VALOR ECONÔMICO, 03/06/2013

Por Gerson Freitas Jr. | De São Paulo

Com a patente do primeiro transgênico de soja prestes a vencer – e, com ela, a hegemonia da tecnologia Roundup Ready (RR), da Monsanto – o mercado de sementes geneticamente modificadas aponta para o acirramento da concorrência entre as gigantes do setor, com o lançamento esperado de uma série de novas sementes geneticamente modificadas nos próximos anos. Contudo, a nova era da transgenia impõe uma lógica aparentemente estranha ao mercado: para sobreviver à disputa, as rivais vão ter, cada vez mais, de cooperar em si.

O fenômeno não é novo, mas vem ganhando força: desde o fim do ano passado, o mercado tomou conhecimento de pelo menos cinco acordos de cooperação nas áreas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e comercialização em nível global, envolvendo as americanas Monsanto, DuPont e Dow AgroSciences, a alemã Bayer CropScience e a suíça Syngenta. Juntas, essas empresas buscam racionalizar custos, acelerar o desenvolvimento e assegurar acesso a mercado para seus novos produtos.

A tendência é favorecida pela própria natureza desse negócio – sobretudo no atual estágio de evolução da tecnologia. De modo geral, as biotecnologias são complementares e não concorrentes. Um transgênico feito para resistir à aplicação de um herbicida não disputa mercado com um transgênico resistente ao ataque de insetos ou tolerante à seca. Pelo contrário, sua eficiência – e o apelo junto aos agricultores – será significantemente maior se as três características forem combinadas.

Eduardo Leduc, da Basf: união é necessária pois custo de tecnologia é grande

“As parcerias nos permitem oferecer uma gama de soluções mais ampla, abrir novos programas de pesquisa e avançar sobre a base existente. Assim aceleramos o desenvolvimento de tecnologias com horizontes diferentes”, afirma André Buran, gerente de licenciamento da Monsanto no Brasil.

Eduardo Leduc, vice-presidente sênior da unidade de Proteção de Cultivos da Basf no Brasil, afirma que o processo de descoberta, desenvolvimento e registro de um único princípio ativo ou semente geneticamente modificada pode consumir até € 250 milhões e uma década de trabalho para chegar aos consumidores, o que inviabiliza uma corrida solo. “O custo de gerar uma tecnologia é muito grande, então as empresas precisam se unir para otimizar os recursos, maximizar os lucros e garantir acesso a mercado”, afirma.

No mais emblemático dos acordos anunciados nos últimos meses, a Pioneer (divisão de sementes da DuPont) aceitou pagar US$ 1,75 bilhão em royalties à arquirrival Monsanto em troca do acesso à segunda geração de soja transgênica da companhia de Saint Louis. O pacote inclui a soja “Genuity Roundup Ready 2 Yield”, uma variedade resistente ao herbicida glifosato e com maior potencial produtivo, e a “Roundup Ready 2 Xtend”, resistente também ao herbicida dicamba. O acordo também dá à Monsanto acesso a algumas patentes da DuPont.

Brett Begemann, da Monsanto: busca de ações para complementar oferta

Em troca, as duas companhias concordaram em colocar fim a uma longa disputa sobre patentes na Justiça. “Queremos focar no mercado e fugir dos tribunais” declarou na ocasião o presidente da Pioneer, Paul Schickler, em entrevista reproduzida pela Dow Jones Newswires. Em agosto do ano passado, a DuPont havia sido condenada a pagar US$ 1 bilhão para a Monsanto por fazer testes não autorizados com a soja RR, cuja patente expira em 2014. A DuPont, por sua vez, acusava judicialmente a Monsanto de adotar práticas anticoncorrenciais.

Em abril, a Monsanto fechou ainda acordos para a troca de tecnologias com a Dow e Bayer. Em meio aos problemas crescentes com a resistência de ervas daninhas ao seu herbicida, o glifosato, a companhia tem procurado ampliar o acesso a genes que tornem as plantas resistentes a outros produtos químicos. Pela parceria firmada com a Dow, a Monsanto terá acesso à tecnologia do milho “Enlist“, um transgênico resistente ao herbicida 2,4-D. Em contrapartida, a Dow poderá licenciar uma nova tecnologia da Monsanto para o combate de pragas do milho.

O acordo é, na verdade, a segunda etapa de uma parceria iniciada em 2007, quando Dow e Monsanto deram início ao desenvolvimento do “SmartStax“, uma variedade de milho na qual as empresas “empilharam” oito diferentes tipos de genes resistentes a insetos e defensivos. “Continuamos a procurar por modos adicionais de ação que ofereçam benefícios para nossos clientes e complementem nossa oferta atual”, declarou Brett Begemann, presidente global da Monsanto.

Paul Schickler, da DuPont: com foco nos mercados e distante dos tribunais

A Monsanto também licenciou sua segunda geração de transgênicos de soja para a Bayer, que busca de todas as formas crescer no mercado de sementes e reduzir a distância em relação às principais concorrentes. “Estamos empolgados com o fato de que, com a combinação de tecnologias das duas companhias, seremos capazes de oferecer opções adicionais de controle de pragas e um pacote completo de resistência a herbicidas na soja”, declarou, em nota, Rudiger Scheitza, chefe de estratégia e gerenciamento de negócios da companhia alemã. Em troca, os alemães concederam à Monsanto licenças para avaliar tecnologias para o controle de pragas no milho e de resistência a herbicidas.

Vários desses acordos começam a render frutos. Na semana passada, Basf e Monsanto anunciaram que pretendem lançar até 2014, nos Estados Unidos, a primeira variedade geneticamente modificada de milho com tolerância à seca. O produto é fruto de um acordo nas áreas de pesquisa e desenvolvimento firmado em 2007 com o objetivo de desenvolver tecnologias nas áreas de tolerância à estiagem com investimentos conjuntos da ordem de US$ 2,5 bilhões.

A Basf também pretende colocar no mercado brasileiro, até 2014, a soja “Cultivance“, um transgênico resistente a herbicida desenvolvido em parceria com a Embrapa – empresa com quem mantém ainda acordos de cooperação nas áreas de defensivos biológicos e absorção de nutrientes. Finalmente, Syngenta e Bayer anunciaram em março que deram início ao processo de registro de uma nova soja geneticamente modificada para resistir a três diferentes herbicidas, fruto de uma parceria firmada em 2011.

Para o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, as parcerias também são uma forma de atrair recursos privados e driblar o orçamento apertado para pesquisa. Segundo ele, dos 980 projetos atualmente em desenvolvimento pela empresa, 350 são financiados com dinheiro de fora do setor público. “Somos provavelmente a única empresa pública do mundo a ter desenvolvido e registrado um transgênico comercial, e que é fruto de uma acordo de inovação aberta”, afirma, referindo-se à parceria com a Basf.

Lopes também aposta na integração com a universidade. “Trata-se de um movimento inevitável. Nos programas mais sofisticados de pesquisa, centrados em mercados competitivos, o custo inicial de desenvolvimento é gigantesco. Para reduzir o custo, é preciso acessar o conhecimento fundamental, que é o mais caro e está na academia”. Em dezembro, a Embrapa firmou um acordo com a Unicamp para a criação de uma unidade de pesquisa mista com foco no desenvolvimento de genes destinados a melhorar a adaptação das plantas a condições climáticas desfavoráveis.