Especial para a CH On-line/ PR, 05/09/2012
por Mariana Ceccon
EFEITO DOMINÓ
O cultivo de milho transgênico próximo a áreas de mata atlântica pode estar alterando o ecossistema da floresta. De acordo com estudo realizado em Santa Catarina, comunidades de besouros da subfamília Scarabaeinae que vivem perto de plantações do grão geneticamente modificado têm apresentado uma organização funcional diferente da observada em grupos que habitam áreas próximas a cultivos tradicionais.
Esse tipo de besouro, popularmente conhecido como rola-bosta, é tido como um importante bioindicador por ser bastante sensível a modificações em seu hábitat. Apesar disso, é considerado um organismo não alvo, ou seja, que não deveria ser afetado pela presença de plantas transgênicas.
Por se alimentar de matéria orgânica (fezes e carcaças de animais), os besouros escarabeíneos participam diretamente do processo de ciclagem de nutrientes, ou seja, promovem o reingresso de elementos químicos presentes em materiais em decomposição na cadeia alimentar do ecossistema.
Em uma comunidade, eles podem ser classificados em três grupos de acordo com o tipo de comportamento e a função desempenhada: rodadores (movem a matéria orgânica na superfície), tuneleiros (cavam túneis e transportam o alimento para dentro do solo) e residentes (depositam ovos no bolo de matéria orgânica e não participam do deslocamento do alimento).
Em sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, a bióloga Renata Calixto Campos constatou que, em áreas próximas a plantações de milho transgênico, há predominância de besouros residentes, o que foge à estrutura tradicional desse tipo de comunidade: perto de plantios de milho convencional, escarabeíneos tuneleiros são encontrados em maior quantidade.
Campos explica que, em longo prazo, a redução na proporção de besouros tuneleiros resulta em diminuição da remoção de fezes animais, da dispersão de sementes, da incorporação de matéria orgânica pelo solo e, por fim, da regeneração de florestas. “São os besouros tuneleiros que arejam e adubam o solo ao enterrar os bolos de matéria orgânica, promovendo a dispersão de sementes presentes nas fezes”, afirma. “A abundância de besouros residentes pode tornar a renovação de nutrientes da floresta mais lenta.”
Armadilhas
O trabalho de campo foi realizado durante o mês de fevereiro de 2011, no município de Campos Novos (SC). Para fazer a coleta dos besouros, a pesquisadora utilizou armadilhas com iscas feitas de carne de porco em decomposição e fezes humanas e conseguiu atrair cerca de 1,5 mil besouros.
A armadilha consiste em um pote plástico que contém uma solução com detergente em seu interior. Sobre o pote, há uma tampa suspensa por palitos de madeira a uma altura suficiente para a entrada dos besouros. A isca é pendurada na tampa em uma pequena bolsa de tecido. Atraído pelo odor para dentro da armadilha, o inseto acaba imergindo na solução e fica preso ao líquido.
Ao todo foram espalhadas 200 armadilhas em 10 fragmentos de mata atlântica próximos a plantações de milho convencional e em 10 áreas de floresta localizadas perto de plantações de milho transgênico. Os locais foram escolhidos a partir de uma lista fornecida pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina e pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina, com o apoio dos donos das propriedades.
Efeito pouco conhecido
Segundo Campos, ainda não está claro por que as mudanças nas comunidades de besouros ocorreram. Em seu doutorado, a bióloga pretende investigar se a alimentação com milho transgênico altera a composição das fezes de mamíferos e se isso tem relação com a organização funcional dessas comunidades.
“O uso de plantas geneticamente modificadas pode ser uma alternativa no controle de pragas, mas o efeito dos transgênicos em organismos não alvo ao longo da cadeia alimentar ainda é pouco conhecido”, diz a pesquisadora.
O cultivo do milho transgênico no Brasil foi liberado em 2008. Segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Biotecnológicas, em 2011 o cultivo de milho geneticamente modificado no país chegou perto dos 9,1 milhões de hectares, o que já representava quase 65% do total de lavouras do grão.