FOLHA DE SÃO PAULO, 09/10/2012
Os produtores de soja e de algodão de Mato Grosso não precisam mais pagar royalty pela utilização das sementes de soja Round Ready (RR) e de algodão Bollgard 1 (BT). As tecnologias foram desenvolvidas pela Monsanto.
A suspensão foi garantida por uma liminar da Justiça de Mato Grosso, avaliada na Vara Especializada em Ação Civil Pública de Cuiabá, e estará em vigor até o julgamento do mérito do recurso.
A ação foi proposta pela Famato (federação de agriculde Mato Grosso) e por outros 24 sindicatos rurais, com apoio da Aprosoja (associação de produtores de soja).
Pesquisa feita por um escritório paulista, a pedido dos produtores, mostra que a patente dessas tecnologias venceu em agosto de 2010 e, agora, são de domínio público.
Carlos Fávaro, presidente da Aprosoja, e Seneri Paludo, diretor-executivo da Famato, são unânimes em afirmar que os produtores não são contra o pagamento de royalties.
“Quem desenvolver uma nova tecnologia tem direito de receber por ela”, afirma Fávaro.
“É preciso ficar bem claro que essa ação é diferente de outras e não discute o pagamento de royalty, que é legítimo, mas o de uma patente que já venceu”, diz Paludo.
Conforme a decisão judicial, os produtores pagaram royalties indevidamente por duas safras -2011/12 e 2012/13. Paludo diz que a ação não entra no mérito do passado. A decisão fica a critério de cada produtor.
Famato e Aprosoja não quiseram se manifestar sobre valores pagos pelos produtores indevidamente. Até porque não há certeza de quanta soja transgênica é semeada.
Avaliações do mercado indicam, no entanto, que essas duas tecnologias podem significar royalties de R$ 1,5 bilhão por ano no país.
Para os dois executivos, a comunicação com a Monsanto não está encerrada.
OUTRO LADO
A Monsanto informou que não foi notificada e que considera ter direito de ser remunerada por suas tecnologias.
Segundo a empresa, essas tecnologias foram patenteadas e estão protegidas pelas regras de revalidação previstas na Lei de Propriedade Intelectual.
A Monsanto diz estar confiante em seus direitos de cobrança até 2014, conforme a legislação em vigor.
TRANSGÊNICOS, PODERES, CIÊNCIA, CIDADANIA1
Gilles-Eric Séralini
Os poderes técnicos, científicos, médicos, sociais, jurídicos, militares, econômicos e políticos são todos, em um momento ou outro, inclinados para que a genética os utilize a seu modo.
Atualmente, focalizam-se diretamente sobre os genes. O balanço provisório é inquietante.
Os poderes técnicos criam genes artificiais na integralidade a partir de construções quiméricas que permitem transpor as barreiras das espécies. As mesmas técnicas permitem ainda clonar ou detectar um traço ínfimo de gene sobre uma maçaneta de
porta ou em um alimento. Os poderes científicos asseguram o domínio da biologia molecular sobre os diferentes aspectos das ciências da vida. Ela é mais ávida de créditos e de cargos que as outras especialidades e pode até mesmo influenciar comitês de ética. Orienta as pesquisas, os desenvolvimentos práticos ou industriais. Aliada à informática, a biologia dominará a vida do cidadão do século 21. Os poderes médicos favorecem as grandes arrecadações de fundos públicos para a genética, sem que isso possa trazer, desde muitos anos, resultados à altura das promessas, como a terapia gênica, por exemplo.
Os poderes sociais, as seguradoras, os empregadores e os banqueiros se apropriam da genética para fins duvidosos. Os poderes jurídicos, como a Corte Suprema nos Estados
Unidos ou a Corte da Justiça Europeia, decidiram aceitar as patentes sobre os genes, e obviamente sobre os organismos vivos, o que é uma revolução incomensurável, e, além disso, são esses poderes jurídicos que autorizam ou não, no final, em caso de conflito, os Estados a plantarem os OGMs. Apelam por vezes a toda onipotência dos testes genéticos para tomarem suas decisões.
Os poderes militares apontam suas armas e defesas utilizando os genes, menos caros, mais fáceis de serem manipulados do que as armas nucleares e capazes de se reproduzir. Da luta contra o bioterrorismo ao controle agrícola ou genético, há apenas um passo. A caixa de Pandora das armas biológicas está aberta.
Os poderes econômicos vibram de prazer: o ser vivo será patenteado graças aos genes dos quais se tornarão proprietários privados; seus bens se estendem à agricultura, à aquicultura, aos animais de criação e, certamente, à farmácia. As empresas, pela primeira vez, tornam-se donas de direitos de reprodução de organismos vivos. Sem contar que oferecem as modificações genéticas e a clonagem a la carte.
Os poderes políticos subservientes aos interesses econômicos ditam regulamentações que apresentam atraso em relação aos avanços das técnicas; eles autorizam a disseminação dos OGMs no meio ambiente, a clonagem das células embrionárias e são, sobretudo, responsáveis pelo maior ou menor rigor nos controles.
Estão esses poderes sendo inocentemente aconselhados pelos poderes científicos, cujos interesses econômicos cruzam com as biotecnologias? Os políticos de todas as partes vêm estimulando há tempos esse casamento ilegítimo.
Transgênicos para quem? Agricultura, Ciência e Sociedade/ Magda Zanoni ; Gilles
Ferment (orgs.) ; – Brasília : MDA, 2011.
Vandana Shiva – O TEMPO E O MODO
http://www.youtube.com/watch?v=-xi_4Lc5mqs