Informações da Página 12, 19/02/2014
Uma nova soja transgênica, resistente a três agrotóxicos, está a ponto de ser aprovada na Argentina, sob protestos de movimentos camponeses, cientistas e organizações da sociedade civil. Esses grupos denunciam que a forma de aprovação que está avançando é “irregular” (realizada com base em estudos das próprias empresas e confidenciais) e asseguram que o combo de químicos aplicado na soja será prejudicial para o meio ambiente e a saúde da população. “Questionamos a decisão de aprovar esta nova soja, mas também o sistema atual de aprovação dos organismos geneticamente modificados (OGMs), que não garante uma devida avaliação ambiental e nem a inocuidade alimentar dos transgênicos”, explicou Fernando Cabaleiro, do Centro de Estudos Legais do Meio Ambiente (Celma).
Em dezembro de 2013, a Comissão Nacional Assessora de Biotecnologia Agropecuária (Conabia) aprovou a “soja DAS-444O6-6”, da empresa Dow AgroSciences, resistente aos herbicidas glifosato, glufosinato de amônio e 2,4-D. O parecer da Comissão afirma que o produto não apresenta riscos para a saúde e nem para o meio ambiente, e deixa o caminho livre para que o Ministério da Agricultura dê a última aprovação.
O Celma denunciou que não foram cumpridos os passos administrativos exigidos pela legislação nacional (que obriga a realização de audiências públicas) e afirmou que não foi realizado um “necessário e completo estudo de impacto ambiental”. Observou ainda que os estudos de riscos foram realizados em espaços reduzidos que não levam em conta a coexistência com o ambiente do entorno e nem os efeitos dos agrotóxicos nos campos vizinhos. A organização apresentou um pedido de impugnação junto ao Ministério da Agricultura, exigindo a realização de audiências públicas e uma correta avaliação de impacto ambiental.
A aprovação de transgênicos na Argentina [assim como no Brasil e nos EUA] se realiza com base em estudos apresentados pelas próprias empresas. O advogado Cabaleiro demanda que esses estudos (sobretudo os que indicam a suposta segurança ambiental e inocuidade alimentar) sejam tornados públicos para serem avaliados por cientistas e instituições independentes das empresas.
A forma com que se aprovam os transgênicos e o avanço da fronteira agropecuária são questionados pela grande maioria das organizações da agricultura familiar na Argentina (…). As objeções com relação à nova soja são também apoiadas pela Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos (Rallt), pela Campanha Paren de Fumigarnos e pela Alianza Biodiversidad. Foi iniciada uma campanha internacional para divulgar o fato de que “o 2,4-D é um herbicida mais perigoso que o glifosato, portanto os impactos ambientais e sobre a saúde do novo cultivo transgênico serão ainda mais devastadores, especialmente levando em conta que esta soja foi piramidada para receber uma combinação de herbicidas”. (…)
O 2,4-D é um herbicida utilizado desde 1940, muito questionado em nível internacional, que já foi proibido na Dinamarca, na Noruega e na Suécia.
—
N.E.: No Boletim 658 informamos que os EUA também caminham na direção da aprovação de soja e milho tolerantes ao 2,4-D. No Brasil, a CTNBio foi freada em seus esforços para a liberação desses produtos pelo Ministério Público Federal, que diante da recusa da Comissão em realizar audiência pública sobre o tema realizou, o próprio MPF, uma audiência (em 12/12/2013), além de entrar com inquérito civil contra a CTNBio para apurar a denúncia de que a aprovação estaria se dando sem a realização dos estudos necessários à avaliação de riscos.
Ao contrário do glifosato hoje largamente utilizado nas lavouras de soja transgênica, que apesar das cada vez mais numerosas evidências de danos à saúde é classificado pela Anvisa como “Pouco tóxico” (Classe IV), o 2,4-D é classificado como “Extremamente tóxico” (Classe I), produz dioxina como subproduto e é associado ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer e a defeitos congênitos. O pesquisador estadunidense Charles Benbrook demonstra, com dados do próprio Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês) que a difusão de plantas transgênicas tolerantes ao glifosato aumentou o número e o volume de herbicidas aplicados nas lavouras e estima que, se forem aprovados a soja e o milho tolerantes ao 2,4-D, o volume do produto aplicado pode ser aumentado em cerca de 50%.
O áudio da audiência de imprensa está disponível em: https://drive.google.com/file/d/0B6vgViYroeFBNktUZGl4dE9MZjA/edit?usp=sharing