Brasil de Fato, 26/01/2015
Por Leonardo Melgarejo
Estudo recente de repercussão internacional discute, com base no caso do Panamá, a necessidade de medidas de controle associadas, e que levem em conta as relações ecológicas entre vetores e hospedeiros, para evitar a expansão da dengue e da febre Chikungunya.
Suas recomendações apontam em direção oposta do que vem ocorrendo no Brasil. Aqui, desconsiderando a correlação entre as duas doenças e a ecologia dos mosquitos que as transmitem, a CTNBio aprovou a liberação comercial de mosquitos transgênicos da Oxitec, como solução para o problema da dengue.
Não vale apena discutir as mentiras alardeadas na ocasião (o mosquito transgênico seria “estéril”, o controle teria plena eficácia, não existiram efeitos colaterais, seria dispensado o uso de inseticidas, etc), já denunciadas pela Articulação Nacional de Agroecologia e outras organizações sociais preocupadas com o tema.
O fato de moradores de bairros pobres de pequenas cidades da Bahia terem servido como cobaias em testes duvidosos, e até o escândalo de que mesmo ali, onde os testes foram realizados, persistiram situações de emergência pela incidência de dengue, foram desconsiderados pela grande mídia e pelo Ministério da Saúde.
O relevante é que esta forma de enfrentamento da dengue, conforme o estudo referido no início deste artigo, além de extremamente onerosa, é ineficiente.
Isto havia sido alertado na CTNBio por pesquisadores que ali representavam o pensamento da Associação Brasileira de Agroecologia, da Agricultura Familiar, do CONSEA e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (pareceres que surpreendentemente não estão disponíveis no site da CTNBio, como exigem as normas daquela comissão, mas podem ser obtidos em http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Parecer-de-vistas-Mosquito_GM.pdf).
Aparentemente, apenas os enormes interesses econômicos envolvidos na produção e distribuição da tecnologia embasariam esta situação que, no final das contas, colocou o Brasil na condição de “primeiro do mundo” a autorizar a multiplicação e liberação no ambiente de mosquitos transgênicos, com o objetivo – que desta forma não será alcançado – de controlar a dengue (http://www.fiocruz.br/rededengue/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=154&sid=3 )
Pois bem, Miller e Loaiza (2015) reafirmam, com base em robustos modelos analíticos, os argumentos apresentados na CTNBio por representantes da ABA, do MDA e da Agricultura familiar, solicitando mais estudos e não aprovação do pedido de liberação dos mosquitos transgênicos, bem como protelação de sua incorporação (sem estudos adicionais) a políticas nacionais, estaduais e municipais, de combate à dengue.
Basicamente:
1 – Os Programas de controle da dengue que focalizam apenas um vetor (o mosquito Aedes aegypti) não serão eficazes porque o vetor secundário (o mosquito Aedes albopictus) tenderá a ocupar o nicho ecológico do primeiro, com agravante de ser eficiente dispersor da febre de Chikungunya. Assim, mesmo que o mosquito transgênico da Oxitec se mostrasse eficiente para reduzir a população do A. aegypti , a ausência de ataque simultâneo à população de A. albopictus não permitira otimismo em relação aos casos de dengue.
2 – A redução na população de A. aegypti favorecerá sua substituição ecológica pelo A. albopictus, cuja expansão é mais difícil prever. Atualmente o A. aegypti é vetor mais eficiente da dengue porque apresenta hábitos urbanos, onde é atacado com inseticidas e campanhas de controle das fontes de proliferação de larvas. Já o A. albopictus , vivendo em áreas arborizadas, apresenta maior flexibilidade e dispersão, fugindo a estes métodos de controle. Saliente-se: no passado o A. albopictus foi o principal vetor da dengue, tendo sido deslocado pelo A. aegypti durante o processo de urbanização.
3- O A. albopictus é o mais eficiente vetor da febre Chikungunya, já presente nas Américas. Se ele ocupar o nicho ecológico atualmente dominado pelo A. aegypti , nossa população se defrontará com riscos associados aos dois tipos e epidemia.
4 – Mutações da Chikungunya favoráveis a sua transmissão pelo A. albopictus atingirão a América, sendo apenas uma questão de tempo. Os modelos que apontam expansão inevitável das doenças transmitidas pelo A. albopictus consideram transporte passivo de larvas, pelas águas, e de mosquitos adultos por veículos automotores, exigindo aplicações de inseticidas (possivelmente os mesmos usados para controle do A. aegypti).
Miller e Loaiza (2015) recomendam cautela com programas de liberação de mosquitos A. aegypti transgênicos, machos, com características que evitam desenvolvimento de larvas, porque isso, mesmo que aparente sucesso de curto prazo, contribuirá para expansão do A. albopictus, agravando os riscos de saúde populacional.
Além disso referem que os padrões de dispersão similares do A. albopictus e do A. aegypti asseguram recolonização das populações eventualmente reduzidas, quando os programas de liberação dos mosquitos transgênicos forem suspensos. Na prática, isso significa que a manutenção de baixos níveis populacionais do A. Aegypti, via liberação dos mosquitos transgênicos da Oxitec, criaria mercados permanentes para a empresa, onde as liberações deveriam ser realizadas de tempos em tempo. Como exemplo, considere que o tratamento inicial em uma cidade com 50 mil habitantes exigira liberação semanal de 10 milhões de mosquitos, ao longo de 6 meses, a um custo de dois a cinco milhões de reais (http://www.diarioweb.com.br/novoportal/Noticias/Saude/180058,,Mosquito+trans+promete+acabar+com+a+dengue.aspx ).
Em outras palavras: estratégias de controle da dengue via liberação de mosquitos GM, em andamento no Brasil, tendem a ser eficazes, se o forem, apenas a curto prazo, trarão custos abusivos e poderão contribuir para expansão da febre de Chikungunya via explosão na população do Ae albopictus..
De forma coerente com alertas desprezados pela maioria dos membros da CTNBio, Miller e Loaiza (2015) recomendam que os programas de controle da dengue passem a considerar ecologia populacional e as interações entre os vetores (Ae. albopictus e o Ae. Aegypti), bem como o desenvolvimento de métodos de programas para controle que levem em conta iminentes riscos de epidemias da febre de Chikungunya, associada ou não à Dengue. Esperamos que o Ministério da Saúde dedique atenção a este assunto, e que a sociedade como um todo abra os olhos para decisões tomadas na CTNBio.
Fontes:
Miller MJ, Loaiza JR (2015) Geographic Expansion of the Invasive Mosquito Aedes albopictus across Panama—Implications for Control of Dengue and Chikungunya Viruses. PLoS Negl Trop Dis 9(1): e0003383. doi:10.1371/journal.pntd.0003383. disponível em http://www.plosntds.org/article/metrics/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pntd.0003383
Ver também http://aspta.org.br/campanha/critical-vote/ ;
http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Parecer-de-vistas-Mosquito_GM.pdf
http://aspta.org.br/campanha/672-2/
o parecer contrario à aprovaçãodo mosquito transgênico, pela CTNBio, está em http://www.movimentocienciacidada.org/documento/detail/22
Leonardo Melgarejo é agrônomo e fotógrafo, além de doutor em Engenharia e coordenador do GT Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).