Jornal do Brasil, 12/10/2014

Em deslocamento do aeroporto de Campina Grande, Paraíba, para a Serra da Borborema, Iracema me passa o texto/reflexão de Roberto Malvezzi, conhecido como Gogó, “O elitismo incurável de FHC”. Escreve Gogó: “Fernando Henrique já disse que o PT cresceu nos grotões por falta de informações do povo. Com isso, referia-se certamente em grande parte ao Nordeste brasileiro, principalmente o Semiárido. (…) Além do mais, o Semiárido mudou para melhor. Multiplicaram-se as cisternas para beber, para produzir, a agricultura ecológica, a criação de animais adaptados, numa lista quase infinda de iniciativas da sociedade civil que teve apoio governamental. (…) Ainda mais, nunca a região esteve tão bem informada como nos últimos anos. Expandiu-se a energia elétrica – no tempo dele ainda líamos à luz de vela e lampião na esmagadora maioria das comunidades rurais – e com ela o uso de eletrodomésticos, a internet e os celulares. (…) Sim, nesta última grande estiagem, não houve mortalidade humana, nem mesmo a infantil.”

Fiquei emocionado com texto do Roberto Malvezzi e ainda mais emocionado quando chegamos no Polo da Borborema, ministros da Secretaria Geral da Presidência, Diogo Santana, e Laudemir Müller, do Desenvolvimento Agrário, e comitiva. Salão lotado, maioria mulheres e sermos recepcionados com alegria e entusiasmo com o ‘seja bem-vindo olêlê, seja bem-vindo olalá/ paz e bem pra você que veio participar’, canto típico de acolhida das comunidades rurais da agricultura familiar e camponesa. Era o lançamento do Programa ECOFORTE, liberação de recursos públicos de apoio à produção agroecológica e orgânica, programa construído com participação de entidades agroecológicas e de movimentos do campo.

O Território da Borborema é muito conhecido pelas Sementes da Paixão, “sementes crioulas conservadas e manejadas por agricultores familiares, quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais e que, ao longo de milênios vêm sendo permanentemente adaptadas às formas de manejo dessas populações e aos seus locais de cultivo” (In: As Sementes da Paixão e as Políticas de Distribuição de Sementes na Paraíba – Sementes locais: experiências agroecológicas de conservação e uso – Caderno da ANA (Articulação Nacional de Agroecologia) e ASA/PB (Articulação do Semiárido paraibano), 2014).

Roselita Vitor, liderança que falou em nome do movimento social, disse que o Pólo da Borborema nasceu das lutas sociais há mais de 20 anos como território agroecológico, com princípios construídos a cada dia: valorização do conhecimento das famílias agricultoras da região; a partir da força de um movimento sindical vivo – ‘sindicalista que não sai detrás do bureau, é saído’; valorização dos recursos naturais; cultura da estocagem, da água, sementes, produção animal. “É um momento importante de fortalecimento das redes de bancos de sementes comunitárias, as Sementes da Paixão, de valorização da vida das mulheres do território, de suas experiências e saberes, de tirar as mulheres da invisibilidade social, de políticas públicas para fortalecimento das Redes e das Experiências, fazendo deste projeto mais vida e mais solidariedade.”

O momento era de festa e alegria, porque como disse Marcelo Galassi, Coordenador da ASPTA-PB (Assessoria e Serviço a Projetos em Agricultura Alternativa da Paraíba), agroecologia é ciência, prática e movimento construído a partir do local. E nas palavras de Alexandre Pires, do Centro Sabiá e da ASA, são décadas de construção da agroecologia com enorme sacrifício e hoje recursos públicos financiam as iniciativas e experiências. “Não podemos permitir um retrocesso. A cara do Semiárido é outra hoje. Conseguimos dialogar com o governo. Temos o maior programa de abastecimento de água do mundo.”

Momentos como esse fazem ver que há um Brasil vivo do Nordeste ao Centro-Oeste, de Norte a Sul, passando pelo Sudeste. O ministro Diogo Santana falou que o principal é a semente crioula, as Sementes da Paixão, que são apoiadas. Mas são mais que sementes que se lançam na terra. São sementes políticas, de organização popular e de uma nova forma de ver o mundo. “O PLANAPO, lançado pela presidenta Dilma em 2013, é para fortalecer vocês, os sindicatos, os que lutam, a comunidade acadêmica. A agricultura agroecológica deve tornar-se a principal forma de produção agrícola no Brasil e no mundo.”

O modelo de produção agroecológica é o melhor modelo, segundo o ministro Laudemir Müller, “porque é bom para quem produz e bom para quem consome”. O professor Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária, disse que esta é uma agricultura que preserva o meio ambiente, a pureza da água e do ar e é recuperadora do conhecimento.

Depois da assinatura dos documentos de lançamento do ECOFORTE e da liberação de recursos para o Território da Borborema, as palavras de todas e todos não podiam ser diferentes, entoadas com voz forte e animada, principalmente pelas mulheres: “”Eu tenho meu valor, e este não tem preço”; “Pela vida das mulheres e pela agroecologia”; “É no Semiárido que a vida pulsa, é no Semiárido que a vida resiste!”.

Não dá vontade de voltar a Brasília depois de viver tudo isso. Gogó tem mesmo razão: “O Semiárido mudou para melhor. O mundo daqui ainda muito bem informado. O povo do Semiárido tem razões objetivas para fazer suas escolhas.”

Como se viu e viveu dia 8 de outubro, o povo do Polo e Território da Borborema da Paraíba já fez suas escolhas há muito tempo.

 

*Selvino Heck é ssessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República; secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica