Reportagem de José Rocher, publicada pela Gazeta do Povo em 02/02/2010, mostra os prejuízos que estão colhendo os produtores que adotaram as sementes de soja Roundup Ready. A Embrapa, que há pouco completou uma década de parceria com a Monsanto, não tem o que oferecer a esses produtores.

Em meio à soja RR, buva resitente ao lado de plantas controlas pelo glifosato

Indústria não tem remédio para ervas resistentes ao glifosato. Produtor terá de mudar práticas para não correr risco de voltar para a capina.

As ervas resistentes ao glifosato – o herbicida mais usado do mercado, considerado a principal descoberta da história recente da indústria de agrotóxicos – forçam produtores de grãos das três Américas a reverem suas práticas. Essas plantas ameaçam anular as vantagens do produto, capaz de controlar mais de cem ervas que disputam energia com soja e milho. Os laboratórios não oferecem nenhuma alternativa química capaz de reverter sozinha a situação. Segundo os especialistas ouvidos pelo Caminhos do Campo, por mais que se apele aos herbicidas alternativos disponíveis no mercado, o remédio mais eficiente por enquanto é a rotação de culturas, a diversificação.

O controle de plantas como buva, azevém, amendoim bravo (leiteira) e capim amargoso – que estão se tornando mais fortes que o glifosato em lavouras brasileiras – exige participação direta do produtor. Se afetado, ele precisa mudar de cultura, reorganizar a sequência de plantios ou tentar abafar as ervas daninhas no inverno com o plantio de gramíneas. O último recurso é voltar à época da foice e da enxada. Já existem áreas em que só trabalho manual detém as invasoras.

Em meio a tamanha ameaça, uma constatação alivia os produtores brasileiros. Enquanto países como Estados Unidos e Argentina tentam alertar agricultores, cooperativas e técnicos, o Brasil começa a enfrentar o problema com uma vantagem: a diversidade produtiva. As diferenças regionais de clima, solo e altitude reduziram naturalmente o espaço da monocultura – prática que teria incentivado o aparecimento das ervas resistentes, pelo uso contínuo de glifosato.

O cultivo de até três safras por ano exige o uso de diferentes produtos e sementes, o que ajuda a rebater a resistência aos agrotóxicos. Ainda assim, boa parte das regiões brasileiras é suscetível ao problema e a aplicação descontrolada de agroquímicos simplesmente agrava a situação.

No Brasil, o principal desafio na guerra contra o novo problema é vencer a buva. A planta saiu do barranco para o meio da lavoura e, imbatível, infestou regiões agrícolas inteiras em menos de cinco anos, incluindo Sudoeste, Oeste, Noroeste e Norte do Paraná. Perto de 40% da área de soja do estado foi infestada, avalia a Embrapa.

Segundo pesquisa da instituição, uma única planta produz perto de 70 mil sementes. Há relatos de até 200 mil sementes. E dois pés de buva por metro quadrado são suficientes para provocar perda de até 30% na produção de soja, afirma Fernando Adegas, pesquisador da Embrapa Soja, de Londrina.

Pedro Christoffoleti, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ligada à Universidade de São Paulo (USP), explica que o capim amargoso, apesar de ter potencial comparado ao da buva em termos de resistência ao glifosato, pode ser controlado com outros produtos. É considerado o principal problema no Paraguai e teria entrado no Brasil pela divisa com o Paraná.

No caso do amendoim-bravo (leiteira), a resistência é considerada mais fraca que a da buva. “Com aplicações corretas, o controle é possível”, diz o pesquisador. O azevém, por sua vez, é um problema do Sul. Não se desenvolve em clima quente. A cultura vinha sendo inclusive usada no controle da buva. Plantada no meio das fileiras de milho, abafa a erva daninha. No entanto, eliminá-la antes do cultivo da soja se tornou mais difícil e o que era um remédio acabou se tornando mais um problema.

Essa foi a avaliação da 1.ª Con­­ferência Pan-Americana so­­­­bre resistência de plantas daninhas, realizada pela Bayer nos EUA.

O jornalista viajou aos EUA a convite Bayer

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Custo extra

Buva aumenta gastos com mão-de-obra

Publicado em 02/02/2010 | Dirceu Portugal, correspondente em Campo Mourão

Mamborê – Produtores da região de Campo Mourão estão tendo trabalho no final do ciclo da soja com o aparecimento de ervas daninhas extremamente resistentes aos herbicidas. Para se livrar do problema, eles estão tendo de contratar funcionários para tirar as plantas daninhas da lavoura. “A buva é uma concorrente negativa da soja. A erva rouba luz, água, adubo, nutrientes e ainda impede o desenvolvimento da planta”, explica o agricultor Hildeson Sambati, de Piquirivaí, que plantou 484 hectares de soja convencional e está com problemas com a buva em uma área de mais de 120 hectares. “Já fiz duas aplicações de glifosato e ainda não consegui eliminar as plantas. A alternativa foi contratar trabalhadores para retirá-las com a enxada”, conta.

Sambati acredita que a infestação das ervas invasoras na lavoura aconteceu por descuido de um funcionário quando da aplicação da primeira dose de herbicida. “Ele deve ter deixado de aplicar o glifosato no estágio inicial do desenvolvimento da buva. Arrancando a planta também teria resolvido o problema”. Sambati, que ainda não fez os cálculos, acredita que deverá ter perdas por conta da erva daninha. Ele planta soja convencional e, assim, teve que interromper a aplicação de glifosato quando a soja começou a crescer.

O agricultor Amâncio de Oliveira acredita que deverá ter perdas em volume e qualidade na soja depois que a planta daninha atacou 30 hectares em sua propriedade em Mamborê. “Mesmo aplicando uma dose de glifosato no estágio inicial não foi possível acabar com a buva. A erva impede o desenvolvimento da soja e com isso o grão tem baixa qualidade, gerando prejuízos aos produtores”, reclama.

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Falta integração às pesquisas na América do Sul

Publicado em 02/02/2010 | José Rocher

As ervas daninhas resistentes aos herbicidas à base de glifosato são poucas na América do Sul, mas ainda escapam da mira dos laboratórios. As investidas ocorrem de forma descoordenada, afirma o pesquisador Pedro Christoffoleti. Ele defende a integração entre laboratórios privados, centros de tecnologia agrícola públicos e universidades.

Na avaliação de Fernando Adegas, da Embrapa Soja, há uma avaliação razoável do Rio Grande do Sul a São Paulo, mas pouco se sabe sobre a expansão do problema na região do Cerrado. “Eu confiaria nas avaliações do Sul e do Sudeste, mas desconfiaria das estimativas sobre as demais regiões (Centro-Oeste, Centro-Norte e Nordeste)”.

Uma pesquisa da Embrapa mostra que a buva é capaz de resistir a até 12 vezes a dose de glifosato indicada no cultivo de soja transgênica, relata. A experiência considerou 17 fazendas do Noroeste do Paraná. Todos os lotes de buva apresentaram resistência, em diferentes gradações. A erva é considerada resistente pelos pesquisadores quando sobrevive a duas vezes a dose indicada e quando essa característica passa para as plantas descendentes.

Redutos das ervas resistentes no Brasil, Rio Grande do Sul e Paraná são os estados mais afetados pelo problema. A estimativa paranaense de que duas plantas de buva por metro quadrado são capazes de reduzir a produtividade de 20% a 30% é confirmada pelo professor Ribas Vidal, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Ele diz que a espécie é capaz de abater o rendimento da soja em 0,4% ao dia. “Dependendo da concentração, a queda pode ser de 80% no ciclo completo.”

Em sua avaliação, o Rio Grande do Sul é apontado como estado de origem das plantas resistentes, em boa medida, porque foi precursor nas pesquisas. Ele afirma que houve três ondas de resistência a herbicidas desde os anos 70. “A primeira, entre os anos 70 e 80, não pegamos. Na segunda, houve problema com resistência a inibidores de ALS, a partir de 1992. A terceira (atual) pegamos em cheio.” A resistência do azevém ao glifosato foi confirmada em 2003 e, depois disso, apareceram a buva, o amendoim-bravo ou leiteira e o capim amargoso.

A resistência ao glifosato afeta principalmente o cultivo da soja transgênica Roundup Ready, que cobre mais de 60% das lavouras brasileiras. A Monsanto, que desenvolveu a tecnologia, informa que o problema é um “fenômeno natural” relacionado à capacidade de as plantas se adaptarem de uma geração para outra. Para a empresa, não se trata de “falha” no desempenho do glifosato. Para proteger a tecnologia RR, a Monsanto desenvolve o programa chamado Stewardship (Gestão Responsável), com orientações sobre manejo de produtos e plantas. Como solução de apoio, a indústria também indica a rotação de culturas na mesma área.

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