Notícias da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) | Índia – 2012
Apesar dos esforços dos negociadores do Itamaraty em manter os interesses nacionais relativos aos objetivos de conservação e uso sustentável da diversidade biológica, o Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) buscam desregulamentar ao máximo as pesquisas e facilitar as exportações e importações de transgênicos, em detrimento da biossegurança.
Por Larissa Packer e Fernando Prioste, da COP MOP6, Índia | http://terradedireitos.org.br/
Os 164 países que fazem parte do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança estão reunidos desde o dia 01 de outubro, em Hyderabad, na Índia, pela 6ª (MOP6) vez desde sua entrada em vigor, a fim de garantir o cumprimento Protocolo e da própria Convenção da Diversidade Biológica (CDB), que tem o objetivo de regulamentar a pesquisa e utilização dos transgênicos para prevenir e evitar os riscos a biodiversidade, a saúde humana e aos direitos dos povos e comunidades locais.
Ao contrário dos calorosos debates ocorridos durante a MOP5 em 2010 no Japão, os quais geraram a aprovação de um Protocolo suplementar ao Protocolo de Cartagena, definindo normas administrativas de responsabilidade para os Países e todos os membros da cadeia produtiva de transgênicos em caso de danos gerados nos movimentos de importação e exportação, esta MOP6 não enfrenta muitos debates de conteúdo.
Apesar disso, temas cruciais para o cumprimento da Convenção e do Protocolo estão em discussão neste momento, tais como os recursos financeiros para garantir a sobrevivência e aplicabilidade do Protocolo no contexto de crise das economias centrais, assim como a manutenção das pesquisas sobre avaliação e gestão de riscos à saúde e à biodiversidade e impactos socioeconômicos gerados com uso dos transgênicos, entre outros.
O Brasil fica cada vez mais pressionado nas negociações socioambientais. Isso por ser megadiverso, detentor de cerca de 13% da biodiversidade do planeta com 509 milhões de hectares de florestas nativas que ocupam cerca de 60% de seu território, assim como um dos maiores produtores de commodities agroalimentares do mundo, com 48,7 milhões de hectares de superfície semeados, dos quais 30,3 milhões hectares de transgênicos entre soja, milho e algodão na safra 2011/2012, despontando como segundo maior em área plantada de transgênicos.
Apesar dos esforços dos negociadores do Itamaraty em manter os interesses nacionais relativos aos objetivos de conservação e uso sustentável da diversidade biológica, o Ministério Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) buscam desregulamentar ao máximo as pesquisas e facilitar as exportações e importações de transgênicos, em detrimento da biossegurança.
Embora o MAPA e MCT não se pronunciem nas reuniões abertas entre governo e sociedade civil, promovidas pelo Itamaraty para discutir a posição brasileira, os delegados destes ministérios, que podem ser facilmente vistos ao lado das empresas de biotecnologia, optam por pressionar os representantes do Itamaraty em conversas apartadas.
Em que pese estes ministérios tentarem modificar a posição equilibrada do Itamaraty nas negociações, até agora o Brasil realiza esforços no sentido de garantir recursos para a manutenção dos grupos de trabalho existentes no Protocolo, como o Grupo de Experts em avaliação de riscos, assim como se manifesta favorável a instaurar um novo grupo experts para avaliar os impactos socioeconômicos dos transgênicos, principalmente nos modos de vida dos povos indígenas e comunidades locais que vivem em estreita relação com a biodiversidade.
Apesar destes esforços para manter os grupos de trabalho ativos, o Brasil com grande capacidade de influência entre as partes, vem contribuindo para enfraquecer a força das decisões. Ao trocar termos como “Pede às partes” por “Convida ou Encoraja” as partes, o país influencia que as decisões da MOP6 tornem-se recomendações sem poder vinculante, como no caso em que apenas “convida” as partes a adotar as “Recomendações das Nações Unidas relativas ao transporte de mercadorias perigosas” para os casos em que os transgênicos considerados de alto risco à biodiversidade. Na prática, o termo “convida” desobriga o cumprimento da decisão pelas partes.
Por Larissa Packer e Fernando Prioste, da COP MOP6, Índia
03.10.12 – Equador
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=70986
Transgênicos: Carta a Rafael Correa, Presidente do Equador
Henry Saragih
Coordinador Internacional de La Vía Campesina. International Operational Secretariat:
Adital
Tradução: ADITAL
De La Vía Campesina Internacional
Ao Presidente do Equador, Rafael Correa
México, 30 de setembro de 2012.
Estimado companheiro presidente,
Com saudações fraternas nos dirigimos ao senhor como representantes de organizações camponesas do mundo inteiro, conhecendo as dificuldades que nossos companheiros e companheiras enfrentam a cada dia e tendo experimentado em carne própria as agressões do agronegócio e dos transgênicos, estamos profundamente preocupados com suas recentes declarações públicas em torno à necessidade de abrir o Equador para o cultivo e sementes transgênicas. A Vía Campesina Internacional tem mencionado permanentemente em nossos espaços sobre a conquista do povo equatoriano e de seu governo ao incluir em sua nova Constituição da República do Equador que “A soberania alimentar constitui um objetivo estratégico e uma obrigação do Estado para garantir que as pessoas, comunidades, povos e nacionalidades alcancem a autossuficiência de alimentos saudáveis e culturalmente apropriados de forma permanente”. Além disso, o Artigo 401, onde se indica que “Declara-se o Equador livre de cultivos e de sementes transgênicas”. Por todas as razões acima expostas e por antecedentes que vão se somando de forma permanente, os cultivos transgênicos são incompatíveis com esse mandato constitucional e com o direito que se outorga à natureza.
A Vía Campesina Internacional tem denunciado os efeitos negativos do uso de transgênicos e o atentado à soberania alimentar que isso implica; nos preocupa que qualifique de erro e chame a eliminar um acordo referendado pelo povo equatoriano de maneira democrática e por quase dois terços da população. As organizações camponesas não evadimos o debate; ao contrário: manifestamos nossa vontade de diálogo com o senhor presidente; porém, acreditamos que respeitar os acordos tomados pela vontade do povo equatoriano é importante para assegurar a convivência digna, pacífica e democrática.
Apelamos aos compromissos assumidos pelo senhor no momento da inauguração do V Congresso da Cloc, na cidade de Quito, Equador, no dia 12 de outubro de 2010, quando asseverou que no Equador não se necessitava uma reforma agrária, mas uma revolução agrária, com uma radicalização em função dos mais pobres. Por isso, gostaríamos de apresentar-lhe o seguinte:
– Nossas organizações debateram com base na experiência em diversos lugares do mundo e concluímos, de maneira fidedigna que os cultivos transgênicos somente provocam destruição e despojo; levam á concentração da terra e da riqueza; envenenam nossas famílias, nossos animais, nossos cultivos e a vida em nosso entorno; destroem as fontes de trabalho e nos expulsam da terra;
– Os cultivos transgênicos não alimentam aos povos. Grande parte deles está destinada à produção de combustíveis, razões para animais para a produção industrial e outras matérias primas industriais. E esses cultivos são um dos fatores que a FAO identificou como importantes na anterior crise alimentar e na atual elevação do preço dos alimentos;
– Nos surpreende que o senhor assevere que os cultivos transgênicos podem quadruplicar a produção. Os antecedentes por nós conhecidos, incluídos estudos científicos universitários, indicam que as variedades transgênicas, de fato, são menos produtivas do que as variedades sem a transgenia; e que isso se explica por mecanismos fisiológicos bem conhecidos. Seria de grande utilidade, para informar melhor o debate, se o senhor pudesse informar-nos as fontes que asseveram que os cultivos transgênicos poderiam quadruplicar a produção;
– Mais de 80% dos cultivos transgênicos são resistentes a herbicidas. Não há um só caso de um cultivo transgênico desenvolvido resistente ao frio, à seca ou a outras condições muitas vezes enfrentadas pelas agricultoras camponesas. A realidade dos cultivos transgênicos provocaram o incremento do uso massivo e intensivo de herbicidas e de outros pesticidas. Por exemplo, hoje, a Argentina consome mais de 200 milhões de litros de glifosato, a maior parte das vezes através de aplicações aéreas que afetam, indiscriminadamente, a cultivos, animais, pessoas e plantas silvestres. O Brasil, por seu lado, converteu-se no país com maior uso de agrotóxicos por pessoa em âmbito mundial. O resultado, como bem se tem documentado na Argentina, no Chile, no Brasil e no Paraguai, tem sido o aumento alarmante dos casos de câncer, de enfermidades graves na pele; malformações ao nascer; aumento da taxa de abortos e casos de intoxicação aguda, que têm levado à morte, especialmente de crianças pequenas.
– Se alguma dúvida poderia restar acerca dos efeitos dos cultivos transgênicos, um estudo científico de investigadores franceses e recém publicado nos Estados Unidos, demonstra sem lugar a dúvidas que a exposição ao glifosato –obrigatoriamente associado à maioria dos cultivos transgênicos- e o consumo de transgênicos provoca câncer, alterações hormonais e glandulares, lesões graves ao fígado e aos rins e, finalmente, taxas de mortalidade 2-3 vezes maiores do que as normais, especialmente nas mulheres.
– Apesar da agressividade das empresas que produzem sementes transgênicas e os agroquímicos associados ao cultivo –que, inclusive, têm usado o contrabando massivo para introduzir seus produtos- os cultivos transgênicos são muito poucos (fundamentalmente, soja, milho, canola, algodão), possuem somente duas modificações (resistência a glifosato e produção da toxina B.t.) e são cultivados massivamente em poucos países (Canadá, Estados Unidos, Argentina, Brasil e Índia). E mais, produto do estudo mencionado, a Rússia acaba de proibir a importação de milho transgênico e há diversas iniciativas legais na Europa para proibir totalmente tais cultivos;
– Os cultivos transgênicos não são resposta aos problemas de pobreza enfrentados por milhões de famílias e comunidades camponesas no Equador e no resto do mundo. Ao contrário: aumentam a dependência, nos expulsam da terra, nos deixam sem trabalho, desprezam o valor da produção e destroem as economias locais. Um estudo da Universidade de São Paulo sobre a expansão do agronegócio no Estado de São Paulo, indica que essa expansão levou a uma prosperidade concentrada em mãos de uns poucos, gerando um número cada vez maior de excluídos e o aumento da violência e da marginalização econômica;
– Se o Equador deseja solucionar o problema da alimentação, a solução está em proteger, fortalecer e expandir a agricultura camponesa e tornar efetivo o mandato constitucional da Soberania Alimentar. Um estudo da FAO publicado há somente dois dias indica que 60% dos alimentos na América Latina é produzido por famílias camponesas. Por outro lado, cifras oficiais e da investigação das mais diversas regiões do mundo confirmam uma e outra vez que a agricultura camponesa é mais eficiente e produtiva do que a industrial.
Com essas considerações, temos a segurança de que seu governo soberano será mais sensível ao pedido de milhões de camponeses e camponesas do mundo e não cederá às intenções das transnacionais, como a Monsanto, de converter a alimentação em uma mercadoria a mais, esperamos que esse pedido e recomendação sejam positivamente atendidos por seu governo que tem o mandato do povo equatoriano de governar em defesa dos interesses soberanos do povos.
Em nome da Comissão Coordenadora Internacional da Vía Campesina Internacional,
Saudações, fraternalmente,
Henry Saragih
Coordenador Internacional de La Vía Campesina