Juliana Ferreira – 19/11/2009
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.148, de 2008, de autoria do deputado Luis Carlos Heinze, que pretende negar o direito do consumidor à informação sobre a presença de transgênico. Este projeto propõe alterar e acrescentar dispositivos ao artigo 40 da Lei de Biossegurança – Lei 11.105, de 24 de março de 2005. A redação atual deste dispositivo legal determina que:
“Art. 40. Os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.”
O Decreto 4.680/03 regulamenta este dispositivo e dispõe sobre a rotulagem desses alimentos, exigindo a informação tanto nos produtos embalados como naqueles vendidos a granel ou in natura, sejam eles destinados ao consumo humano ou animal.
Este decreto estabelece que no rótulo, embalagem ou recipiente do produto alimentício, deverá constar em destaque um símbolo criado para designar a presença de transgênico e uma das seguintes expressões: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)” ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”. Outra informação relevante que deve constar no rótulo, de acordo com o Decreto, é a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.
O decreto ainda estabelece que os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer em seu rótulo a expressão: “(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico” ou “(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico”.
O Ministério da Justiça, através da Portaria 2.658, de 22 de dezembro de 2003, estabeleceu um símbolo para facilitar a identificação do consumidor quanto a esta característica do produto. Este símbolo, que deve constar no rótulo dos alimentos transgênicos, consiste em um triângulo com a letra “T” em seu interior, sendo suas bordas e a letra na cor preta e o seu fundo interno na cor amarela.
Apesar de assegurar o direito à informação dos consumidores, esta regulamentação ainda não é ideal, principalmente pois estabelece que a informação é obrigatória somente se houver mais que 1% de alimento ou ingrediente transgênico. Por essa restrição violadora do direito básico assegurado pelo Código de Defesa do Consumidor, o Idec e o Ministério Público Federal intentaram uma ação civil pública julgada favorável em 1ª instância para garantir a informação, independentemente do percentual de ingrediente transgênico no alimento. Outras ações estão em tramitação no país com o fim de preservar esse direito básico do consumidor.
O PL 4.148/2008, em questão, propõe que o artigo 40 da Lei de Biossegurança passe a ter a seguinte redação:
“Art. 40. Os rótulos dos alimentos destinados ao consumo humano, oferecidos em embalagem de consumo final, que contenham organismos geneticamente modificados, com presença superior a 1% de sua composição final, detectada em análise especifica, deverão informar o consumidor, a natureza transgênica do alimento.
§ 1º. A informação estabelecida neste artigo deve constar nos rótulos dos alimentos embalados na ausência do consumidor, bem como nos recipientes de alimentos vendidos à granel ou in natura diretamente ao consumidor, devendo ser grafada, em destaque, de forma legível, utilizando-se uma das seguintes expressões, dependendo do caso: “(nome do produto) transgênico” ou “ contém (nome do ingrediente) transgênico”.
§ 2°. Aos alimentos que não contenham organismos geneticamente modificados será facultada a rotulagem “ livre de transgênicos”, desde que tenham similares transgênicos no mercado brasileiro e comprovada a total ausência no alimento de organismos geneticamente modificados, através de análise específica.
§ 3º. O direito à informação para os alimentos que envolvam organismos geneticamente modificados está disciplinado exclusivamente neste artigo e a sua não observância implicará na aplicação das penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor e demais normas aplicáveis.
Portanto, comparando-se a regulamentação atualmente vigente e o Projeto de Lei em questão, pretende-se, em suma: 1) não obrigar a informação sobre a presença de transgênico no rótulo se não for possível sua detecção pelos métodos laboratoriais, o que exclui a maioria dos alimentos (como papinhas de bebês, óleos, bolachas, margarinas); 2) não obrigar a rotulagem dos alimentos de origem animal alimentados com ração transgênica; 3) excluir o símbolo T que hoje permite a fácil identificação da origem transgênica do alimento (como tem se observado nos óleos de soja); e 4) não obrigar a informação quanto à espécie doadora do gene.
O deputado autor deste projeto justifica-se inclusive questionando a atuação de organizações de defesa do consumidor, chegando ao absurdo de afirmar que “algumas organizações, sob o pretexto de informar o consumidor, pretendem que o rótulo do alimento funcione como ferramenta de contra propaganda, intuito com o qual a legislação em vigor tem ido de encontro, ao estabelecer frases e símbolo, sem conteúdo esclarecedor, ora inúteis, ora desinformantes, o que, em verdade, leva o consumidor a uma situação exatamente contrária àquela objetivada pela Lei 8.078/90”.
Porém, fica evidente que este Projeto de Lei fere o direito à escolha e à informação assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor. É bom que fique claro que não se trata, neste momento, de discutir a segurança alimentar dos produtos transgênicos, mas o direito puro e simples à informação e à escolha do que consumir.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, inciso III, é expresso ao prever que é direito do consumidor ser informado de forma clara sobre os produtos que lhe são oferecidos, inclusive alimentos, devendo as embalagens e rótulos conter especificações corretas de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que o alimento apresenta. Além disso, determina que as informações apresentadas nos rótulos e embalagens devem ser claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, inclusive quanto à origem do produto alimentício (artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor).
Portanto, a informação plena é direito assegurado pela Lei nº 8.078/90: independentemente de risco, é direito do consumidor ser informado e poder escolher se quer ou não consumir um alimento transgênico.
A proposta em questão ainda prejudica o controle adequado dos transgênicos, já que a rotulagem de transgênicos é medida de saúde pública relevante para permitir o monitoramento pós-introdução no mercado e pesquisas sobre os impactos na saúde, bem como viola o direito dos agricultores e das empresas alimentícias que optam por produzir alimentos isentos de ingredientes transgênicos.
Por fim, tal Projeto de Lei descumpre compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no âmbito do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança que demanda que os países membros adotem medidas para assegurar a identificação de organismos vivos modificados nas importações/exportações, destinados à alimentação humana e animal (artigo 18. 2. a) – para tornar obrigatória a adequada identificação das cargas a partir de 2012 (decisão BS-III/10, item 7).
Por fim, esta iniciativa ignora a vontade da população que, segundo diversas pesquisas de opinião, já declararam que querem saber se um alimento contém ou não ingrediente transgênico (74% da população – Ibope, 2001; 71% – Ibope, 2002; 74% – Ibope, 2003; e 70,6% – Iser, 2005).
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que acompanha a introdução dos alimentos geneticamente modificados no país desde 1996 e batalha principalmente para garantir o respeito à saúde dos consumidores, ao meio ambiente saudável e a rotulagem destes alimentos, está atento ao andamento deste Projeto de Lei e, inclusive, assinou juntamente com outras 56 organizações, como o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, o Brasilcon – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, o IBAP – Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, o IEDC – Instituto Estudos Direito e Cidadania e o Ministério Público do Estado de São Paulo – Centro de Apoio Cível e de Tutela Coletiva – Área do Consumidor, a Moção pelo Direito de Saber (disponível no site), que foi entregue nesta quarta-feira (18/11) aos deputados, buscando garantir a preservação do direito de informação dos consumidores junto à Câmara dos Deputados.
Espaço do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em Última Instância