Fonte: Valor Econômico, 31/07/2012.

Abaixo segue a íntegra da reportagem. A assunto foi comentado no Boletim 595 da AS-PTA.

 

VALOR ECONÔMICO, 30/07/2012

Uso de defensivos é intensificado no Brasil

Por Gerson Freitas Jr. | De São Paulo

Os produtores rurais brasileiros estão usando mais defensivos em suas lavouras. Apesar do expressivo crescimento da área cultivada com sementes transgênicas, tecnologia que promete reduzir o uso de químicos na produção agrícola, as vendas desses produtos aumentaram mais de 72% entre 2006 e 2012 – de 480,1 mil para 826,7 mil toneladas -, segundo dados do Sindag, sindicato que representa fabricantes de defensivos no país.

No mesmo período, a área cultivada com grãos, fibras, café e cana-de-açúcar cresceu menos de 19%, de 68,8 milhões para 81,7 milhões de hectares, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Isso significa que o consumo médio de agrotóxicos, que era pouco superior a 7 quilos por hectare, em 2005, passou a 10,1 quilos em 2011 – um aumento de 43,2%.

Entre as principais classes de produtos, as vendas de fungicidas foram as que mais cresceram. Entre 2006 e 2011, o uso anual do produto destinado a combater doenças como a ferrugem da soja mais que triplicou, de 56 mil para 174 mil toneladas. As vendas de inseticidas avançaram quase 84%, de 93,1 mil para 170,9 mil toneladas. Já as entregas de herbicidas, químico usado no combate a ervas daninhas, alcançaram 403,6 mil toneladas – um aumento de 44% em relação às 279,2 mil toneladas registradas em 2006.

As vendas de defensivos movimentaram quase US$ 8,5 bilhões no Brasil em 2011 – o dobro do apurado em 2005. Trata-se do segundo maior mercado do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

O expressivo aumento no uso dos defensivos aconteceu no mesmo período em que o cultivo de transgênicos deu seu grande salto no país. Desde 2005, ano em que o Brasil aprovou sua Lei de Biossegurança, a área plantada com sementes geneticamente modificadas mais do que triplicou, de 9,4 milhões para 32 milhões de hectares. Só o cultivo do milho transgênico com a tecnologia BT – que protege as plantações dos ataques de lagartas e dispensa o uso de inseticidas para esse fim- saltou de zero para quase 10 milhões de hectares, de acordo com os últimos dados da consultoria Céleres.

Anderson Galvão, CEO da Céleres, afirma que não há contradição no aumento das vendas tanto de transgênicos quanto de agroquímicos. “Embora a biotecnologia pressuponha um menor uso de defensivos, a base inicial é muito baixa”, justifica. Ele pondera que, até meados da última década – anos de vacas magras na agricultura brasileira -, os produtores aplicavam menos químicos do que o necessário para combater as pragas nas lavouras devido à necessidade de cortar custos. Com o aumento da renda nos últimos anos, no entanto, os produtores puderam investir mais no trato das plantações. “Não fosse a biotecnologia, esse crescimento teria sido ainda maior”, garante. “O fato é que a intensidade tecnológica da produção está crescendo. O que tínhamos antes era um problema de subdosagem”, afirma Ivan Sampaio, gerente de informação do Sindag.

Narciso Barison Neto, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem), afirma que parte do aumento no uso de agrotóxicos deve-se à chegada da ferrugem asiática da soja na década passada. “O controle da doença exigiu um maior número de aplicações. E aí é indiferente se a soja é transgênica ou não, porque ainda não temos um produto que seja imune à ferrugem”, pondera.

De todo modo, os benefícios da biotecnologia em relação ao uso de agrotóxicos nas plantações ainda são marginais. De acordo com a Céleres, o plantio de sementes transgênicas poupou o uso de 4,9 mil toneladas de defensivos na safra 2010/11 – menos de 1,5% do volume total pulverizado. Desde a temporada 1996/97, quando os primeiros transgênicos chegaram ao Brasil, a economia acumulada não passou de 14,5 mil toneladas.

A Céleres projeta, porém, que os ganhos serão mais expressivos na próxima década, com a consolidação da tecnologia e a chegada de novas variedades no país, como a soja resistente a insetos. Ao fim da safra 2020/21, o Brasil terá deixado de consumir pouco mais de 146 mil toneladas de defensivos, estima.

Milho e algodão, que respondem por aproximadamente 22% dos defensivos vendidos no país, são as culturas mais beneficiadas pela adoção da biotecnologia. Segundo a Céleres, na safra 2010/11, lavouras de milho transgênico do Paraná, resistentes a insetos e tolerante a herbicidas, demandaram 24,7% menos defensivos na safra de verão do que um plantio convencional (4,5 quilos ante 6,2 quilos por hectare). Em Mato Grosso, em plantios transgênicos de algodão (também resistentes a insetos e tolerantes a herbicidas), a economia foi de 2,8% (13,6 quilos ante 14 quilos por hectare), em média.

Contudo, as lavouras transgênicas de soja – cultura que demanda, sozinha, 48% de todos os agrotóxicos vendidos no país – são mais intensivas no uso de defensivos do que as que não adotam a tecnologia. No Paraná, por exemplo, as lavouras com a tecnologia Roundup Ready (RR), da Monsanto, consumiram, em média, 3,6 quilos de agroquímicos por hectare, alta de 16,2% em relação aos 3,1 quilos consumidos em lavouras convencionais. A vantagem para o produtor está no manejo: nas lavouras RR, eles substituem vários herbicidas por um único produto, o glifosato, em dosagem maior.

Outros fatores colaboram para anular os potenciais efeitos positivos da biotecnologia sobre o uso de agrotóxicos, como o aumento da resistência de ervas daninhas ao glifosato e o surgimento de pragas secundárias (ver matéria abaixo). “As doenças fúngicas nunca foram uma preocupação grande nas lavouras de milho porque o foco sempre foi o controle da lagarta. Como esse problema foi resolvido com os transgênicos, agora os produtores terão se preocupar com elas. Logo, é provável que tenhamos um aumento nas vendas de fungicidas para milho nos próximos anos”, projeta Galvão.

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O problema das pragas secundárias

Por Janice Kiss | De São Paulo

O pulgão-do-milho (Rhopalosiphum maidis), um inseto que suga a seiva da planta e deixa as espigas mal formadas, nunca representou uma ameaça para os agricultores de Jataí (GO), um dos maiores polos de produção de milho safrinha do país. Mas, em abril, a praga deu mostras do seu perigo quando esteve prestes a infectar boa parte dos 150 mil hectares da safra 2011/12 na região. “Foi um susto daqueles”, relembra Luiz Batista, engenheiro agrônomo da Pioneer.

O estrago só foi evitado – não chegou a comprometer 10% do plantio cuja colheita foi encerrada neste mês – porque os agricultores receberam o alerta, da própria empresa e de associações de produtores, de que deveriam pulverizar suas plantações em plena fase de florescimento, com a aplicação de inseticida ao custo de R$ 40 por hectare. “Só ela daria um fim no estrago que estava por vir”, comenta o agrônomo.

O susto dos produtores de Jataí foi do tamanho da adoção do milho transgênico Bt, que nesta safra alcançou 85% das lavouras, e tende a chegar a sua totalidade no ano que vem. O grão é resistente à lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), principal praga que atacava as culturas convencionais e já chegou a causar prejuízos no passado de US$ 400 milhões por ano, segundo a Embrapa Milho e Sorgo (MG).

“A tecnologia permitiu que o produtor suspendesse a aplicação de inseticida para combater a lagarta – de três a quatro pulverizações quando o plantio era convencional”, explica Batista. Mas o pulgão, considerado uma praga secundária, tirou proveito da ausência do produto. “Por sorte, uma única aplicação foi o suficiente para manter a plantação ilesa”, informa o agrônomo. De acordo com ele, esta será a recomendação a partir de agora.

A apreensão dos produtores de Goiás é mais um dos casos que põem a reputação da transgenia em dúvida, com a indagação de como uma tecnologia de ponta, que consumiu anos de pesquisa e centenas de milhões de dólares, pode ser suscetível a pragas secundárias como o pulgão-do-milho. Na avaliação de Luiz Batista, os produtores sentiram segurança em demasia com as vantagens propaladas. “Eles deixaram de levar em conta que a agricultura não é uma ciência exata”, observa.

Produtor em Ponta Grossa (PR) e gerente-geral da Fundação ABC, instituição de pesquisa formada pelas Cooperativas paranaenses Agro-Pecuária Capal (Arapoti), Batavo e Castrolanda, Eltje Loman compartilha da opinião do agrônomo. “Quando os transgênicos surgiram, muitos produtores acharam que a agricultura seria simplificada”, comenta.

Como engenheiro-agrônomo, ele sabe que não existe trabalho fácil nessa área. É preciso manter-se alerta para o ataque de pragas, entender que a zona de refúgio exerce a função de diminuir a incidência de pragas resistentes e ainda lidar com ervas daninhas como o capim-amargoso e a buva, que se mostram resistentes ao glifosato presente na soja Roundup Ready (RR), herbicida mais usado no mundo, e se alastraram pelos plantios do Rio Grande do Sul e do Paraná. Elas se tornaram um problema para a tecnologia que promete facilitar o manejo e reduzir o uso de defensivos, razões de sua vantagem ao proporcionar ganhos de até US$ 66 por hectare, de acordo com estudos elaborados pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA).

Para domá-las, os pesquisadores da Fundação ABC insistem nas orientações da condução da lavoura: rotação de plantios, uso de herbicidas com princípios ativos diferentes (para a planta não criar resistência a eles), respeito ao calendário de aplicações e aos 10% da zona de refúgio, no caso da soja, exigida por lei. “Quem abriu mão desses cuidados, gasta em torno de R$ 150 por hectare, com duas ou três aplicações de agroquímicos, para controlar a presença de ervas daninhas”, diz Loman.

As vantagens propagadas pelas lavouras transgênicas, que prometem produtividade 10% maior, em média, demoraram para convencer os 2,35 mil produtores pertencentes ao Grupo ABC, formado pelas mesmas cooperativas que compõem a fundação. Eles não viam razões para abandonar o cultivo da soja tradicional. “Julgávamos que as variedades transgênicas colocadas à disposição na época não eram tão eficientes”, relembra Eltje Loman.

Desde 2008, os grãos geneticamente modificados (de soja e depois do milho Bt) começaram a avançar sobre a região. Hoje, ocupam 70% dos 100 mil hectares pertencentes ao grupo. Para Loman, a adoção tardia da tecnologia ajudou a compreendê-la melhor e a não acreditar que ela, por si só, resolveria tradicionais problemas da agricultura – como resistência a pragas e ervas daninhas. A região agora produz 3,4 mil quilos de grãos por hectare, acima da média nacional de 3 mil quilos.

O pesquisador Dionísio Pisa Gazziero, da Embrapa Soja (PR), estuda ervas daninhas desde os anos 1970 e sabe que, para contê-las, não há receita que substitua a rotação de culturas com trigo e aveia para a região Sul e o uso de herbicidas com mecanismos diferentes de ação. “Esse é o manual básico da agricultura, não importa a tecnologia empregada”, analisa. Mas o pesquisador reconhece que não é fácil trocar a dobradinha do milho safrinha com a soja por uma cultura menos rentável como a do trigo. “A pressão econômica não deixa outra alternativa”, diz.

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Demanda externa por soja convencional ainda é forte

Há quem diga não para as vantagens propaladas pelas lavouras transgênicas. Mas mesmo entre sojicultores de Mato Grosso, Rondônia e Goiás, Estados que cultivam 72% da área plantada com sementes geneticamente modificadas, há muitos participantes do programa “Soja Livre”, criado pela Embrapa em 2010 para proteger variedades do grão convencional, em parceria com pesquisadores, fábricas de sementes e agroindústrias. Segundo produtores, a opção por sementes não transgênicas tem se mostrado um bom negócio, sobretudo na exportação.

Conforme dados da Associação Brasileira de Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados (Abrange), os países europeus e asiáticos compram do Brasil, em média, 5 milhões de toneladas do grão (18% do total de vendas externas) e 6,5 milhões de toneladas de farelo de soja. O Brasil é o principal fornecedor mundial do produto, com destaque para Mato Grosso, responsável por manter 35% das lavouras convencionais em 24 milhões de hectares. Por essa razão, os sojicultores mato-grossenses reivindicam mais programas de preservação, a fim de viabilizar maior oferta de sementes tradicionais para a região e reduzir o custo de produção.

Conforme cálculos da Abrange com base nos dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agrícola (Imea), o custo médio do grão convencional na última safra foi de R$ 366 por hectare, preço 14,68% inferior aos R$ 429 por hectare do geneticamente modificado. Os sojicultores também não têm gastos com royalties (R$ 0,44 por quilo de semente na compra ou 2% sobre a colheita) pagos à empresa que possui a patente da tecnologia. Nos Estados Unidos, o custo dos royalties é de R$ 1,30 por quilo de semente.

No entanto, não basta semear lavouras tradicionais para garantir a venda diferenciada. É preciso zelar por elas desde a hora do plantio até a colheita, limpar plantadeiras e colheitadeiras, estocar os grãos em galpão seguro e, acima de tudo, separar as duas lavouras (para quem planta convencional e transgênica) por uma barreira formada por vegetação ou talhões de 20 metros.

Pelos padrões internacionais, a contaminação de um lote deve estar abaixo de 0,1%. Se houver um grão (ou mais) de milho ou soja geneticamente modificado a cada mil convencionais, a carga deixa de ser considerada não transgênica, comprometendo a venda. Se tudo correr bem, o produtor de soja convencional receberá entre R$ 2 e R$ 5 a mais pelo preço da saca. (JK)