Rio Azul, Paraná, 07 de setembro de 2014
“Sementes crioulas, construindo a nossa autonomia”. Sob essa bandeira, mais de 2 mil agricultores e agricultoras familiares, adultos e jovens, participaram, em Rio Azul, no dia 07 de setembro de 2014, da 12ª Feira Regional de Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade. A Feira foi convocada pelas organizações e lideranças da agricultura familiar da região Centro-Sul do Paraná e Planalto Norte de Santa Catarina articuladas no Coletivo Triunfo, sendo acolhida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Azul, com o apoio da Prefeitura do município.
Nossa feira é uma expressão da organização da luta da agricultura familiar pela defesa e conservação das sementes crioulas e raças nativas de animais, entendidas como base de nossa autonomia técnica, econômica e cultural. Em nossa região, essa defesa é realizada desde as propriedades, passando por organizações comunitárias e nos municípios. Essa ação está articulada como tema de luta política há mais de 20 anos como reação ao massivo processo de extinção das variedades e raças. Essa luta pela agrobiodiversidade encontra seu fundamento nas práticas herdadas de nossos antepassados. Mas elas apontam também para a garantia de uma agricultura mais promissora, que assegure a geração de renda e autonomia diante das ameaças impostas pelo agronegócio. Em nome desse futuro assistimos em nossa feira uma marcada mobilização da juventude rural manifestando-se em defesa da agrobiodiversidade e da agroecologia.
Diante das ameaças desagregadoras que o agronegócio faz pesar sobre o patrimônio genético e sobre a prosperidade e autonomia da agricultura familiar, e visando ao fortalecimento do movimento de resistência e de inovação agroecológica que se irradia desde as comunidades ao conjunto da região, os agricultores e agricultoras familiares e as organizações participantes da 12ª Feira das Sementes Crioulas e da Biodiversidade declaram o seguinte:
- As sementes e as raças animais crioulos são um patrimônio da Humanidade e constituem um componente histórico vital da agricultura familiar e dos povos tradicionais cultivadores. Denunciamos as tentativas do agronegócio de se apropriar e desmantelar esse patrimônio, tornando a agricultura familiar dependente dos pacotes tecnológicos por ele produzidos, retirando-lhe sua autonomia e sua própria condição de existência. Mantemos nossa firme disposição de continuar lutando pela instituição de políticas e programas públicos que fortaleçam a identidade sociocultural da agricultura familiar, defendam e estimulem a conservação da agrobiobiverdidade, sua livre utilização e circulação. Nesse sentido, nos posicionamos firmemente em oposição a qualquer tipo de registro ou normativa que limite a diversidade e a permanente evolução dos recursos genéticos conservados e adaptados pelas famílias agricultoras.
- A expansão do agronegócio impõe também mudanças nas dietas alimentares no campo e nas cidades, gerando a perda de espécies, variedades e conhecimentos tradicionais essenciais para assegurar a soberania alimentar de nosso povo. Esse processo tem levado à expansão do uso de espécies, variedades e raças não adaptadas e com isso a crescente dependência de agroquímicos, ao mesmo tempo em que deixa de ser valorizado imenso patrimônio da agrobiodiversidade em nossa região.
- Ao defender e praticar uma agricultura produtora de alimentos saudáveis, manifestamos nossa inquietação e repúdio ao acelerado crescimento do uso de agrotóxicos e sementes transgênicas nos cultivos de nossa região. Nossas experiências de produção agrícola em bases de sustentabilidade socioambiental confirmam o que vem sendo verificado no mundo inteiro e já demonstraram que esses produtos disseminados pelo agronegócio constituem uma permanente ameaça de contaminação das lavouras das famílias que têm procurado se desvencilhar das amarras dos pacotes tecnológicos, inviabilizando as alternativas autônomas de manejo técnico, de trabalho e de geração de renda que temos construído ao longo dos anos. Ao mesmo tempo em que defendemos a criação de áreas livres de transgênicos e agrotóxicos, exigimos que as empresas do agronegócio, que geram lucros privados e prejuízos públicos com esse tipo de contaminação, sejam responsabilizadas civil e criminalmente. Para isso, cobramos do Ministério Público nas esferas estadual e federal a criação de um grupo de trabalho para enfrentar esse problema da contaminação por agrotóxicos e transgênicos com ampla participação da sociedade civil. Expressamos nosso apoio à instituição do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos, aprovado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Nessa mesma linha, conclamamos os municípios de nossa região a estabelecerem leis que restrinjam ou proíbam o uso de agrotóxicos e transgênicos, a exemplo de municípios de outras regiões do Brasil.
- Expressamos nosso reconhecimento ao papel positivo que têm desempenhado os programas governamentais de compra direta da agricultura familiar, tanto o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Tanto em nossa região, como no conjunto do país, esses programas demonstraram-se como ferramentas inovadoras e potentes para o fortalecimento da agricultura familiar, favorecendo a construção de mercados locais, nos quais agricultores e agricultoras e suas associações vendem sua diversidade produtiva e geram rendas próprias remuneradoras em condições de autonomia. Ao mesmo tempo em que expressamos tal reconhecimento, externamos também nossa preocupação à incitação promovida pelas forças do agronegócio para lançar descrédito sobre esses programas e, também por esta via, conspirar contra o progresso da agricultura familiar. Defendemos firmemente não apenas a continuidade do PAA e do PNAE, fortalecendo as organizações da agricultura familiar, como também sua rápida ampliação, tanto do ponto de vista orçamentário como da cobertura social. Nesse caso, acentuamos a necessidade de continuidade e ampliação do PAA-Sementes como instrumento de promoção da conservação e uso das sementes crioulas, e de defesa da agricultura familiar contra o avanço do agronegócio e dos prejuízos econômicos, ambientais e para a saúde das famílias agricultoras e dos consumidores que ele implica.
- Constatamos e denunciamos que a disseminação do modelo produtivo do agronegócio em nossa região tem resultado em ameaça e desestímulo ao futuro da ocupação econômica dos jovens rurais como profissionais da agricultura familiar. Trata-se de uma ameaça à reprodução futura da própria instituição da agricultura familiar. Face a tal conjuntura, propomos a formulação e execução efetiva de um Plano Nacional de Apoio à Juventude e à Sucessão na Agricultura Familiar, que associe, notadamente, programas de reforma agrária e de acesso à terra, à moradia, ao crédito, a diferentes níveis de formação profissional e que favoreça também a ampliação dos serviços de infraestrutura (energia, telefonia, internet) e de lazer no meio rural. Cobramos também a criação de um Programa Nacional Bolsa de Estudo ao Jovem da Agricultura Familiar, como incentivo ao jovem, de 18 a 29 anos, para implementar projetos agroecológicos em suas propriedades e comunidades.
- Finalmente, e com particular ênfase, reconhecemos o papel essencial e insubstituível que têm desempenhado as mulheres agricultoras na reprodução e no fortalecimento da agricultura familiar, como agentes da produção, da conservação e defesa da biodiversidade, como gestoras de diferentes fontes de renda e como promotoras de inovações técnicas e esteio da segurança alimentar das famílias. Requeremos políticas e programas públicos que reconheçam a identidade sócio-cultural e econômica própria da mulher agricultora e lhes garantam os instrumentos legais e normativos para seu desempenho autônomo como profissional da agricultura familiar. Ao mesmo tempo, conclamamos as organizações da agricultura familiar de nossa região a assegurar a participação protagônica das mulheres agricultoras em suas direções e programas de atividade.
Ao realizar a 12ª Feira Regional das Sementes Crioulas e da Agrobiodiversidade reafirmamos nosso compromisso e nossa disposição para continuar na luta pela defesa e fortalecimento da agricultura familiar, com base nos princípios da agroecologia. Temos exercitado esse caminho em nossas propriedades e comunidades e temos reconhecido nele a boa alternativa para um futuro de equilíbrio socioambiental e de prosperidade para nossas famílias, adultos e jovens. Temos certeza de que esse é também o caminho para assegurar a satisfação das demandas e necessidades da população por um alimento saudável em suas mesas.
Rio Azul-Pr, 07/09/2014