El País, 12/04/2014
A gigante agrícola tenta se aproximar do consumidor para reverter a rejeição aos transgênicos e destina milhões para evitar que seja obrigatório rotular os alimentos modificados geneticamente
O futuro dos alimentos geneticamente modificados está nas mãos da opinião pública. A batalha entre partidários e opositores dos transgênicos é feroz e a Monsanto está muito consciente disso. Depois de anos acumulando uma má reputação, a maior empresa de sementes do mundo decidiu mudar de estratégia: se aproximar mais do consumidor para tentar convencer os céticos e críticos sobre a segurança de seus produtos e os seus efeitos positivos sobre a agricultura mundial.
“Nos últimos vinte anos, quase todas as nossas atividades de comunicação e educação têm sido focadas nos agricultores, e foram muito bem. Mas o erro que cometemos é que não nos esforçamos o suficiente no lado do consumidor. Pensamos que este era um trabalho da indústria de alimentos”, admitiu o vice-presidente executivo e responsável tecnológico da Monsanto, Robert Fraley, em um recente encontro com jornalistas europeus na sede central da empresa, em Saint Louis, nos Estados Unidos. A visita, organizada pela gigante agrícola, é um reflexo do seu crescente interesse na divulgação de suas atividades.
Em 2011, a multinacional norte-americana, especializada há duas décadas no desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas para resistir a herbicidas e repelir insetos, foi considerada a empresa “mais malvada” do mundo em uma pesquisa online. E a profunda rejeição gerada por suas práticas em camadas da população em todo o mundo foi amplamente percebida em maio do ano passado quando em um mesmo dia foram feitas manifestações contra a Monsanto em 436 cidades de 52 países. A iniciativa foi organizada por uma única pessoa no Facebook e após o sucesso na convocação será repetida em 24 de maio. Para fechar o círculo, as pesquisas indicam que três quartos dos americanos expressam sua preocupação com a presença de transgênicos em sua alimentação – que estão amplamente autorizados e presentes em cerca de 80% de todos os alimentos – a maioria por medo de efeitos adversos. Na Europa, que só permite um tipo de milho, a rejeição é de 61%, enquanto que na Espanha esse número gira em torno de 53 %, de acordo com pesquisas recentes, de 2010.
Tudo isso levou a Monsanto no ano passado a repensar a sua estratégia por completo. “Os consumidores nos veem como o primeiro escalão da cadeia alimentar e querem ouvir mais de nós […] Nós temos que fazê-lo melhor”, disse o executivo. A empresa, que produz principalmente sementes modificadas de soja, milho, algodão e canola, além de outras convencionais, intensificou a sua comunicação em redes sociais, onde os adversários são muito fortes, e forneceu mais informações em seu site.
Em paralelo, no fim de 2013, a empresa expandiu seu relacionamento com a Fleishman Hillard, uma das principais empresas de relações públicas, para promover uma nova campanha internacional, de acordo com Holmes Report, uma plataforma que analisa o setor. Um porta-voz da Monsanto confirmou que é cliente desta agência, mas evitou entrar em detalhes. Além disso, a Monsanto, com uma forte presença na América Latina, com a soja e o milho transgênicos, à margem dos Estados Unidos, desenvolveu em setembro, juntamente a outros grupos grandes de biotecnologia, um site com informações detalhadas sobre esses alimentos.
Especialistas alertam, no entanto, que a imagem ruim não desaparece da noite para o dia. “Nunca é fácil. É como correr uma maratona, não um Sprint”, disse Aaron Perlut, por telefone, sócio da Elasticity, uma consultoria de Saint Louis especializada em reputação corporativa. Enquanto isso, as organizações contrárias aos produtos transgênicos acreditam que a mudança conciliadora e mais transparente da Monsanto é falsa e denota nervosismo. “Perceberam que a era da genética terminou. O público não vai aceitar uma tecnologia imprevisível e perigosa”, clama Ronnie Cummins, da Associação dos Consumidores Orgânicos. “Ao mesmo tempo, está gastando milhões para lutar contra o direito dos consumidores de saber, por isso não importa quanto destinarão para atualizar sua marca. É suspeito”, diz Colin O’Neil, do Centro de Segurança Alimentar.
Ele se refere à multimilionária ofensiva da Monsanto, junto a outras empresas, para coibir iniciativas em 27 dos 50 Estados dos Estados Unidos para que seja obrigatório – como ocorre em mais de sessenta países, entre eles os da União Europeia e o Brasil – especificar em embalagens de alimentos se contêm componentes geneticamente modificados. É aí que está a verdadeira batalha entre partidários e opositores dos transgênicos, pois o produto rotulado poderia supor um ponto de inflexão na percepção do consumidor. Nas próximas semanas, a Câmara dos Deputados de Vermont poderá aprovar uma lei nesse sentido, podendo se tornar o primeiro Estado com rotulagem obrigatória nos EUA. A Califórnia, em 2012, e Washington, em 2013, realizaram consultas populares sobre o assunto em que o “não” venceu por estreia margem. As multinacionais investiram 46 milhões (100 milhões de reais) e 22 milhões de dólares (48 milhões de reais), respectivamente, na campanha contra a rotulagem obrigatória, duas e três vezes mais que os grupos favoráveis.
“Não há estudos que examinem em longo prazo os riscos potenciais dos transgênicos à saúde. Na falta destas informações, os consumidores deveriam poder escolher se querem ou não comê-los”, diz O’Neil. Os ativistas lembram que 93 % dos americanos são a favor da rotulagem e que, em 2007, Barack Obama fez uma promessa neste sentido antes de se tornar presidente dos EUA. A Monsanto argumenta que “não há dúvida” de que os alimentos transgênicos são igualmente seguros aos convencionais e que, por isso, foram certificados por cientistas e órgãos reguladores. Os opositores, como a Cummins, reagem denunciando as ligações entre a Monsanto e as autoridades americanas. Por exemplo, o caso de Michael Taylor, que trabalhou na Agência de Controle de Alimentos e Medicamentos (FDA), entrou na Monsanto onde foi vice-presidente e agora está novamente na FDA, segundo mostram os registros oficiais compilados pelo Centro para Políticas Responsáveis, uma organização civil. Não é um caso único: 72% dos lobistas da Monsanto em 2013 já haviam trabalhado no governo ou no Capitólio, de acordo com o centro. Trata-se de uma prática comum entre as grandes corporações.
A gigante agrícola defende a rotulagem voluntária dos transgênicos porque “põe o foco nas empresas que querem usá-la como uma vantagem de marketing”, afirma Fraley, mas opõe-se a que seja obrigatória porque a considera discriminatória ao ser equiparada com informações negativas sobre gorduras e sais de um alimento. Neste sentido, a Monsanto apoia, através de uma coalizão de centenas de empresas, o projeto de lei apresentado na quarta-feira por um parlamentar republicano que busca proibir a rotulagem obrigatória, de modo a coibir tentativas dos Estados e dar mais poder à FDA, que está inclinada à rotulagem voluntária. O projeto tem pouca chance de sucesso, dada a divisão no Capitólio em relação ao tema.
Mas, para sanar uma má reputação, é preciso, primeiro, investigar as causas. “Realmente não posso explicar”, admitiu Fraley, que a atribuiu principalmente ao fato de ser vista como uma empresa dos EUA e a “difamação” da agricultura e produção de alimentos. Mas também, com relutância, ao passado obscuro da Monsanto, como a sua produção do herbicida agente laranja que os EUA usaram na guerra do Vietnã ou a contaminação por componentes químicos no Alabama. “Sem dúvida, o legado do passado é um desafio para qualquer empresa”, admitiu. Embora em seu relatório anual advirta que “a aceitação do público” possa afetar suas vendas, os lucros da Monsanto continua a crescer no momento: até fevereiro, a empresa ganhou 1,67 bilhão de dólares (3,6 bilhões de reais), 13% a mais que no ano anterior. Agora, seu desafio é limpar a sua imagem e ganhar a batalha da opinião pública, mas isso parece ser muito mais complexo.