Por Antonio Martins | Outras Palavras, 05/02/2013.
Às vésperas de novo aniversário, empresa pública de pesquisa agrícola comemora grandes feitos, mas parece viver contradições semelhantes às que marcam campo brasileiro — em especial, favorecimento ao agronegócio
No próximo 26 de abril, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária — Embrapa — completará quatro décadas de existência. A proximidade da data deveria estimular um conhecimento mais profundo sobre esta organização emblemática, e um debate a respeito de seus papéis atuais e futuros. Alguns textos recentes podem ajudar a fazê-lo.No início do mês, a BBC Brasil passou a publicar uma série de reportagens e entrevistas sobre a empresa [1 2 3], produzidas pelo repórter João Fellet. As matérias colocam em foco uma contradição lateral. Lembram que a empresa alcançou, desde 1973, feitos tecnológicos e econômicos de grande relevância. Promoveu, graças a pesquisas incessantes, a adaptação inúmeras espécies de plantas e animais às condições climáticas e de solo do Brasil. Tornou-se personagem central em algumas conquistas marcantes. No momento em que foi criada, o país importava alimentos básicos como leite, arroz e feijão. Quarenta anos depois, tornou-se um dos grandes exportadores agrícolas globais. Entre 1980 e 2013, a produção agrícola mais que triplicou, passando de 50 para 160 milhões de toneladas atuais.
O impasse, segundo os textos de Fellet, foi provocado pela internacionalização da empresa. A partir de 2003, a Embrapa teria sido estimulada a uma expansão global para a qual não estava preparada. Instalou-se em 22 países africanos, em boa parte por estímulo do governo Lula. Este esforço possivelmente reduziu sua capacidade de buscar soluções para problemas brasileiros. Um conjunto de estudiosos entrevistados pela BBC sustenta que faltam, por exemplo, soluções técnicas para desenvolver formas de agricultura não-devastadoras na Amazônia, ou para reduzir a dependência que o país ainda mantém em relação aos fertilizantes importados.
Embora produzido há mais tempo, um segundo grupo de textos parece examinar um problema mais central. Em outubro de 2011, impressionado pelo fato de a Embrapa ter obtido aprovação para uma variedade de feijão transgênico desenvolvida em seus laboratórios, o jornalista João Peres, editor da Rede Brasil Atual, procurou investigar a relação da estatal com o modelo agrícola hegemônico no país — dominado pelo grande agronegócio.
Numa das matérias, João debate especificamente os pontos de vista segundo os quais a agricultura brasileira necessita da transgenia. Ele lembra que o argumento principal em favor do novo feijão — ser resistente à praga “mosaico dourado”, dispensando o uso de pesticidas — é relativo. O mosaico só surgiu nos anos 1980, quando a expansão descontrolada das lavouras de soja destruiu agentes que faziam seu controle natural.
No outro texto, o jornalista aborda, de forma ainda mais direta, o que vê como distorção do papel da Embrapa. Atraída pela força do agronegócio, a empresa teria passado a direcionar a maior parte de seus recursos (cerca de 1,8 bilhão de reais ao ano) e técnicos (9,8 mil funcionários, dos quais 2,4 mil pesquisadores) para alcançar objetivos que interessam especificamente aos grandes produtores. “O mercado é quem, no fim, impõe o que é importante para as pesquisas”, ouviu João de um pesquisador da empresa. Segundo este, haveria, no entanto, resistências. Embora menos favorecida, teria se mantido atuante, na Embrapa, uma cultura de trabalho em favor dos pequenos produtores e suas necessidades.
Nos próximos meses, valerá aprofundar este debate. A partir das reflexões que ele suscita, talvez seja possível dar um passo além: imaginar quais seriam as linhas de trabalho de uma Embrapa em sintonia com um novo padrão de desenvolvimento agrícola. Uma empresa pública capaz, por exemplo, de encontrar soluções que qualifiquem a ação dos pequenos agricultores e cooperativas; de buscar alternativas ao uso brutal de agrotóxicos; de estimular a produção nas áreas degradadas resultantes do deflorestamento; de valorizar e tirar proveito da imensa biodiversidade brasileira.