O agronegócio quer substituir a legislação de acesso e o Protocolo de Nagoya pelas regras mais amenas do Tratado da FAO sobre Recursos Fitogenéticos.
O MMA pensa em mudar a atual legislação de acesso (a MP da Novartis), mas só para agilizar a pesquisa e a exploração dos recursos genéticos.
No Congresso Nacional, a ratificação pelo Brasil do Protocolo de Nagoya pode ficar refém dos interesses da bancada do agronegócio.
Nesta matéria não há a mais mínima referência a direitos do agricultor sobre as sementes ou das comunidades sobre os recursos genéticos em geral, e conhecimentos associados.
– Enviado por David Hathaway
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Câmara dos Deputados, 03/04/2013
Técnicos dos ministérios da Agricultura; do Meio Ambiente; e de Relações Exteriores não chegaram a um consenso nesta quarta-feira (3), em audiência pública na Câmara, a respeito da posição a ser defendida pelo Brasil na próxima reunião da FAO sobre recursos genéticos no dia 15 de abril, em Roma. O encontro na capital italiana vai servir para analisar o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (Tirfaa), do qual o País faz parte desde 2008.
Apesar de defenderem propostas convergentes em certos pontos, os debatedores não chegaram a uma unidade. A concordância se deu em torno da necessidade de ampliar a abrangência do Tirfaa, que atualmente envolve apenas 64 cultivares – sementes de plantas melhoradas geneticamente – e deixa de fora espécies importantes para o agronegócio nacional como soja, café e cana de açúcar.
De acordo com o Tirfaa, cada signatário pode acessar e fazer uso de um banco de cultivares compartilhado para fins de pesquisa e melhoramento genético. Se um país produzir melhoramentos em uma variedade que integra o Tirfaa e, em seguida, decidir restringir o uso da nova variedade por meio de patente, ele fica obrigado a pagar uma compensação ao sistema multilateral composto pelos demais signatários. Por outro lado, se a nova variedade for disponibilizada a todos os signatários, o país desenvolvedor fica dispensado da repartição de benefícios.
O deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), que propôs a reunião na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Regional, destacou a importância de definir a posição brasileira sobre o Tirfaa antes que o País ratifique os termos do Protocolo de Nagoia, que dispõe sobre o mesmo assunto e aguarda aprovação do Congresso. Colato sugeriu um novo encontro, a ser coordenado pelo Itamaraty, para tentar conciliar as visões dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.
“Somos favoráveis ao avanço imediato das negociações, inclusive com a expansão do tratado para que ele atinja todas as espécies”, disse o assistente jurídico do Ministério da Agricultura, Márcio Antônio Mazaro. Segundo ele, a pasta defende ainda a inclusão no tratado de espécies animais e de micro-organismos que também têm relevância na produção agropecuária brasileira.
Agronegócio
Para Mazaro, as tratativas por meio da FAO podem funcionar como uma salvaguarda para o agronegócio em relação a possíveis consequências da ratificação, pelo Brasil, do Protocolo de Nagoia. “A simples ratificação desse protocolo poderá provocar uma limitação no intercâmbio de germoplasmas [sementes] entre países, trazendo riscos à segurança alimentar e impondo barreiras às exportações ligadas ao agronegócio”, sustentou.
Ao contrário do Tirfaa, que atua somente na área da agricultura e de alimentos, o Protocolo de Nagoia foi firmado em 2010 durante a COP-10 e reconhece a soberania de cada nação sobre todos os recursos naturais existentes em seu território. Pelo protocolo, caso o Brasil utilize uma variedade de soja da China como base para criar uma nova variedade, ele ficará obrigado a pagar uma porcentagem como royalties, conforme a legislação do país de origem. A medida vale para todas as variedades criadas a partir da ratificação do protocolo, mas permite exceções no caso de acordos específicos para determinados cultivares, como o Tirfaa.
“Imagine você precisar de autorização prévia para desenvolver de dez variedades de soja até produzir uma variedade resistente à ferrugem. É absolutamente inviável”, declarou Mazaro.
Prioridades
O secretário de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Cavalcanti, também é favorável a inclusão de outras espécies de cultivares no Tirfaa. Ele, no entanto, não considera viável ampliar o tratado para incluir todas as espécies utilizadas pelo País. “Precisamos definir se o mais importante é incluir a soja, o café, a cana de açúcar ou é ampliar o tratado para incluir também animais, pescados e fitoterápicos usados na indústria farmacêutica”, comentou.
Segundo Cavalcanti, o ministério entende que é possível utilizar o Tirfaa como salvaguarda para algumas cultivares, mas defende a implementação do Protocolo de Nagoia, que tem um espectro mais amplo de proteção ao acesso a recursos de biodiversidade. “Não podemos tolerar que empresas farmacêuticas continuem explorando nossos recursos genéticos sem que o País seja beneficiado com uma compensação financeira”, argumentou.
Cavalcanti também destacou que o ministério já estuda uma maneira de atualizar a legislação brasileira sobre o acesso a recursos genéticos. Atualmente, conforme a Medida Provisória 2.186/01-16, para acessar e promover pesquisas com recursos naturais da biodiversidade brasileira, o interessado precisa de autorização prévia. Segundo ele, há muitas críticas quanto à dificuldade de iniciar processos de pesquisa e exploração de recursos da biodiversidade.
“Qualquer pesquisador pode falar sobre o tempo que um projeto leva para andar conforme essa norma. É algo em torno de quatro anos. Por isso, muitas empresas têm optado por fazer pesquisas de maneira irregular”, afirmou Reginaldo Minaré, consultor da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Temendo efeitos da aplicação do Protocolo de Nagoia, Minaré também propôs a inclusão de salvaguarda no Tirfaa, a fim de garantir o acesso a variedades exóticas (não nativas) importantes para o agronegócio nacional.
Reportagem – Murilo Souza
Edição – Marcelo Oliveira