Por Giselle Paulino | Para o Valor, de São Paulo

29/05/2012

A agricultora gaúcha Rosiele Cristiane Luttki, 34 anos, trabalhou toda a sua vida no campo. Para saber o que ia plantar costumava observar os sinais da natureza, assim como faziam seu pai e seu avô. Dependendo do jeito que o sol nascia e da posição do vento, sabia se ia chover ou não. “Se dava três dias de vento na nascente, sabia que vinha chuva. Se no final da tarde o sol entrasse na cor laranja, sabia que no dia seguinte dava para trabalhar”, lembra. “A gente seguiu esses sinais a vida toda. Mas hoje em dia está tudo bagunçado.”

Rosiele plantou fumo durante 15 anos e trabalha para diversificar sua produção. No entanto, com a seca que afeta o Sul, apesar de ter plantado milho e feijão, nada colheu. E os problemas não acabaram por aí. Rosiele tem dívidas para pagar. A agricultora está devendo R$ 2.600 por conta das sementes que comprou. Não recebeu o seguro do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), pois não conseguiu plantar toda a sua área, conforme manda o programa, e ainda precisa pagar cinco parcelas anuais de R$ 1.800 referentes ao investimento em equipamentos de irrigação feito pelo Pronaf.

Num cenário de incertezas, os chamados sistemas agroecológicos aparecem como uma alternativa mais sustentável para o agricultor. “Queremos deixar a forma de produção convencional e fazer a transição para a agroecologia, que inclui adubação verde, policultivo e uso da própria semente”, diz.

“Quem mora no campo já sente os efeitos das mudanças climáticas há pelo menos dez anos”, diz frei Sérgio Gorgen, representante do Movimento dos Pequenos Agricultores, ligado a Via Campesina. Segundo ele, o Rio Grande do Sul vive uma de suas piores estiagens. “A última chuva na região foi no mês de novembro. Agora já vai entrar novamente o período de inverno e mais uma seca”, diz.

“Tínhamos a percepção de que essas mudanças iriam demorar muito para chegar. Mas hoje em dia quem está no campo já sente na pele o que está acontecendo”, diz Rosicléia dos Santos, secretária de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). As áreas mais afetadas, segundo ela, são as regiões Norte e Nordeste do país. Em algumas regiões do semiárido do Nordeste não chove há dois anos. Essas áreas já enfrentam problemas de desertificação.

“No entanto, é preciso mudar o sistema de produção e fazer políticas que alcancem os pequenos agricultores”, diz Rosicléia. Ao lado da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a Contag e outros movimentos de pequenos agricultores levaram propostas para o governo para a elaboração da Política Nacional de Agroecologia que deve ser lançada durante a Rio+20.

“O Brasil investiu muito cedo na expansão do modelo de agricultura convencional que utiliza fertilizantes químicos e agrotóxicos no controle de pragas”, afirma Flávia Londres, agrônoma da Esalq, que assessora ONGs e movimentos sociais em assuntos ligados à agrobiodiversidade. “Por outro lado, nenhuma política foi criada para incentivar sistemas de produção mais harmônicos, como a agroecologia”, diz.

Segundo Paulo Guilherme, secretário de extrativismo e desenvolvimento rural do Ministério do Meio Ambiente, o conteúdo da Política Nacional de Agroecologia ainda está em discussão, mas o governo trabalha com o horizonte de apresentá-la durante a reunião. A política deve prever financiamento, abertura de mercados e formas de incentivo para fazer a transição para o novo sistema. As medidas que compõem o plano de implementação devem ser estabelecidas até 2014.

Sistemas de irrigação e crédito sempre foram as grandes demandas. Segundo frei Sérgio, “o governo precisa deixar de estimular as monoculturas e aumentar o crédito para a agroecologia.”

 

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