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AGROBIODIVERSIDADE, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E DIREITO DOS AGRICULTORES E AGRICULTORAS OS POVOS DO SEMIÁRIDO DE MINAS GERAIS FALAM: as águas não serão exauridas, contaminadas e degradadas, nossas terras não serão tomadas de assalto, nossas sementes não serão contaminadas, perdidas ou desprezadas! Para continuarmos vivendo precisamos das águas renascidas, de nossas terras retomadas, das Sementes da Gente!

Por isso nós, povos indígenas e quilombolas, comunidades vazanteiras, veredeiras, ribeirinhas, geraizeiras, catingueiras, sertanejas e apanhadoras de flores sempre-vivas; representantes de movimentos sociais, sindicatos, organizações da sociedade civil, articulações, redes, universidades e instituições públicas de pesquisa e extensão, com representações de Guatemala, Honduras, México, Colômbia e Costa Rica, nos reunimos entre os dias de 08 a 11 de outubro de 2013, no I Encontro da Agrobiodiversidade do Semiárido Mineiro, VI Encontro Norte Mineiro da Agrobiodiversidade e I Fórum Internacional de Agrobiodiversidade e Mudanças Climáticas.

Somos camponeses/as, quilombolas, indígenas, técnicos/as, pesquisadores/as, professores/as, estudantes e viemos e viemos de diferentes regiões culturais do semiárido mineiro em direção a Montes Claros, MG, organizados em Caravanas Agroecológicas. Saímos desde Diamantina, Turmalina, Araçuaí, Itinga, Almenara, Rio Pardo de Minas, Grão Mogol, Riacho dos Machados, Porteirinha, Manga, Matias Cardoso, São João das Missões, Januária, Ibiracatu, Varzelândia, Coração de Jesus e Montes Claros. Percorremos as principais regiões culturais que compõem o Vale do Jequitinhonha e o Norte de Minas Gerais para participar dos nossos encontros e como preparação ao III Encontro Nacional de Agroecologia-ENA, que ocorrerá em 2014. Vivenciamos as experiências, a cultura e os modos de vida dos povos e comunidades tradicionais e a diversidade de expressões que constituem a agricultura familiar camponesa. Ao mesmo tempo, nos deparamos com os desafios e as ameaças enfrentadas pelo campesinato nessa região. Nos encontramos, em Montes Claros, com mais de 600 participantes onde, por meio de Exposições, Grupos Temáticos, Debates e Manifestações Culturais, compartilhamos nossas vivências e refletimos sobre nossa caminhada, avanços, desafios e perspectivas futuras.

Nossas reflexões foram referenciadas no Plano de ações estratégicas para o uso e gestão compartilhada da agrobiodiversidade pelos povos e comunidades tradicionais do Semiárido de Minas Gerais, construído pela Rede de Agrobiodiversidade do Seminário Mineiro. Finalizamos com um Ato Público e com a realização de uma Feira na Praça da Matriz, onde trocamos sementes e compartilhamos nossos saberes e fazeres relacionados ao uso, manejo e conservação da agrobiodiversidade.

A diversidade étnica e cultural, associada à diversidade ambiental e ecológica presente no semiárido mineiro confere, a esta região, um vasto patrimônio genético historicamente conservado e mantido pelo (a)s camponeses/as, os guardiões e as guardiãs da agrobiodiversidade. Os sistemas de produção desenvolvidos pelas populações tradicionais e camponesas são alicerçados na diversidade de espécies, de arranjos e de estratégias: consórcios e rotações, policultivos, sistemas agroflorestais e sistemas agroextrativistas integrando lavoura-extrativismo-pecuária ou extrativismo-pecuária. A base destes sistemas é a conservação, o uso e o manejo da agrobiodiversidade a partir de saberes tradicionais, conhecimentos e princípios agroecológicos. Várias estratégias de conservação, armazenamento e multiplicação dos materiais genéticos são adotadas pelos guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade, como as casas e bancos de sementes e os campos de produção e melhoramento de sementes.

A manutenção e permanência dos sistemas de produção e dos modos de vida tradicionais e camponeses sofrem fortes ameaças provocadas pela expropriação territorial proporcionada pelo avanço dos empreendimentos do agronegócio com suas monoculturas (nesta região, principalmente de eucalipto), das mineradoras, das usinas hidroelétricas e grandes barragens para irrigação. Para compensar estes desmandos, seguindo a lógica da compensação ambiental, o Estado opta pela implantação de unidades de conservação de proteção integral. Cria parques exatamente onde ainda vivem comunidades tradicionais que souberam legar, com seus sistemas de manejo, ambientes produtivos com suas funções ecológicas preservadas. Situação que tem se agravado pela negligência do Estado Brasileiro que, na lentidão de atuação de seus órgãos públicos, retarda o reconhecimento, a demarcação e titulação de territórios tradicionais e a realização da reforma agrária; e pela violação de direitos constitucionais e tratados internacionais, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, além das constantes tentativas de parte do Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa de Minas Gerais de retroceder em relação aos direitos dos povos e comunidades tradicionais garantidos na Constituição Federal e Estadual. E em particular, no Estado de Minas Gerais, os seus sucessivos governantes tem favorecido e impulsionado os empreendimentos que expropriam territórios e violam direitos dos povos e comunidades tradicionais.

No mesmo sentido das ameaças aos sistemas de produção tradicionais e camponeses, as tecnologias trazidas pelo agronegócio, como os agrotóxicos e as sementes transgênicas, contaminam e degradam os recursos naturais, comprometem a saúde, a segurança e a soberania alimentar de toda a população e colocam em risco o patrimônio genéticos dos/as agricultores/as.

As mudanças climáticas, observadas e sentidas por toda a sociedade, como a intensidade das estações secas, a concentração das chuvas e o aumento das temperaturas, causam maiores impactos nas regiões áridas e semiáridas. Na região Semiárida de Minas Gerais tem aumentado as perdas de semeadura e de safras pelos agricultores camponeses, assim como, tem se observado mudanças nos ciclos culturais.

Agravadas pelo desmatamento generalizado da vegetação nativa e implantação de monoculturas, ampliando a desertificação e a escassez de água com a morte de centenas de rios e córregos nesta porção do estado de Minas Gerais.

Os sistemas de produção tradicionais e da agricultura familiar camponesa têm demonstrado capacidade de resistir e se adaptar às mudanças climáticas, além de amenizá-las com a maior incorporação e retenção de carbono nos sistemas. Algumas das estratégias utilizadas referem-se à diversificação de espécies e variedades, diferentes arranjos de ocupaçao do espaço, manejo e conservação dos solos, captação, conservação e utilização da água, dentre outras.

Nos últimos anos, o Governo Federal criou o Fundo Clima e passou a implementar alguns programas direcionados a iniciativas de promoção de sistemas de produção adaptados ou resistentes às mudanças climáticas. Mas, os recursos do Fundo Clima e dos demais programas têm sido direcionados principalmente para os empreendimentos do agronegócio e pouco, ou quase nada, tem sido direcionado às iniciativas de povos e comunidades tradicionais e da agricultura familiar camponesa, mesmo estas demonstrando serem mais promissoras e eficientes em relação aos objetivos dos mesmos.

Entendendo que as experiências e iniciativas dos povos e comunidades tradicionais e da agricultura familiar camponesa presentes na região do Semiárido de Minas Gerais evidenciam que seus sistemas de produção baseados no uso, manejo e conservação da agrobiodiversidade, nos saberes tradicionais e nos princípios da agroecologia, demonstram capacidades de resistência e adaptação às mudanças climáticas em curso e apontam as possibilidades de garantia de sustentabilidade da vida no campo com segurança e soberania alimentar,

AFIRMAMOS:

− A importância das mulheres que desempenham relevantes trabalhos na direção dos movimentos, das organizações e no uso e manejo da Agrobiodiversidade.

REPUDIAMOS:

− A postura de atrelamento e subordinação do Governo de Minas Gerais, especialmente dos órgãos ambientais, e também de grande parte do Legislativo Mineiro, às empresas mineradoras e do agronegócio que expropriam territórios tradicionais, destroem a biodiversidade e violam direitos dos povos e comunidades tradicionais;

− Todas as PECs que violam os direitos dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares camponeses, tais como a PEC 43 (ALMG) e PEC 215 (Congresso Nacional).

REINVIDICAMOS:

− Agilidade no reconhecimento, demarcação e titulação de Territórios Tradicionais, especialmente em relação aos Territórios Indígena Xacriabá e Pankararu-Pataxó, os Territórios Quilombolas Brejo dos Crioulos e do Gurutuba, a criação das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Nascentes das Gerais e Tamanduá e a Recategorização do Parque Nacional das Sempre-vivas;

− Liberação dos quilombolas de Brejo dos Crioulos, presos na luta pela reapropriação de seu território;

− Segurança alimentar com alimentação saudável, sem agrotóxicos, com valorização da tradição, das manifestações religiosas e outras práticas culturais;

− Chamadas Públicas, com recursos oriundos do Fundo Clima, específicas para o apoio e fortalecimento das iniciativas de uso, manejo e conservação da agrobiodiversidade pelos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares camponeses;

− Um maior comprometimento das instituições de ensino, pesquisa e extensão com as demandas dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares camponeses reconhecendo e interagindo com o saber local e fortalecendo a autonomia desses povos;

− Transparência das informações sobre os conflitos socioambientais;

− Ampliação do número de municípios da região norte de Minas e Vale do Jequitinhonha no mapa oficial do semiárido para permitir o acesso às políticas e programas relacionados à convivência com seca;

− A criação de uma Secretaria Estadual de Governo para a Agricultura Familiar;

− Capacitação dos professores para trabalhar com o tema agroecologia bem como o direcionamento de recursos para fortalecer uma educação contextualizada e popular em todos os níveis;

− Priorização de vagas nas universidades para povos e comunidades tradicionais e os agricultores familiares e camponeses;

− Políticas que viabilizem oportunidades de educação e geração de renda para jovens e mulheres em suas comunidades, fortalecendo circuitos curtos de comercialização;

− Reivindicamos a criação de leis que permitam aos agricultores o plantio em territórios livres de transgênicos e agrotóxicos;

− Um sistema de saúde que atenda às necessidades dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares camponeses e que garanta o direito à vida sem risco de contaminação por agrotóxicos;

− Fortalecimento das Escolas Família Agrícola (EFA´s) como alternativa para permanência dos jovens no campo;

PROPOMOS:

− O monitoramento da Convenção 169, a criação de espaços de formação sobre PEC´s, oficinas de direitos humanos e de questões jurídicas que envolvam direitos dos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares camponeses;

− A criação de uma rede de medição de informações sobre clima (chuva e temperatura) realizadas diretamente pelos povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares camponeses;

− Declarar a água como bem de todos e a criação do grupo “guardiões da água”; e

− A inclusão dos aspectos culturais e espirituais nas discussões sobre uso, manejo e conservação da agrobiodiversidade.

POR UMA AGRICULTURA SEM AGROTÓXICOS, SEM TRANSGÊNICOS, E COM A SEMENTE DA GENTE!

Montes Claros, 11 de outubro de 2013.