucos dias, a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania (CCJ) da
Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
215, que transfere para o Congresso Nacional a competência para demarcar e
homologar terras indígenas e quilombolas, retirando a competência do
Executivo.
Indígenas e quilombolas temem que a aprovação definitiva da PEC 215
prejudique ainda mais a demarcação de territórios tradicionais. Instaura-se o
risco de inviabilizar qualquer reconhecimento de novas áreas. E são inúmeros
os projetos de lei que buscam restringir os parcos direitos territoriais dos povos
indígenas e das comunidades quilombolas.
Há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.239, que será julgada
amanhã no Supremo Tribunal Federal, sobre Terras Quilombolas.
O Decreto Federal 4887/2003, assinado pelo ex-presidente Lula, que
regulamentou o processo de titulação das terras dos remanescentes das
comunidades de quilombos, criando mecanismos que facilitam o processo de
identificação e posterior titulação de comunidades, encontrou ferrenha
oposição.
Precisamos compreender que para os territórios étnicos-raciais a terra não é
apenas um meio de produção da sua subsistência e reprodução física, mas,
também um patrimônio sócio-cultural. A terra é a sua casa, o lugar onde
nascem, crescem e desenvolvem suas diferentes formas de vida.
É o lugar onde enterram seus mortos e celebram a vida. É o lugar onde
produzem e reproduzem sua cultura, onde historicamente domesticam plantas
e animais e nos deixam um enorme legado de espécies e variedades que
enriquecem a nossa biodiversidade. A terra não é mercadoria, nem
propriedade privada de pessoa física ou jurídica. É patrimônio coletivo, de todo
um povo, de seus usos e costumes, e assim a apropriação dos seus frutos se
dá, igualmente, de forma coletiva, de forma sustentável.
Se aprovadas essas medidas, elas representarão um retrocesso nas
conquistas e o crescimento dos riscos de insegurança alimentar e nutricional.
O julgamento da ADI contra os direitos quilombolas coloca ao STF a
responsabilidade de consolidar um entendimento Constitucional que possibilite
o avanço da política pública de titulação. O reconhecimento e a efetivação do
direito ao território para as comunidades quilombolas representa muito mais do
que a necessária reparação do erro histórico da escravidão: é a garantia que a
sociedade brasileira precisa contar com a existência dos quilombos na contínua
construção econômica, social e cultural da sociedade.
Nosso apelo, Sra. Presidenta, fazendo coro às vozes dessas populações, é
zelar pelo cumprimento da Constituição Federal e de outros instrumentos
internacionais, como a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, de
proteção aos direitos indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e
comunidades tradicionais.
Para reverter o quadro de riscos para essas populações, o Consea defende o
etnodesenvolvimento como uma diretriz a ser plenamente incorporada no
conjunto das políticas públicas do Estado brasileiro, e em especial nas políticas
de Segurança Alimentar e Nutricional.
Para um Brasil sem Miséria é necessário recusar essas medidas, e enfatizar a
deliberação da 4ª Conferencia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional,
que nos diz:
“Garantir e efetivar os direitos territoriais e patrimoniais, materiais e imateriais,
e acelerar os processos de ampliação do acesso à terra, bem como garantir
acesso aos recursos naturais para os povos indígenas, quilombolas, povos e
comunidades tradicionais como condição primordial para a garantia da
soberania alimentar e realização do direito humano à alimentação adequada e
saudável”.
O aprofundamento da democracia participativa e redistributiva para assegurar o
direito humano à alimentação adequada requer a concretização do direito à
terra, reconhecendo sua função social nas dimensões socioambiental,
econômica e trabalhista, conforme a Constituição Federal, através de amplo
programa de reforma agrária .
Trago também, Presidenta Dilma, em rápidas palavras, algumas outras
propostas da 4ª Conferência, que nos parecem prioritárias para a gestão que
ora se inicia.
Consideramos fundamental adotar o objetivo estratégico da soberania e
segurança alimentar e nutricional como um dos eixos ordenadores da
estratégia de desenvolvimento do país para superar as desigualdades
socioeconômicas, regionais, étnico-raciais, de gênero e geração e erradicar a
pobreza extrema e a insegurança alimentar e nutricional. Esta perspectiva
ainda não está incorporada no atual Plano Plurianual.
O caminho percorrido historicamente pelo Brasil com seu atual modelo de
produção nos levou ao lugar do qual não nos orgulhamos de maior consumidor
de agrotóxicos no mundo e uma das maiores áreas de plantação de
transgênicos.
A livre atuação das grandes corporações, apoiada na irrestrita publicidade de
alimentos – que tem como um dos alvos principais as crianças – também tem
gerado efeitos nocivos para a segurança alimentar e nutricional e em
fenômenos como o preocupante avanço do sobrepeso, da obesidade e de
doenças crônicas não-transmissíveis.
O Ministério da Saúde divulgou recentemente resultados de uma pesquisa que
revela dados alarmantes relacionados ao sobrepeso e à obesidade em nosso
país: 49% dos brasileiros estão acima do peso e, nesse percentual, 16% são
obesos. Por isso defendemos a imediata implementação do Plano Intersetorial
de Prevenção e Controle da Obesidade e da Política Nacional de Alimentação
e Nutrição (PNAN), com a garantia de financiamento para, dentre outras ações,
assegurar a universalização das ações de alimentação e nutrição na Atenção
Básica à Saúde.
O fortalecimento da capacidade reguladora do Estado se faz necessário, tanto
na efetiva regulação da expansão das monoculturas, como na adoção de
medidas como o banimento imediato dos agrotóxicos que já foram proibidos
em outros países, incluindo os que foram utilizados em guerras, como o
glifosato; o fim de subsídios fiscais, acompanhado da implementação de
mecanismos de regulação da comunicação mercadológica de alimentos.
A restauração do princípio da precaução em relação aos produtos transgênicos
é imperiosa necessidade para proteger a saúde humana e o meio ambiente. É
socialmente inaceitável que o mercado seja o único regulador das decisões
tecnológicas. A consciência dos consumidores e a manifestação de suas
incertezas dever ser considerada. Defendemos a rotulagem obrigatória de
todos os alimentos transgênicos, assegurando ao consumidor o direito à
informação, assim como defendemos que o governo mantenha o veto à
utilização da tecnologia genética de restrição de uso (Gurt), conhecida como
“terminator”, conforme a manifestação contida na Declaração Política da 4ª
Conferência.
É indispensável revisar a lei de biossegurança e modificar a composição e
funcionamento da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio),
para expressar as diferentes visões existentes na sociedade e na comunidade
acadêmica e ampliar a participação e o controle social.
O Consea defende, apoia e valoriza a agricultura familiar e camponesa
responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros e das
brasileiras.
Investir na agricultura familiar e camponesa é gerar emprego e renda para
milhões de pessoas, é estimular a produção de alimentos e a diversidade de
culturas, é respeitar tradições alimentares e preservar a natureza, é fixar o
homem no campo, é fortalecer as economias locais e regionais.
Defendemos a proposta da Política Nacional de Agroecologia e Sistemas
Orgânicos de Produção, em processo de elaboração por um grupo
interministerial em diálogo com organizações da Articulação Nacional de
Agroecologia, garantindo a proteção da agrobiodiversidade e iniciativas como a
conservação de sementes crioulas, os sistemas locais públicos de
abastecimento, circuitos curtos de mercado e mercado institucional.
Reivindicamos a instituição de uma Política Nacional de Abastecimento
Alimentar, com base na proposta construída na Caisan, em diálogo com o
Consea com o estímulo à política de estoques públicos de alimentos
(ampliando a aquisição da produção da agricultura familiar); a descentralização
do abastecimento público, distribuição de alimentos no varejo e atacado;
revitalização das Ceasas e dos equipamentos públicos de alimentação e
nutrição, incluindo o apoio às feiras agroecológicas.
Celebramos os passos dados até agora na construção do Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) como estrutura responsável pela
formulação, implementação e gestão participativa da política de Segurança
Alimentar e Nutricional em todos os níveis. Esta consolidação é resultado, em
âmbito nacional, de inúmeros esforços, em especial do Consea e da Caisan.
Em âmbito distrital e estadual, caminharemos apoiando a necessidade de
implantar as instâncias intersetoriais de segurança alimentar e nutricional e
apoiar o efetivo funcionamento dos Conseas estaduais.
Senhora Presidenta,
A indicação do meu nome para a presidência do Consea, feita pelos
movimentos sociais e entidades da sociedade civil, evidencia princípios e
valores que nos são muito caros: soberania alimentar, sustentabilidade
socioambiental, justiça social e climática, participação, controle social,
intersetorialidade, igualdade nas relações de gênero, entre outros. Buscarei
exercitá-los na gestão coletiva.
Agradeço aos conselheiros e às conselheiras, aos movimentos sociais, às
entidades da sociedade civil, às organizações não governamentais, em
especial à FASE- Solidariedade e Educação, ao Fórum Brasileiro de Soberania
e Segurança Alimentar e Nutricional e à Articulação Nacional de Agroecologia.
Um agradecimento especial a Vossa Excelência, Presidenta Dilma, pela honra
com que acolhe e ratifica o meu nome, para esta relevante e nobre missão.
Muito obrigada.
Brasília, 17 de abril de 2012