Reportagem mostra no campo o resultado de uma tecnologia que não funciona somado ao mercado de sementes concentrado nas mãos de meia dúzia de grandes empresas.
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Globo Rural, 10/08/2014
Agricultores de Mato Grosso que apostaram no milho transgênico estão frustrados. As variedades, que deveriam resistir ao ataque de lagartas, não funcionaram
Falta pouco pro agricultor Daniel Schenkel terminar a colheita do milho safrinha, na propriedade em Campo Verde, sudeste do Mato Grosso. Pelo quarto ano seguido, ele apostou no milho transgênico. O agricultor plantou o milho com resistência à lagarta, conhecido como “bt”.
Ele é chamado assim porque recebeu uma toxina extraída da bactéria Bacillus thuringiensis. Quando a lagarta come a planta, ela morre.
O problema é que nesta safra, o desempenho de muitas lavouras no estado ficou abaixo do esperado. Em abril deste ano, o Globo Rural mostrou a plantação de Daniel. Na época, o milho transgênico estava infestado de lagartas e, para evitar mais prejuízos, o jeito foi adotar na lavoura transgênica o mesmo manejo usado na plantação convencional, ou seja, passar mais inseticida. E gastar mais do que o previsto!
“A saca de semente transgênica custa R$ 450 pra gente e a convencional R$ 250. No convencional eu fiz quatro aplicações de inseticida. No transgênico fiz três. Não compensa”, explica o agricultor.
O milho transgênico foi desenvolvido justamente para reduzir os custos de produção, como explica o agrônomo Márcio Ferreira, professor da Universidade Federal de Mato Grosso. “Teoricamente, o milho transgênico não precisaria de pulverização com inseticidas para a lagarta”.
Para que o milho transgênico seja eficiente, a recomendação é que ele seja cultivado associada ao milho convencional em uma área chamada de refúgio. Neste local, os insetos poderão sobreviver e se reproduzir, reduzindo as chances de que desenvolvam resistência ao transgênico.
Na área de refúgio, as plantas convencionais devem estar no máximo a 800 metros de distância das plantas de milho “bt”. Elas podem ser cultivadas no perímetro da lavoura ou em faixas, dentro da área de cultivo.
O agricultor Daniel Schenkel diz que seguiu a recomendação. “Eu fiz 10% de refúgio com bordadura, com áreas nos cantos pro convencional exatamente como a empresa pedia e no final o resultado não foi o esperado”, diz.
O sinal verde para o uso do milho transgênico no Brasil foi dado em 2007 com a aprovação das três primeiras variedades com resistência ao ataque de lagartas. De lá prá cá, o número de materiais disponíveis aos agricultores se multiplicou, assim como a presença dos transgênicos nos campos brasileiros. Hoje a estimativa é de que 80% das lavouras plantadas em todo o país sejam transgênicas.
Com tanto transgênico no mercado, o agricultor Fernando Ferri encontrou um problema para fazer a área de refúgio. Na lavoura dele, não deu para plantar convencional. Ele não achou sementes para comprar: “As empresas não tem volume suficiente nem para esses 10$ de refúgio que são recomendados”.
A Aprosoja notificou extra judicialmente as quatro empresas detentoras das tecnologias disponíveis no mercado. Quer explicações para o que aconteceu no campo.
“Nós temos produtores com prejuízos em todas as regiões do estado e precisamos ter destas empresas detentoras, uma posição, uma resposta, porque desta perda de eficiência”, afirma Luiz Nery Ribas, diretor técnico da Aprosoja- MT.
As quatro empresas não quiseram gravar entrevistam, mas enviaram notas. A Dupont Pioneer informou que constatou o desenvolvimento de resistência da lagarta do cartucho ao milho “bt”, mas que a tecnologia continua oferecendo ampla proteção contra importantes lagartas que atacam a cultura.
Já a Syngenta informou que tem equipes técnicas preparadas para esclarecer as dúvidas dos agricultores e buscar soluções integradas. A Dow Agrosciences disse que já entrou em contato com a associação dos produtores e que continua participando de discussões sobre o tema. E a Monsanto destacou que a preservação e a sustentabilidade das tecnologias “bt” dependem do cumprimento das recomendações técnicas.