A reporagem abaixo mostra que além de as patentes do sistema Roundup Ready serem de propriedade da Monsanto, o desenvolvimento das cultivares usadas no Sul do Brasil é cada vez mais feito por argentinos. Pergunta: onde está o progresso científico e todo o avanço que a suposta revolução tecnológica dos transgênicos traria? Instituições brasileiras como a Embrapa caíram no canto da sereia e estão ficando para trás. Não se trata de perder o bonde, como disse um dos entrevistados, mas sim de pegar o bonde errado.

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VALOR ECONÔMICO, 25/10/2012

É cada vez maior o domínio argentino no negócio de sementes geneticamente modificadas de soja no Sul do Brasil. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, cerca de 70% desse mercado está nas mãos de companhias que usam germoplasma desenvolvido no país vizinho. Conjunto de genótipos (grupos de genes) de uma espécie, o germoplasma pode ser considerado a fonte de variabilidade genética disponível para o melhoramento das plantas.

Segundo a consultoria Céleres, a área plantada com soja transgênica deve alcançar 23,9 milhões de hectares na safra 2012/13 no país (88,1% da área total que será semeada com o grão) e o Sul responderá por 8,8 milhões. Assim, o cultivo com germoplasma argentino na região deverá atingir 6,2 milhões de hectares.

Segundo a Céleres, o mercado de transgenia no Brasil movimentou US$ 350 milhões em 2011, dos quais US$ 162 milhões referiram-se às empresas que comercializam germoplasma. A Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem) não tem um levantamento específico sobre as lavouras de soja, mas informa que o mercado total de sementes no Brasil chega a US$ 4,5 bilhões/ano.

Narciso Barison Neto, presidente da Abrasem, lembra que as sementes de soja com genótipos desenvolvidos na Argentina começaram a dominar o Sul do Brasil há quase uma década e de forma ilegal, já que as sementes transgênicas ainda eram proibidas por aqui. De lá para cá, só conquistaram mais espaço.

“Em 2003, quando o uso de transgênicos foi liberado no Brasil, os produtores paranaenses e de outras regiões do Sul já conheciam bem o produto argentino. O que ocorreu foi uma consolidação do mercado com essas empresas”, diz Barison. Ele ressalta, porém, que apesar de as duas principais companhias que atuam a região terem produtos de origem argentina, contam também com fábricas instaladas no Brasil e desenvolvem produtos no país.

Apenas a Brasmax, companhia brasileira comprada integramente pela argentina Don Mario, em 2009, tem 60% do mercado sulista de sementes de soja geneticamente modificadas. Outros 10% estão nas mãos da Nidera, sediada nos Países Baixos. A companhia desenvolveu o germoplasma de soja na Argentina, onde atua desde 1988 como trading, e em 2005 comprou a divisão de sementes da Bayer no Brasil.

Essas empresas trabalham com sementes precoces e de “hábito indeterminado”, que se tornaram vitais para os sojicultores sulistas. O tipo precoce foi desenvolvido para que a florada da planta seja mais rápida e que em 100 dias, em média, a soja esteja em ponto de colheita, ante os 140 do ciclo tradicional.

Já o “hábito indeterminado” se caracteriza pela continuação do crescimento vegetativo da planta mesmo após o início do florescimento, o que permite maior resistência a intempéries climáticas. Na soja de crescimento determinado (usada tradicionalmente), a planta para de crescer quando nascem as flores.

“A precocidade permite que o ciclo de plantio seja mais rápido e dá espaço para que os agricultores possam plantar o milho safrinha [de inverno], explica Barison.

Robson Mafioletti, engenheiro agrônomo e assessor da Ocepar, entidade que representa as cooperativas do Paraná, acrescenta que as sementes precoces e de hábitos indeterminados são mais resistentes às geadas e ao frio intenso, comuns no Sul. “Os argentinos criaram o tipo de semente ideal para o nosso clima, por isso dominam o mercado”.

Em contrapartida, diz Mafioletti, o rendimento dessa soja é entre 3% e 5% menor que a de hábitos mais longos. “Mas essa pequena perda é compensada pelos ganhos com a safrinha de milho”, diz. A produtividade para o Estado do Paraná é calculada entre 50 e 55 sacas por hectare para a produção “normal” e entre 48 e 53 sacas para a soja plantada precocemente, em setembro.

O desenvolvimento de produtos focados em climas mais frios faz com que as empresas de capital argentino não consigam avançar no mais importante Estado produtor de soja do país, Mato Grosso. “Temos a ínfima participação de 2% em toda a área brasileira de Cerrado [inclui Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e áreas de Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia], mas o objetivo de conquistar mais espaço em 2013/14. Para isso, estamos investindo na nossa força de vendas e em novos cultivares de soja”, diz Santiago Schiappacasse, presidente da Brasmax no Brasil.

A Brasmax trabalha com licenciamento e revende as sementes por meio de empresas multiplicadoras. No Paraná, as principais multiplicadoras são as cooperativas. Schiappacasse explica que, atualmente, a Don Mario tem diferentes linhas de pesquisa em diversos países da América do Sul. “As novas descobertas de cada país complementam os produtos que são vendidos em toda a região”.

Segundo a Céleres, a Brasmax tem aproximadamente 25% do mercado nacional de sementes transgênicas de soja. Monsanto e DuPont respondem por 20% cada uma, seguidas por Nidera e TMG, cada uma com cerca de 10%. “As brasileiras Embrapa e Coodetec só não têm uma fatia maior de mercado porque até 2003 eram proibidas de desenvolver soja transgênica e perderam o bonde”.

Independentemente da empresa vendedora, a tolerância ao glifosato desenvolvida pela Monsanto está presente em todas essas sementes de soja geneticamente modificadas.

 

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