Por IHU – Unisinos, 30/11/2012
A seca mais intensa dos últimos 30 anos coloca em pauta temas como a convivência com o semiárido e aponta uma preocupação especial em relação às sementes crioulas características de cada município da região Nordeste. Segundo Antônio Barbosa, em consequência da seca e da falta de uma política pública de incentivo aos agricultores, muitas sementes estão desaparecendo e a recuperação das espécies pode demorar de sete a dez anos. Nesse sentido, as políticas públicas “introduzem novas sementes, quando na verdade deveriam partir de uma lógica de resgate, no sentido de apoiar casas e bancos de sementes familiares, sobretudo comunitários”, informa.
Diante desse cenário, outra preocupação é com o aumento da produção agrícola transgênica no semiárido. “Atransgenia tem avançado de forma ilegal, especialmente em algumas culturas específicas, como o feijão”. De acordo com Barbosa, o litoral do Nordeste é o canal de entrada das sementes na região. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, ele esclarece que o “avanço da transgenia não passa necessariamente pelos agricultores. Existe uma distribuição de sementes em pequena escala”. A preocupação, enfatiza, é que “em um período de seca como esse, onde os agricultores perdem suas sementes, haja um avanço das sementes transgênicas”. E dispara: “Se antes nossas sementes não tinham nenhum apoio do Estado, hoje elas são ameaçadas por ele”.
Antônio Barbosa é coordenador do programa Uma Terra e Duas Águas, da Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o conceito de semente crioula adotado pela Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, e como ela facilita a convivência no o semiárido?
Antônio Barbosa – A ASA e um conjunto de organizações do Brasil têm trabalhado com a perspectiva das sementes crioulas. O semiárido tem várias características. Costumamos dizer que existem vários semiáridos. AEmbrapa Semiárido menciona pelo menos 160 tipos de semiáridos. Dentro desse contexto diverso, trabalhamos com a semente crioula, aquela produzida localmente, ou seja, a semente da comunidade de um município. Ela não tem só a ver com o tipo de produção da semente; está associada também à identidade, com a forma como a comunidade a percebe. Portanto, a semente crioula é aquela que a comunidade produz, conhece, sabe qual é o melhor período para plantar e como a semente irá se comportar nas diversas regiões plantadas.
IHU On-Line – Existe uma diversidade de sementes crioulas de acordo com cada região do semiárido?
Antônio Barbosa – Sim. Há uma diversidade grande de sementes crioulas, especialmente na região Amazônica. O Nordeste possivelmente é a região onde se tem a maior variedade de sementes do país, porque 50% das famílias que vivem no meio rural encontra-se nesta região. Elas mantiveram várias características da agricultura tradicional, e por conta disso conseguiram cultivar culturas variadas, como feijão, fava, hortaliças, amendoim e gergelim.
Quando falamos de sementes, não estamos falando apenas de semente vegetal, mas também nos referimos aos animais. De cada dez caprinos que existem no Brasil, pelo menos oito estão na região do semiárido.
IHU On-Line – As famílias conseguem garantir a subsistência somente a partir do cultivo das sementes crioulas?
Antônio Barbosa – Inicialmente sim. Mas o cultivo das sementes crioulas também depende das políticas públicas. Então, dependendo da forma como for constituída, ela poderá fortalecer os sistemas de semente crioula ou desestruturá-los. Hoje, parte da Política Nacional de Sementes nega a semente crioula, negando a identidade das famílias portanto.
Muitas sementes já foram distribuídas pelo governo via Embrapa, quebrando com essa tradição das famílias utilizarem a semente crioula. Mesmo assim, a maioria dos agricultores, mais de 1,5 milhão de famílias que vivem no meio rural, cultivam suas próprias sementes.
Nesse ano, em que nós estamos vivendo uma das maiores secas dos últimos 30 anos, muitas sementes estão desaparecendo, e vai levar certo tempo para recuperá-las. Nesse sentido, as políticas públicas introduzem novas sementes, quando na verdade deveriam partir de uma lógica de resgate, no sentido de apoiar casas e bancos de sementes familiares, sobretudo comunitários.
IHU On-Line – 1,5 milhão de famílias representa que percentual?
Antônio Barbosa – Existem quatro milhões de famílias no meio rural. Dessa, dois milhões estão no Nordeste. Então, quando falo de 1,5 milhão, me refiro a mais de ¼ das famílias que cultivam sementes crioulas.
IHU On-Line – Existe uma política pública que favorece o uso da semente crioula?
Antônio Barbosa – Não existe nenhuma política pública do governo federal de manutenção das sementes crioulas. Existe uma política, que faz parte do programa Brasil sem Miséria, pela qual o governo tem trabalhado numa perspectiva de sementes “melhoradas da Embrapa”. Eles trabalham com duas, três ou, no máximo, quatro variedades de sementes, que são distribuídas para os agricultores. Não estou dizendo que não sejam boas sementes, mas elas não são conhecidas historicamente pelos agricultores, porque não foram cultivadas, armazenadas e guardadas por eles.
As iniciativas de valorização das sementes crioulas ainda são incipientes, e realizadas pela Companhia Nacional de Abastecimento – Conab. Temos perspectivas de que a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânicaincentive o uso das sementes crioulas, porque elas são a base de tudo: da produção, da organização. A perspectiva de a humanidade deixar de ser nômade e sedentária só foi possível graças às sementes, ou seja, a partir do momento em que eu domestico minha semente, conhecendo-a e sabendo como ela funciona, é ela que me permite mudar determinada forma de comportamento.
IHU On-Line – Como mantém os bancos de sementes crioulas?
Antônio Barbosa – Nós temos um conjunto de iniciativas de manutenção de bancos comunitários de sementes, e as famílias guardam aquelas que têm. Boa parte das famílias estoca semente em casa, em um banco familiar. Além disso, temos aproximadamente mil bancos comunitários com variedades significativas. Mas essas são iniciativas que ocorrem no campo da sociedade civil, com pouco apoio parlamentar. Neste momento, precisamos de uma política que apoie novos estoques de sementes.
IHU On-Line – Como as sementes crioulas sobrevivem ao uso de agrotóxico e da transgenia? Aumentou o uso de sementes transgênicas no semiárido?
Antônio Barbosa – A transgenia tem avançado de forma ilegal no semiárido, particularmente em algumas culturas específicas tais como o feijão. A ASA está trabalhando para em 2013 coletar sementes no semiárido e fazer teste de transgenia. Percebemos que existe um avanço significativo; por isso solicitamos ao governo federal áreas livres de transgênicos.
IHU On-Line – Os transgênicos prejudicam a produção orgânica?
Antônio Barbosa – O algodão transgênico pode interferir na produção do nosso algodão. O problema é que as sementes transgênicas têm entrado pelo litoral, pelo porto de Recife, pelo porto de Fortaleza, pelo Rio Grande do Norte e Natal. Ou seja, existe um avanço significativo das sementes transgênicas que interferem diretamente na nossa produção.
IHU On-Line – Quais são as cultuas transgênicas cultivadas no semiárido?
Antônio Barbosa – O milho transgênico tem avançado significativamente. A soja também, mas os agricultores não têm o hábito de plantar muita soja. Porém, a transgenia aumentou nas culturas de algodão, arroz e feijão, sendo esta última uma das culturas mais fortes no semiárido.
IHU On-Line – Como os agricultores se manifestam em relação ao uso da semente transgênica?
Antônio Barbosa – O avanço da transgenia não passa necessariamente pelos agricultores. Existe uma distribuição de sementes em pequena escala. A nossa preocupação é que em um período de seca como este, em que os agricultores perdem suas sementes, haja um avanço das sementes transgênicas. Por isso digo que a introdução dessas sementes é uma ação clandestina, porque os agricultores não sabem que estão recebendo sementes transgênicas. Precisamos fiscalizar e fazer um levantamento do que significa as sementes transgênicas para osemiárido hoje. Os agricultores são contra o uso dessas sementes, mas o Estado brasileiro pode, de forma irresponsável, introduzir variedades de sementes transgênicas.
IHU On-Line – Quais as expectativas em relação à aprovação da Política Nacional da Agroecologia e Produtos Orgânicos para o semiárido? Como as sementes crioulas são abordadas nesta Política?
Antônio Barbosa – A lei que rege a questão de sementes privilegia as sementes híbridas, as sementes transgênicas. No entanto, a recente Política Nacional da Agroecologia e Produtos Orgânicos reconhece as sementes crioulascomo sementes. Antes isso não acontecia. Então, uma das conquistas da política pública é reconhecer a semente crioula como tal. Por outro lado, a Política Nacional permite a comercialização dessas sementes, e não a troca, tal como estava previsto. O fato de reconhecerem as sementes foi uma grande vitória, porque nos permite debater numa perspectiva conceitual o significado da semente crioula para as comunidades agrícolas. Isso também ajudará os agricultores, porque até então o banco não fornecia empréstimo para investimento em semente crioula.
IHU On-Line – Quais são as maiores dificuldades e desafios de convivência com o semiárido, considerando a seca deste ano?
Antônio Barbosa – Um dos principais desafios é repor as sementes dos agricultores, que foram perdidas, e os animais, porque eles são a base da economia local, da economia familiar. Os agricultores guardam seus animais não para comer ou vender, mas como poupança, ou seja, se adoecer um filho, vendem o animal para comprar remédio. Então, a base da economia local são os animais. Por causa da seca, os sertanejos estão perdendo os animais e as sementes. O governo brasileiro deveria criar uma política que possibilitasse a recuperação dos animais e das sementes. Isso porque, quando se perde o rebanho, demora-se em torno de seis a dez anos para recuperá-lo. No caso das sementes, algumas não se recuperam mais.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?
Antônio Barbosa – As famílias precisam fazer um esforço considerável de manter suas sementes, de discutir emcomunidade, estocar sementes para evitar o uso dos transgênicos. Se antes nossas sementes não tinham nenhum apoio do Estado, hoje elas são ameaçadas por ele. Elas estão correndo perigo. Defendê-las não é uma questão só da família sertaneja; defendê-las é uma questão nacional, porque elas são um patrimônio genético.
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Valor Econômico – 03/12/2012
Em Brasília, a bancada ruralista da Câmara dos Deputados já se mobilizou para tentar reverter as restrições à pulverização aérea. Na terça-feira passada, um grupo de parlamentares encabeçado pelo presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Homero Pereira (PSD/MT), reuniu-se com o secretário-executivo do Ministério da Agricultura, José Carlos Vaz, e entregou um ofício ao ministro Mendes Ribeiro solicitando a modificação da proibição.
“Ficamos indignados com a posição que o Ministério da Agricultura vem adotando em relação a esse assunto, inclusive referendando medidas adotadas por outros órgãos que não enxergam com bons olhos o segmento produtivo rural”, afirmou Pereira. Dessa maneira, de acordo com o deputado, o setor se sente desprotegido. Ele pede uma postura “firme e decidida” do Ministério da Agricultura em defesa dos agricultores.
Na correspondência, Homero sugere ao ministro Mendes Ribeiro um esforço para o fortalecimento do agronegócio brasileiro. “Apesar de tantos êxitos, esse segmento [agropecuário] não tem merecido a devida atenção e a simpatia dos outros setores”, reclamou Pereira.
Representantes de produtores rurais prepararam um documento que será entregue ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ao Ministério da Agricultura em que afirmam que a pulverização não põe em risco as abelhas na região Centro-Oeste do país. De acordo com o documento, foram feitos estudos no Sudeste, pela presença da apicultura associada aos pomares de laranja.
Além disso, os produtores dizem ser “impossível” atender à medida. A explicação, de acordo com eles, está no tamanho das propriedades de soja. Algumas delas têm dezenas de milhares de hectares, o que inviabiliza a pulverização por maquinário terrestre.
“Não existem máquinas suficientes. Além disso, com o solo encharcado ninguém conseguiria entrar com veículos em uma lavoura”, afirmou ao Valor Glauber Silveira, presidente da AprosojaBrasil, entidade que representa produtores de soja.
http://www.valor.com.br/empresas/2925592/bancada-ruralista-combate-medida#ixzz2E4idjLSg