O Globo | Razão Social, 24/04/2012
por Camila Nobrega
Mesmo sob a crescente pressão da sociedade civil, quem vive na área rural do Brasil ainda é constantemente impactado por agrotóxicos pulverizados nas lavouras de monocultura do País.
Muitas vezes, estes produtos são aplicados a menos de dez metros de escolas e residências. O pior: em casas de pequenos agricultores, que não fazem ideia dos riscos, acabam se tornando embalagem para acondicionar até comida. A situação é descrita no “Dossiê sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde no Brasil” feito pelos principais pesquisadores de saúde do País e que será apresentado no Congresso Mundial de Nutrição Rio 2012, na próxima sexta-feira (27), em Brasília (sic) [no Rio de Janeiro].
Segundo um dos coordenadores do dossiê, o médico e pesquisador Fernando Carneiro, a ideia é fazer frente à bancada ruralista no Congresso Nacional, que aumentou o lobby para liberação do uso de novas substâncias – muitas proibidas nos Estados Unidos e na Europa – pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Os ruralistas querem uma agência única para agilizar a aprovação de novos agrotóxicos. Isso pode tirar o poder da Anvisa. Os mecanismos de controle do País já são falhos.”
O documento reúne os dados mais recentes sobre o assunto, impulsionado pelo fato de o Brasil ter se tornado, nos últimos três anos, o maior mercado consumidor de agrotóxicos no mundo. O dossiê é encabeçado pela Associação Brasileira de Pós Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal do Ceará (UFCE) e a Fiocruz do Rio de Janeiro.
Um dos estudos que será apresentado é do médico e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso Vanderlei Pignatti, ainda inédito. Ele analisou o sangue e a urina de professores das áreas urbanas e rurais das cidades de Lucas do Rio Verde e Campo Verde, no Mato Grosso do Sul. Foram colhidas amostras de 79 professores, 35 em duas escolas da área rural e 39 em duas na área urbana. Havia sinais de agrotóxicos em 70 amostras. Entre os professores da Zona Rural, o nível de resíduos encontrado foi o dobro da zona urbana.
Segundo Pignatti, trata-se de um alerta. “Muitos têm intoxicação crônica, que acontece por conta de exposição contínua aos agrotóxicos. Isso pode desencadear várias doenças.”
Ainda de acordo com Pignatti, muitas escolas nas áreas rurais ficam a menos de dez metros de plantações de soja, milho ou algodão, o que significa um risco grave à saúde de alunos e professores. Há uma lei, de 2008, que obriga uma distância de pelo menos 500 metros para a pulverização de agrotóxicos, mas ela não é cumprida em muitos municípios. De acordo com o professor, há 71 cidades do País nessa situação.
Em outra pesquisa, Pignatti detectou agrotóxicos no leite materno. Foram colhidas amostras de 62 mães da área rural de Lucas do Rio Verde e em todas foi encontrado DDT, substância proibida no Brasil desde 1985. Como todas as mães nasceram antes do período, foram contaminadas e até hoje possuem a substância no corpo. Além disso, em 76% foi encontrado o agrotóxico Endosulfan, proibido em toda a Europa, que só será retirado Brasil em 2013.
As instituições responsáveis pelo dossiê fazem parte da Campanha Permanente contra Agrotóxicos e pela Vida, criada há pouco mais de um ano. O objetivo é mostrar que agrotóxicos são uma escolha não relacionada apenas à economia. Os insumos químicos aumentam a produtividade. Mas, quando se avalia a sustentabilidade, se constata que há desgaste de solos, danos à saúde e dependência econômica dos agricultores.
Não faltam histórias como a do agricultor Nilfo Wandstheer. Morador de Lucas do Rio Verde, ele foi diagnosticado com intoxicação crônica, e sua mulher teve um aborto espontâneo. Há seis anos, Nilfo e a esposa estavam na cidade quando pulverizou agrotóxicos em toda a cidade, com um avião, num caso que ficou famoso à época. “Fugimos das lavouras de fumo no Sul, onde eu já tinha me intoxicado, mas aqui as plantações de algodão e soja também têm muitos agrotóxicos. As pessoas passam mal e não sabem a causa.”
O principal desafio dos médicos é provar os danos causados pelos agrotóxicos, já que os sistemas nacionais têm índices imensos de subnotificação, segundo a pesquisadora da Fiocruz e coordenadora do Sistema Nacional de Intoxicação (Sinitox), Rosany Bochbochner. “Os médicos não são capacitados para diagnosticar as intoxicações. Isso cria brechas que as empresas usam para desqualificar os dados.”
A pesquisadora da Universidade Federal de Ceará Raquel Rigotto estuda agricultores na região do Baixo Jaguaribe (PE), onde a fruticultura irrigada cresceu com a chegada de transnacionais. Ela pesquisou 545 agricultores e concluiu que 30,7% deles apresentavam sintomas de intoxicação no momento da entrevista. “O número de intoxicações é altíssimo, mas o SUS (Serviço Único de Saúde) não está pronto para identificar.”
Na verdade. Os agroquímicos passam por vários testes antes de serem colocados no mercado. Não podemos dizer que os efeitos são desconhecidos. Para registrar um produto como esse, são necessários em média 5 anos até que o pedido se formalize, tendo em vista a quantidade de exigências feitas pelos órgãos federais para proteger produtores rurais e a população. O uso de agroquímico, desde que feito de forma correta, nos traz alimentos sadios e sem riscos de toxicidade.
O manejo adequado desses produtos protege o meio ambiente e o produtor, garantindo alimentossaudáveis e seguros. O uso de agroquímico, desde que feito de forma correta, nos traz alimentos sadios e sem riscos de toxicidade. Se utilizarmos de forma correta, não teremos problemas. Como já disseram: “o que faz o veneno é a dose não é o princípio ativo. É como tylenol: na quantidade certa cura dor de cabeça, mas a superdosagem pode matar”.
Recomendo o dossiê sobre impacto dos agrotóxicos elaborado pela Abrasco http://bit.ly/abrasco, que, entre outros aspectos, aponta uma série de lacunas na pesquisa sobre impactos desses produtos e traz evidências científicas de que mesmo em subdosagens ou doses bem menores que as recomendadas comercialmente os agrotóxicos produzem danos.