Enfrentando a “monocultura da mente” – Bilionários renunciam a cultivos ricos em ferro para dar lugar às bananas GM na Índia
Vandana Shiva – do site: https://www.commondreams.org/view/2013/04/24-8
Tradução: Bruno Prado
A natureza nos deu uma cornucópia de biodiversidade rica em nutrientes. A má nutrição e a deficiência em nutrientes resultam, por sua vez, da destruição da biodiversidade. A Revolução Verde disseminou monoculturas químicas de arroz e trigo, excluindo a biodiversidade de nossas plantações e dietas. E aquilo que sobreviveu como culturas espontâneas – como as folhas de amaranto (chaulai) e o chenopodium (bathua), ambos ricos em ferro – foi pulverizado com venenos e herbicidas. Ao invés de cuidá-los e protegê-los como dádivas ricas em ferro e vitaminas, esses vegetais foram tratados como “pragas”.
A “monocultura da mente” trata a diversidade como doença e cria estruturas coercivas para remodelar esse nosso mundo biológica e culturalmente diverso a partir dos conceitos de uma classe privilegiada, uma raça e um gênero de uma única espécie. Quando a “monocultura da mente” tomou o controle, a biodiversidade desapareceu de nossas plantações e de nossos alimentos. É a destruição de dietas e cultivos ricos em biodiversidade que nos levou à atual crise da má nutrição.
A mais recente loucura da engenharia genética é empurrar bananas geneticamente modificadas para a Índia de modo a reduzir a deficiência de ferro das mulheres indianas. Setenta e cinco por cento das mulheres indianas sofrem de deficiência de ferro.
Um homem rico cujo nome é Bill Gates está financiando um cientista australiano, James Dale, que conhece uma espécie, a banana, para impor bananas transgênicas ineficientes e perigosas a milhões de pessoas na Índia e em Uganda.
O projeto é um desperdício de dinheiro e um desperdício de tempo. Levará dez anos e milhões de dólares para que a pesquisa seja terminada. Enquanto isso, governos, agências de pesquisa e cientistas não conseguirão enxergar alternativas democráticas, testadas pelo tempo, seguras, de baixo custo e baseadas na biodiversidade, que estão nas mãos das mulheres.
As mulheres indianas têm uma riqueza de conhecimento sobre biodiversidade e nutrição recebida por diversas gerações de suas mães e avós. Qualquer mulher pode lhe dizer que a solução para a má nutrição está em cultivar a nutrição que, por sua vez, significa cultivar a biodiversidade.
Para remover a deficiência de ferro, plantas ricas em ferro deveriam ser cultivadas em todos os lugares – fazendas, hortas domésticas, hortas comunitárias, hortas escolares. A deficiência de ferro não foi criada pela natureza e podemos nos livrar dela nos tornando cocriadores e coprodutores junto à natureza.
Mas há um “mito da criação” que é cego a ambas – à criatividade e biodiversidade da natureza assim como à criatividade, inteligência e conhecimento das mulheres. De acordo com esse “mito da criação” do capitalismo patriarcal, homens ricos e poderosos são os “criadores”. Eles podem ser proprietários da vida através de patentes e propriedade intelectual. Eles podem jogar com a evolução milenar e complexa da natureza e reivindicar que seus atos de manipulação genética – triviais, contudo destrutivos – estão “criando” a vida, os alimentos e a nutrição.
A biodiversidade nativa da Índia oferece ricas fontes de ferro. Por exemplo, o amaranto tem 11 mg de ferro em 100 gramas do alimento, o trigo sarraceno ou trigo-mourisco tem 15.5, as folhas de amaranto tem até 38.5, a karonda (Carissa carandas), 39.1, e o caule de lótus, 60.6.
As bananas têm somente 0.44 mg de ferro por 100 gramas de porção comestível. Todo o esforço em aumentar o ferro no conteúdo das bananas será menor que o ferro no conteúdo de nossa biodiversidade local.
Não apenas a banana GM não é a melhor opção para prover nossa dieta com ferro, ela irá ameaçar ainda mais a biodiversidade de bananas e cultivos ricos em ferro além de introduzir novos riscos ecológicos.
Se adotada, a banana GM será cultivada em grandes monoculturas, tal como o algodão Bt, nas plantações de banana da América Central. O governo e outras agências empurrarão a falsa solução e nossa biodiversidade de alimentos ricos em ferro irá desaparecer.
Além disso, nossas variedades de banana nativas serão deslocadas e contaminadas. Estas incluem Nedunendran, Zanzibar, Chengalikodan e a variedade Manjeri Nendran II.
A ideia de uma “agricultura de nutrientes” composta por uns poucos nutrientes em monoculturas de uns poucos cultivos já está sendo empurrada no nível das políticas. O ministro das finanças indiano P. Chidambaram anunciou um projeto de 36 milhões de dólares para as “nutrifazendas” em seu discurso do orçamento de 2013. Os seres humanos precisam de biodiversidade de nutrientes, incluindo a escala completa de micronutrientes e oligoelementos. Estes vêm dos solos saudáveis e da biodiversidade.
Há um impulso perverso entre a brigada da biotecnologia para que se declare uma guerra contra a biodiversidade em seu centro de origem. Foi feita uma tentativa de introduzir a berinjela Bt na Índia, que é o centro da diversidade das berinjelas. O milho GM está sendo introduzido no México, o centro de origem do milho. A banana GM está sendo introduzida nos dois países onde a banana é um cultivo significativo e tem grande diversidade. Um é a Índia e outro é a Uganda, o único país onde a banana é um alimento básico das dietas.
HarvestPlus é a aliança corporativa que está empurrando a “biofortificação” – o cruzamento de plantas para aumentar seu valor nutricional. Mas especialistas afirmam que a fortificação de nutrientes nos alimentos pode levar a problemas insuperáveis: “(ela) pode fornecer quantidades tóxicas de nutrientes para um indivíduo e também causar efeitos colaterais associados, além das chances potenciais de que os produtos fortificados ainda não serão uma solução para deficiências de nutrientes entre as populações de baixa renda, que podem não ter os meios para adquirir o novo produto, além das crianças, que podem vir a não consumir quantidades adequadas deste”.
Os cientistas australianos estão usando um vírus que infecta a banana como promotor gênico [usado na construção de um evento transgênico]. Este pode se espalhar através da transferência genética horizontal. Toda engenharia genética usa genes de bactérias e vírus. Estudos independentes mostraram que há riscos para a saúde associados com os alimentos GM.
Não há necessidade de introduzir uma tecnologia perigosa num alimento pobre em ferro como a banana quando temos tantas opções acessíveis, seguras e diversas que correspondem às nossas necessidades de ferro.
Temos de cultivar a nutrição aumentando a biodiversidade, não ‘fortificando’ industrialmente alimentos nutricionalmente vazios de alto custo ou colocando um ou dois nutrientes em cultivos geneticamente modificados.
Não precisamos desses experimentos irresponsáveis que criam novas ameaças para a biodiversidade e para nossa saúde; não necessitamos de soluções de nutrientes impostas por homens poderosos sentados em lugares distantes, que são totalmente ignorantes da biodiversidade dos nossos campos e dos nossos pratos, e que não terão de aguentar as consequências de seu poder destrutivo. Precisamos colocar a segurança alimentar nas mãos das mulheres para que a última entre elas e a última das crianças possam partilhar das dádivas de biodiversidade da natureza.
Transgênicos – Monopólios filantrópicos
Via Rebelion
Silvia Ribeiro
Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti
Desde que os transgênicos foram introduzidos comercialmente nos Estados Unidos, em 1996 – em 2012, somente 10 países tem 98% da área global semeada com transgênicos (uma vasta maioria de países não os permitem) -, seus promotores afirmam que os OGM aumentam a produção. Contudo, suas afirmações não se cumprem, e a todo o momento surgem evidências que demonstram isso. Cresce o descontentamento de agricultores que pagam muito mais caro pela semente e não vêem diferença no rendimento. Alem do mais, para dor de cabeça das empresas, a partir de 2015 começam a vencer as patentes de vários transgênicos (como a soja RR, resistente ao glifosato). Por tudo isso, as multinacionais – com a ajuda de ricaços como Bill Gates e Carlos Slim – estão traçando novas estratégias para não somente manter seus oligopólios, mas também para estender seus mercados, chamando isso de filantropia.
Um novo artigo publicado na revista científica Nature Biotechnology em fevereiro de 2013 mostra que o milho transgênico quase sempre tem menor produtividade. Pesquisadores da Universidade de Wisconsin (Guanming Shi, J. Chavas e J. Lauer) analisaram a produtividade do milho desse estado por várias décadas, e apesar de sua simpatia pelos transgênicos ser evidente, concluem que somente duas variedades de milho geneticamente manipulado mostraram um leve aumento de produtividade, enquanto que as demais variedades produziram menos que as híbridas. Quando se trata de várias características transgênicas combinadas (por exemplo, milho resistente a herbicida combinado com milho Bt inseticica), verificam que sempre há menor produtividade, o que os autores atribuem à uma interação negativa dos transgenes, apesar de que supostamente deveriam somar suas características. Para equilibrar as más notícias, assinalam, contudo, que os transgênicos mostram maior estabilidade. Ou seja, produzem menos, mas sempre a mesma coisa. Isso sim é vantagem, verdade?
Mas além da ironia, essa interação inesperada demonstra que os que elaboram transgênicos realmente não conhecem o espectro de conseqüências da manipulação genética, algo que os cientistas responsáveis tem assinalado repetidamente. A engenharia genética é uma tecnologia com tantos fatores desconhecidos que nem deveria ser chamada como tal e nem deveria ter saído do laboratório.
Contudo, não é necessário que uma tecnologia seja boa para chegar ao mercado, é suficiente apenas que existam empresas ambiciosas que paguem o que for necessário em merchandising, ou em corrupção, ou em estratégias para controlar os mercados.
Um exemplo disso é que as mesmas multinacionais que controlam os transgênicos controlam o mercado de sementes híbridas com melhor produtividade, mas preferem vender transgênicos por que estes estão patenteados. Assim, a contaminação é detectável, e isso lhes permite uma maior dependência do agricultor e um negócio a mais ao processar os contaminados pelo uso ilegal de seus genes patenteados.
Nos Estados Unidos, ao Monsanto levou aos tribunais 410 agricultores e 56 pequenas empresas agrícolas, segundo o relatório Seed Gians vs. US farmers (Center for Food Safety, 2013). As cifras são muito maiores nos acordos extrajudiciais, já que a Monsanto, ao ganhar as ações, tem semeado o terror entre os agricultores, que preferem pagar por fora para economizar em gastos com ações judiciais. Também a Dupont-Pioneer tem estabelecido uma política genética para colher amostrar nas lavouras dos agricultores a quem aciona.
Contudo, inexoravelmente as patentes de muitos cultivos transgènicos vencerão nos próximos anos, motivo pelo qual as empresas têm projetado estratégias para evitar perder o controle dos mercados e inclusive abrir novos, principalmente nos países do Sul e entre agricultores com poucos recursos. Um novo relatório do Grupo ETC (Gene, Giants and Philantrogopoly – http://www.etcgroup.com) dá conta dessas manobras.
A primeira estratégia das empresas é deixar de vender os transgênicos que tenham patentes com vencimento próximo, colocando no mercado outros praticamente iguais, mas com alguma mudança mínima para fazer valer uma nova patente. Esse é o caso da soja RR2. Já tomando medidas para o futuro, anunciou-se um acordo entre a maioria das empresas que controlam o mercado de transgênicos, uma espécie de pool dos transgênicos, alegando que é para dar certeza aos agricultores de que os cultivos cuja patente está por vencer poderão continuar a ser plantados nos países cujas leis de biosegurança requerem nova aprovação depois de um certo número de anos. A afirmação é altamente cínica, pois não se trata nem de certeza nem de biosegurança, mas sim de legalizar um cartel de empresas para aumentar o férreo controle do mercado.
Nesse contexto é preciso colocar as declarações de Bill Gates e Carlos Slim, que juntamente com o diretor do CIMMYT (Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo), asseguraram recentemente que irão dar transgênicos aos camponeses pobres, pelos quais eles não terão que pagar a patente. Trata-se desses transgênicos cuja patente vai expirar e que as empresas retirarão dos mercados, a não ser que descubram como acessar a novos mercados. É um Cavalo de Tróia para invadir terras camponesas com transgênicos, tentando fazer com que abandonem suas próprias sementes e se tornem dependentes das sementes corporativas. Embora não dêem resultado, por que os transgênicos e os híbridos não crescem em terras camponesas, irregulares, sem irrigação e sem agrotóxicos, esses pacotes poderiam provocar um dano considerável aos camponeses e à sua capacidade de alimentar-se e continuar criando diversidade de sementes, especialmente diante das mudanças climáticas. Não se trata de filantropia, trata-se de monopólios e voracidade corporativa.
Silvia Ribeiro é pesquisadora do grupo ETC.
http://gilsonsampaio.blogspot.com.br/2013/03/transgenicos-monopolios-filantropicos.html
Los gigantes genéticos hacen su cártel de la caridad
http://www.etcgroup.org/es/content/los-gigantes-gen%C3%A9ticos-hacen-su-c%C3%A1rtel-de-la-caridad